sábado, março 08, 2014

Efeito Vinculante e Direito à Jurisdição

Como se sabe, efeito vinculante é aquele pelo qual a decisão tomada pelo tribunal em determinado processo passa a valer para os demais que discutam questão idêntica.

Nos termos da legislação em vigor, a decisão tomada no Supremo Tribunal Federal  em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)  ou na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) possui efeito vinculante, ou seja, deve ser aplicada a todos os casos sobre o mesmo tema.

As Súmulas Vinculantes aprovadas pela Corte também conferem à decisão o efeito vinculante, devendo a Administração Pública atuar conforme o enunciado da súmula, bem como os juízes e desembargadores do país. Quanto a estes (juízes e desembargadores) faço as ressalvas neste artigo.

Os demais processos de competência do STF (habeas corpus, mandado de segurança, recurso extraordinário e outros) não possuem efeito vinculante. Desse modo, a decisão tomada nesses processos só tem validade entre as partes. Entretanto, o STF pode conferir esse efeito convertendo o entendimento em Súmula Vinculante.

Outro caminho é o envio de mensagem ao Senado Federal, a fim de informar o resultado do julgamento para que retire do ordenamento jurídico a norma tida como inconstitucional.

Direito à Jurisdição em face de ADIn e ADC

Temos para nós, entretanto, que os efeitos das decisões em ADIn julgadas improcedentes e nas ADC julgadas procedentes devem ser relativizados, no interesse dos jurisdicionados, sempre que estes tenham argumentos suficientes para demonstrar a inconstitucionalidade de lei ou de dispositivo de lei, ainda que em face do entendimento manifestado pelo Supremo em tais ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Premissas:

1.-  O direito à jurisdição é direito público subjetivo de todos quantos decidam recorrer ao Poder Judiciário.

2.-  Esse direito é inerente ao Estado Democrático de Direito.

3.-  Seu exercício não pode ser cerceado.

4.-  Não se esgota com o mero ingresso de uma petição perante o Poder Judiciário.

5.-  Tem por objetivo dirimir controvérsias ou garantir direitos.

6.- O interessado pode buscar meramente seja aplicado a seu favor igual tratamento judicial com base naquele ou naqueles precedentes adotados pelos tribunais superiores.

7.-  Pode ter por finalidade dar ao caso tratamento diverso daquele deferido pelo Judiciário em outros casos.

8.-  Pode ter por objeto a demonstração de inconstitucionalidade de lei ou de dispositivo de lei com base em argumentos e fundamentos ainda não submetidos ao crivo do Supremo Tribunal Federal.

9.-  Não pode ficar jungido a decisão do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente ou mesmo ação direta de constitucionalidade julgada procedente, nas quais os argumentos e fundamentos conducentes à decisão hajam sido insuficientes para a demonstração da inconstitucionalidade da lei ou do dispositivo de lei.

10.- Pode exercer o direito de ação para buscar modificar a jurisprudência do Supremo  com base em argumentos e fundamentos jurídicos novos, inclusive para a revisão de entendimentos já adotados com eficácia “erga omnes”  e efeito vinculante.

Conclusão

O efeito vinculante nas ADIn e nas Ações Diretas de Constitucionalidade deve ser relativizado:

a)     É aplicável nas ações individuais ou coletivas pendentes ou supervenientes  sempre que a ADIn tenha sido julgada procedente, ou a ADC improcedente.

b)     Não vincula o juiz nem os tribunais em ações individuais ou coletivas embasadas em fundamentos jurídicos não suscitados nem decididos nessas ADIn ou  nessas ADC., pois não se pode fazer coisa julgada material sobre o que o Supremo não foi chamado a decidir ou decidiu por fundamentos outros.

c)      É sempre aplicável contra a Administração Pública, nas decisões a ela contrárias.

