Acabo de tomar conhecimento da publicação de 27 deste mês denovembro sobre o tema do marco temporal indígenas, cujo julgado passa a ter repercussão geral.
Ouso por meus comentários no corpo dessa publicação, fazendo-os entre colchetes e com destaque em negrito.
Vejamos:
STF define tese de repercussão geral em recurso que rejeitou marco temporal indígena
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, destacou que o texto foi construído com a colaboração de todos os integrantes do Tribunal.
O Supremo Tribunal Federal (STF) fixou, nesta quarta-feira (27), a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, em que o Tribunal rejeitou a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) como marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
Entre outros pontos, ficou definido que, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, caberá indenização, que deverá abranger as benfeitorias e o valor da terra nua, calculado em processo paralelo ao demarcatório, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso. Não haverá indenização nas terras indígenas que já estejam reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, a não ser que o caso já esteja judicializado.
Construção coletiva
O relator do recurso, ministro Edson Fachin, destacou que a tese de julgamento foi gradativamente construída e conta com contribuições dos 11 integrantes do Tribunal. No mesmo sentido, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, em sua última sessão plenária, celebrou o fato de que a tese tenha sido elaborada de forma colegiada, o que, em seu entendimento, “a fortalece aos olhos da sociedade”.
Tese
Confira a tese de repercussão geral fixada no Tema 1.031, que servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 226 casos semelhantes que estão suspensos:
I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;
[A demarcação tem efeito juridico meramente declaratório da existência ou inexistência de um fato.Tanto pode ser de um fato passado ou de um fato presente, conforme seja o caso.
Tradição pressupõe continuidade temporal; ausência de interrupção ao longo dos tempos. A ocupação não pode ter sofrido interrupção. A demarcação deverá referir-se apenas terras indigenas em que essa ocupação tradicional tenha persistido inabalada ao longo de nossa história, até os dias atuais.]
II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;
[Isso não significa que essa tradicionalidade seja atemporal, posse imemorial. Porque, historicamente, terras tradicionalmente ocupadas por indígenas perderam sua tradicionalidade com a superveniente colonização da Terra Brasilis.]
III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;
[O conceito sobre “terras que tradicionalmente ocupam” reporta-se a fato presente, não podendo ser aplicado a ocupações que, por qualquer motivo, deixaram de ser tradicionais. Assim, historicamente, deixaram de ser tradicionalmente ocupadas por indígenas as terras que eles próprios abandonaram, como as que perderam pela superveniente ocupação por não-índios. Desse modo, o marco temporal a ser aí considerado será o marco histórico em que cada terra indígena passou a ser ocupada por não-índios. Essa verdade retroage ao início da colonização brasileira.]
IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, §6º, da CF/88;
V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União;…”
[Noto, nessa primeira parte desse inciso V uma contradição. Refere-se, primeiro à ausência de ocupação ou (ausência) de “renitente esbulho.” Assim, se “são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena” será o caso da manutenção desses particulares nessas terras; jamais de ter de deixá-las, ainda que mediante pagamento, pela União, justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis. Deve-se ter em conta também que, nesses casos, a União nem mesmo efetuara a demarcação dessas terras, quando passaram a ser ocupadas por particulares. Tornaram-se ocupantes de boa-fé, que, por isso mesmo nelas devem continuar.]
… e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do art. 37, §6º da CF;
[Nessa parte final desse inciso V, o Supremo em nada contribui para a paz social. Se a União, no seu dever, não demarcara como tradicionalmente ocupada por comunidade indigena cada terra que passou a ser ocupada por particulares, não será o caso de reassentá-los, mas de ali mantê-los. E quem deverá ser compensado por essa omissão serão, isto sim, os respectivos indígenas.]
VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento;
VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT);
[Desse inciso VII, deflui que: a) deve prevalecer a favor dos particulares (não-índios) o princípio da boa-fé nas ocupações de terras neste nosso Brasil, que também se podem dizer tradicionais; o fato e o momento histórico de cada ocupação; a garantia de igualdade de direitos de todos perante a lei; o imperativo da paz social, que se obtém ao respeitar esse fato superveniente das ocupações particulares já consolidadas; é de interesse público o reconhecimento dessas ocupações territoriais por esses particulares, nos campos e nas cidades.]
VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento;
IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado;
[Conduzo o leitor ao meu artigo sob o título “Laudos antropológicos e Terras Indígenas”* onde sustento sua inaplicabilidade para decidir se determinada terra se pode dizer, atualmente, ocupada tradicionalmente por indígenas. Esses laudos são meros retratos do passado. Ora, se um desses laudos atestar que encontrou indícios de ocupação indígena no Páteo do Colégio, berço da Capital da Cidade de São Paulo, deverá essa terra ser devolvida os indígenas? E o restante do Brasil ocupado pelo “descobridores”, colonizadores e seus descedentes?]
X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;
XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
[A tradicionalidade dessa ocupação não se presume. Depende do cumprimento do dever da União de executar sua demarcação. Enquanto não demarcadas, podem ser ocupadas por particulares.]
XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional ao meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades tradicionais dos indígenas;
XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei”
PR/CR//CF
• Processo relacionado: RE 1017365
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