quinta-feira, outubro 28, 2021

Empreendimentos Eólicos Offshore e o Direito de Posse das Áreas Marítimas

É evidente que qualquer empreendimento físico se realiza em algum lugar específico de nosso planeta: em terra ou no mar.

Nos locais terrestres sempre será fácil situá-los e neles se estabelecer a posse física.

A questão que se põe é a seguinte: Como poderá o empreendedor de um projeto eólico “offshore” dizer e provar que seja possuidor da área marítima em que instalará seu empreendimento?

É certo que o mar territorial brasileiro é bem de propriedade da União Federal. É ela, assim, titular do direito de propriedade e da posse sobre suas áreas marítimas e também terrestres.

Mas essa posse pode por ela ser cedida a particulares nos termos da legislação vigente.

Quando cedida, a União Federal permanecerá, não obstante, com a posse indireta, ao passo que o cessionário terá a posse direta da área em questão.

Isso acontece já no âmbito do Direito de Mineração. A partir de um pedido de autorização de pesquisa mineral à Agência Nacional de Mineração, o requerente situa a área pretendida, passando a exercer (ainda que a título precário) o direito de posse direta sobre a mesma área.

O mesmo deve ocorrer no caso de empreendimentos eólicos “offshore”. A posse da área marítima a favor do requerente advirá automaticamente, no plano jurídico, a partir do momento em que identificada a área pretendida, sua localização e delimitações, o interessado  formalize seu pedido junto à ANEEL ou mesmo junto à Secretaria do Patrimônio de União (SPU), objetivando a implantação do empreendimento eólico “offshore”.

Cabe ai apenas uma distinção no cotejo com a imissão na posse de área ou imóvel terrestre. No caso dos projetos eólicos “offshore”, a posse física da respectiva área marítima não será imediata. Ocorrerá assim que o projeto eólico “offshore” houver sido aprovado com a final formalização do Contrato de Cessão Onerosa de Uso junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Assim, enquanto não se inicie a implantação do empreendimento eólico “offshore”, o requerente terá a posse jurídica e provisória do imóvel marítimo, que se converterá em posse física e definitiva tão logo inicie a execução do projeto nos seus pontos específicos no mar territorial brasileiro e na zona de controle da União Federal.

Iniciada a implantação do projeto eólico “offshore” o empreendedor será titular de sua posse direta no mar, retendo a União Federal seu direito de posse indireta sobre as mesmas áreas do empreendimento. 

domingo, outubro 17, 2021

A prescrição intercorrente trienal nos processos administrativos ambientais


  O Decreto  nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, tem sido aplicado equivocadamente até mesmo na determinação do prazo de prescrição intercorrente no âmbito dos processos administrativos ambientais. Como sendo prazo de cinco anos.

Esse Decreto, ao contrário do que possa parecer, não trata propriamente de prazo prescricional. Cuida, isto sim, de prazo decadencial para o ajuizamento de ações objetivando a cobrança de dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal.

Leia-se seu artigo 1º:

“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”

Não há possibilidade de arguição de prescrição sem o prévio ajuizamento da cobrança do crédito em questão.

Desse modo, poderá haver prazos iguais para ambos os institutos da decadência e da prescrição. Ou mesmo prazos distintos.

Assim, os institutos jurídicos da decadência e da prescrição não se confundem. Decai-se do direito de ação quando exercido após o prazo legal pelo credor contra o devedor. Já a prescrição atinge o objeto da ação.

Dessa maneira, ocorrida a decadência, basta à Fazenda Pública demonstrar o decurso do prazo para o ajuizamento da ação contra ela movida. Assim, a comprovação do decurso do prazo decadencial extingue a ação.

Por sua vez, a prescrição poderá ser demonstrada em qualquer processo judicial não atingido pelo prazo decadencial. Isso porque o prazo de prescrição legalmente previsto poderá ser menor do que aquele decadencial. E a prescrição atinge o objeto da ação. Inclusive quando intercorrente.