Somente o Supremo pode modificar sua jurisprudência, desde que a tanto provocado pela parte interessada, pois o Poder Judiciário só age por iniciativa da parte. Daí porque o magistrado ou o tribunal não pode negar a prestação jurisdicional no caso concreto ao argumento de que esteja submetido ao efeito vinculante da decisão do Supremo, se, nesse caso concreto, outros fundamentos de direito são suscitados pela parte para demonstrar a inconstitucionalidade da lei ou do dispositivo legal ali atacado.

Em suma, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ou uma Ação Direta de Constitucionalidade – exercida no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade – não tem o condão nem autorização constitucional para excluir o direito público subjetivo dos jurisdicionados de submeter seu pleito ao Poder Judiciário, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade e de obter decisão final de mérito. Seria uma incongruência excluir-se da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, em face de uma Constituição que garante esse mesmo direito à jurisdição. Direito que não se esgota no ato de protocolo de uma petição inicial, pois quem ingressa em juízo, o faz para ter decisão de mérito capaz de decidir sobre o tema ali suscitado.

segunda-feira, março 03, 2014

REFIS diversos e o direito à recuperação dos pagamentos indevidos



Ao longo dos últimos anos, o governo federal instituiu vários programas de parcelamento ou refinanciamento de débitos tributários federais. Esses programas, genericamente, se denominam "REFIS", cuja sigla advém do primeiro parcelamento amplo e geral, realizado em 2000. Vejamos sua cronologia:
REFIS 1 - O REFIS - Programa de Recuperação Fiscal - Lei 9.964/2000 -  destinava-se a promover a regularização dos créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000.


REFIS 2 (oficialmente: "PAES") – A Lei 10.684/2003 instituiu parcelamento especial de débitos em até 180 meses para todos os débitos para com a Fazenda Nacional (SRF e PGFN), constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, vencidos até 28 de fevereiro de 2003.


REFIS 3 (Oficialmente: "PAEX") – A Medida Provisória 303/2006 instituiu parcelamento especial de débitos em até 130 (cento e trinta) prestações mensais e sucessivas para os débitos de pessoas jurídicas junto à Secretaria da Receita Federal - SRF, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN e ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003.


REFIS 4 (também apelidado como "REFIS da Crise") – A Lei 11.941/2009 (conversão da MP 449/2008) permitia o parcelamento da dívidas tributárias federais vencidas até 30 de novembro de 2008. O prazo de adesão ao programa de parcelamento do "REFIS da Crise" foi reaberto até 31.12.2013 pelo artigo 17 da Lei 12.865/2013.


REFIS das Autarquias e Fundações - O artigo 65 da Lei 12.249/2010 autorizou o parcelamento dos débitos administrados pelas autarquias e fundações públicas federais e dos débitos de qualquer natureza, tributários ou não tributários, com a Fazenda Nacional. O prazo de adesão a esse programa de parcelamento foi reaberto até 31.12.2013 pelo artigo 17 da Lei 12.865/2013.

REFIS "Dos Bancos" - Instituído pelo artigo 39 da  Lei 12.865/2013, trata do parcelamento de débitos do PIS e COFINS em até 60 parcelas, com descontos de multa e juros.

REFIS dos Lucros no Exterior - Instituído pelo artigo 40 da Lei 12.865/2013, trata do parcelamento de débitos do IRPJ e CSLL de lucros oriundos no exterior, em até 120 parcelas, com descontos de multa e juros.


Requisitos e Condições

Nesses programas, impõe-se ao contribuinte aderente uma séria de requisitos e condições, sob pena de não admissão ou mesmo de exclusão de seus benefícios.


O descumprimento dos requisitos e das condições neles impostos afasta os benefícios do programa e restabelece o débito do contribuinte com seus consectários legais de multas e juros sobre o saldo devedor, devidamente atualizado pela taxa SELIC.