Deflui da redação desse artigo 1º, acima reproduzido, que seu prazo de cinco anos se aplica apenas nas ações movidas contra a Fazenda Pública.

Fora do contexto desse Decreto 20.910 de 1932, deverão ser aplicadas as normas legais específicas ou constantes de lei especiais regulatórias dos institutos da decadência e da prescrição.

Nesse sentido, a regra do Código Tributário Nacional (CTN), da Lei das Execuções Fiscais (LEF), do Código Civil, da Lei Ambiental Federal, entre outras, cujos prazos decadenciais e prescricionais divirjam do prazo quinquenal do artigo 1º do Decreto de 1932.

Ademais, não cabe a aplicação analógica do prazo de cinco anos desse artigo 1º. quando a analogia se possa fazer com prazo menor previsto em leis específicas, ainda que em nível federal, na ausência de prazo decadencial ou prescricional em leis estaduais ou municipais.

Havendo conflito entre dois prazos (decadencial ou prescricional) em que um deles esteja amparado no quinquênio do Decreto 20.910/32, e outro, menor, em qualquer outro dispositivo legal, deverá ser aplicado, por analogia, o prazo menor em favor do ente de Direito Privado, contra o qual se instaure a ação judicial de cobrança ou de execução.

A aplicação da analogia é imperativo legal (Art. 4º, parágrafo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Se se trata, por exemplo, de imposição de multa ambiental, deverá ser investigada a legislação específica na determinação dos prazos decadencial e prescricional aplicáveis para a sua cobrança.

Prescrição intercorrente

Note-se, ademais, que o Decreto 20.910 de 1932 nada dispõe sobre o tema da prescrição intercorrente. E, exatamente por isso, não há de servir como supedâneo para a aplicação do prazo de cinco anos para a hipótese de prescrição intercorrente no processo administrativo ou judicial (ambiental, entre outros).

Aliás, no seu artigo 1º (como nos demais) não se cuida da prescrição intercorrente, quer no processo judicial, quer no administrativo que possa antecedê-lo.

Os demais artigos desse Decreto 20.910 de 1932 em nada alteram esse nosso entendimento de que decadência e prescrição não se confundem. E que a prescrição intercorrente deve pautar-se pelos prazos previstos nas normas específicas ou especiais, ou por analogia com qualquer delas, quando análogas as situações que justificam o emprego dessa garantia legal e constitucional inerente ao princípio da razoabilidade, ao devido processo legal e ao comando de que a execução deve ser procedida pelo modo menos oneroso ao suposto devedor.

Esse Decreto nº 20.910/32  não serve de supedâneo para caso algum em que, no polo passivo da ação, se encontrem pessoas naturais ou jurídicas de Direito Privado.

Desse modo, as regras pertinentes aos institutos da decadência e da prescrição devem ser aquelas previstas no Código Civil e nas leis especificas ou especiais que estabeleçam seus respectivos prazos, quando menores do que cinco anos. Mormente quanto ao tema da prescrição intercorrente.

Do equívoco jurisprudencial do STJ

O Decreto nº 20.910/32 nada dispôs sobre prescrição intercorrente. Quer no processo administrativo, quer no judicial.

Norma específica relacionada com o Direito Ambiental em nível federal, a Lei nº 9.873/99, prevê a prescrição intercorrente, com prazo de três anos.

Todavia, em equivocado entendimento, ainda que por jurisprudência consolidada do STJ, já na sistemática dos recursos repetitivos (Recurso Especial nº 1.115.078/RS), essa prescrição intercorrente se aplica somente aos processos administrativos do Ibama e não aos dos órgãos ambientais estaduais ou municipais. Para estes, entende ser aplicável tão somente a prescrição quinquenal, a que alude o Decreto nº 20.910/32, que nem mesmo previu a prescrição intercorrente.