Opões do Contribuinte


Caso o crédito tributário do contribuinte em débito com a Fazenda Nacional ou com o INSS já tenha sido a ele notificado, poderá ocorrer o seguinte:
a)     o contribuinte impugna o lançamento tributário na via administrativa, ficando no aguardo da decisão do Fisco;

b)    o contribuinte aceita a decisão e paga a dívida, extinguindo o crédito tributário;

c)     o contribuinte interpõe recurso administrativo contra a decisão a ele contrária;

d)    o recurso é indeferido ou parcialmente deferido;

e)     se indeferido ou parcialmente deferido o recurso, o contribuinte paga a dívida, extinguindo-se o crédito tributário;

f)      o contribuinte não paga a dívida, que se mantém pelo montante correspondente à parte indeferida do recurso;

g)    o contribuinte opta por propor ação anulatória do crédito tributário ou mandado de segurança, sem depósito judicial de seu valor em ambos os casos;

h)    a Fazenda Nacional promove a execução judicial do crédito tributário, a menos que o contribuinte tenha efetuado o prévio depósito integral de seu valor nos autos da anterior ação anulatória ou mandamental;

i)       iniciada a execução judicial, o contribuinte é citado para, querendo, oferecer embargos à execução;

j)       poderá, em sendo o caso, defender-se por via de exceção de pré-executividade ou aguardar a penhora de seus bens para oferecimento de embargos à execução.


Questão Relevante


Uma questão relevante deve ser considerada em todos os casos relacionados com adesão do contribuinte a esses programas de regularização fiscal.

Impõe-se, aí, distinguir os casos de débitos resultantes de não pagamento de tributo exigido com base em exigência legal válida, daqueles outros fundados em lei inconstitucional  ou em exigência ilegal.


É fato que a lei se presume constitucionalmente válida. Motivo pelo qual a lei tributária deve ser aplicada pelo administrador sem entrar no mérito de sua constitucionalidade.


No entanto, é lícito ao contribuinte por em dúvida a legalidade da exigência fiscal ou a própria constitucionalidade da lei em que se apoie o lançamento tributário.

Direito à Restituição


Por não ser admitida lei violadora de qualquer das garantias constitucionais inerentes ao Estado Democrático de Direito, sobressai ser lícito ao contribuinte obter a restituição de valores pagos ao Fisco com base em lei inconstitucional ou em exigência ilegal.


Entretanto, nesses programas de regularização fiscal impõe-se, como requisito de admissibilidade, que o interessado não só desista formalmente dos recursos e ações em que questiona a exigência do crédito tributário, como manifeste, formalmente e em caráter irretratável e irrevogável, renúncia dos direitos em que se baseie sua defesa ou seu pleito.


No ponto de vista deste autor, a condição de desistência de defesa administrativa ou mesmo de defesa judicial e de renúncia de direito por parte dos contribuintes em face do Fisco só faz sentido e só tem validade quando o tema dessa defesa se limite a questão de direito a respeito da qual já haja pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a constitucionalidade e a legalidade da exação fiscal. Mas, ainda assim, não se pode tirar do contribuinte o direito de buscar modificar a jurisprudência do STF ou do STJ, mediante novos fundamentos constitucionais ou legais, distintos daqueles suscitados nos precedentes judiciais favoráveis ao Fisco.  


De igual modo, como o indébito não é tributo nem é tributo devido e como pagamento a maior de tributo devido também é indébito, não se justifica a imposição de desistência de defesa administrativa ou mesmo judicial e de renúncia de direito como condição para adesão e permanência no respectivo REFIS.


Também não se pode subtrair ao contribuinte o direito à jurisdição envolvendo discussão administrativa ou judicial relacionada com matéria de direito ainda não dirimida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em que esteja o contribuinte a demonstrar a ilegalidade da exigência fiscal ou a inconstitucionalidade da lei ou do dispositivo de lei em que se apoie o lançamento tributário.


Ora, sob o comando e sob as garantias da vigente Constituição Federal de 1988, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão por exigência de lei. Mas, não basta a existência de lei, pois deve ela curvar-se aos ditames e aos limites da Lei Maior: a Constituição.


Presunção Relativa


Lei inconstitucional é lei nenhuma. É lei que se presume constitucionalmente válida, até que venha a ser reconhecida e declarada sua inconstitucionalidade. Desse modo, compete à parte interessada arguir em juízo a inconstitucionalidade da lei ou de dispositivo de lei, vedado ao juiz dizer que a lei se presume constitucionalmente válida. Juiz não presume. Juiz julga.

Essa presunção de constitucionalidade da lei é presunção relativa, pois se absoluta fosse, todas as leis inconstitucionais assim continuariam a ser por impossibilidade de se arguir sua inconstitucionalidade.
 
É claro que o administrador público há de cumprir a lei, enquanto não declarada inconstitucional, pois a ele não é dado alegar sua inconstitucionalidade para deixar de aplicá-la.

Mas se assim é em relação ao administrador público, o mesmo não acontece com os particulares, pessoas físicas ou jurídicas em geral.


Algumas Conclusões


Feitas essas ponderações, podemos extrair algumas conclusões quanto aos requisitos e condições de admissibilidade aos programas de regularização e recuperação fiscais (os diversos “REFIS”) do governo federal:


1.     Nos casos de dívidas tributárias decorrentes do descumprimento de leis e dispositivos de lei constitucionalmente válidos, as exigências de desistência de recursos e ações, bem como de renúncia quanto aos fundamentos de defesa do contribuinte, nada têm de irregular nem de ilegal.

2.     É nula e descabida a exigência de renúncia da parte do interessado, aos direitos em que se fundamente sua defesa, quando apoiados seus argumentos em arguição de ilegalidade da exigência tributária ou em inconstitucionalidade da lei na qual se baseie o lançamento do tributo. Trata-se de cláusula abusiva na lei instituidora do REFIS a que se refira.


A exigência de renúncia de direito jamais pode alcançar a exclusão do direito de discutir a inconstitucionalidade de lei ou de dispositivo de lei, ou a ilegalidade da exigência de ato ou de fato contrários a lei constitucionalmente válida ou presumidamente constitucional.


Consequências do Raciocínio

Pagamentos de tributos efetuados com base em exigência ilegal ou com base em lei inconstitucional são pagamentos indevidos.

O indébito pode ser reclamado pelo contribuinte, observado o prazo quinquenal de prescrição.

O indébito não é devido a tempo algum, e se pago fora do contexto de um “REFIS” ou mesmo no âmbito de qualquer desses programas de regularização e recuperação fiscal, continua sendo pagamento indevido.

Nesse contexto, a cláusula de renúncia é cláusula potestativa, eivada de nulidade, porquanto abusiva.


 Ações Judiciais Supervenientes


 A cláusula de renúncia nesses programas não obsta à propositura de superveniente ação judicial para liberar a empresa aderente de se eximir da obrigação de pagar as prestações previstas no respectivo programa ou de recuperar as já pagas.


No curso dessas ações supervenientes, deverá a empresa contribuinte fazer o depósito judicial das parcelas do “REFIS” como se não houvesse ajuizado a ação.

O ajuizamento de tais ações supervenientes é de suma importância, inclusive porque impede o contribuinte de continuar sujeito a futuros lançamentos tributários calcados em lei ou em dispositivos de lei constitucionalmente inválidos.


Não faz sentido privar o contribuinte desse direito, por haver aderido ao respectivo REFIS, mormente quando aquele outro que não tenha feito a adesão seja vitorioso ao apontar e ver reconhecida judicialmente a ilegalidade ou inconstitucionalidade da lei ou do dispositivo de lei em que se baseia o lançamento tributário.


Contribuintes em situação equivalente não podem ser tributados diferenciadamente. E tampouco ser compelidos a pagar tributo ilegal ou inconstitucional.


Daí a nulidade da exigência de renúncia de direito como condição de admissão e permanência nesses programas de regularidade e recuperação fiscal. E o direito do aderente de recorrer ao Judiciário para eximir-se de obrigação tributária que considere ilegal ou inconstitucional.