Ora, se o próprio Decreto nº 20.910/32 cuida apenas de ações contra a Fazenda Pública, não prevendo qualquer prazo de prescrição intercorrente em processo administrativo contra pessoas de Direito Privado, e muito menos no processo judicial, impõe-se concluir que não serve de paradigma e muito menos de disposição autorizadora do emprego da analogia com norma legal ambiental especifica constante de lei federal, como a Lei nº 9.873/99.

Situações entre si distintas não podem ser tratadas como se iguais fossem. O prazo decadencial ou prescricional de cinco anos previsto no Decreto de 1932 relaciona-se, especificamente com ações que tenham a Fazenda Pública no polo passivo. Já as ações outras, em que a Fazenda Pública se ache no polo ativo, as regras relacionadas com prazos de decadência e prescrição devem ser aquelas das normas legais específicas.

Não por menos, assim dispõe até mesmo o artigo 10 do Decreto nº 20.910/32: 

“Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.”

 Matéria de fundo constitucional

Ademais, a garantia constitucional ao tratamento isonômico se sobrepõe ao entendimento do STJ, proferido no Recurso Especial nº 1.115.078/RS), de que o prazo de três anos da prescrição intercorrente da Lei 9.873/99 se aplica somente aos processos administrativos do Ibama e não aos dos órgãos ambientais estaduais ou municipais.

Aplicação de isonomia é impositivo constitucional. Como espécie do princípio da igualdade. Situações entre si equivalentes devem ter o mesmo tratamento legal. E a ninguém é dado o direito ou o poder de aplicar a lei, arguindo omissão legal. Deverá valer-se da analogia.

Na omissão de prazo de prescrição intercorrente em processos administrativos ambientais estaduais ou municipais, a isonomia há de ser considerada no contexto da lei especial (ainda que federal) e não de um Decreto governamental que trata de ações de particulares contra a Fazenda Pública (o Decreto nº 20.910/32).

O Poder Público não pode invocar sua omissão ao deixar de normatizar institutos de direito como o da prescrição intercorrente em processos administrativos instaurados contra particulares (pessoas naturais e jurídicas de Direito Privado).

Direito público subjetivo

Na omissão legislativa estadual ou municipal sobre prescrição intercorrente em processos administrativos (ambientais e mesmo de outras naturezas)  haverá, como há, o direito público subjetivo de qualquer pessoa valer-se da invocação da analogia e da isonomia, com respaldo em norma legal vigente no País, ainda que de outro nível federativo, para, em seu benefício, assim suprir a omissão legal na lei estadual ou municipal.

Desse modo, o prazo de prescrição intercorrente nos processos administrativos e nas execuções movidas pela Fazenda Pública contra pessoas naturais e jurídicas de Direito Privado só poderá ser de cinco anos, quando assim imposto por lei específica, prevalecendo prazo menor se assim determinado em qualquer lei (geral ou especial).

Na ausência de previsão de prescrição intercorrente em processos administrativos ou judiciais estaduais e municipais, impõe-se a adoção do prazo constante de lei federal específica por força do comando constitucional da isonomia e também da analogia (art. 4º. Parágrafo 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro).

Em consequência, no âmbito do Direito Ambiental, o prazo de prescrição intercorrente no processo administrativo, de três anos, da Lei 9.873/99 tem aplicação por isonomia e analogia, às ações ambientais movidas pelos Estados, Municípios e Distrito Federal contra qualquer pessoa física ou jurídica de Direito Privado.

E, na mesma linha de raciocínio, o prazo também trienal do Decreto nº 6.514/08, federal, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente.

Leia-se o parágrafo 2º  de seu artigo 21:

“§2o Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).

Ora  a  grande maioria dos Estados e Municípios recorre a esse Decreto  para nele capitularem algumas das infrações ambientais em autos de infração que são lavrados pelos órgãos ambientais estaduais e municipais. O que demonstra sua aplicabilidade a esses entes federativos, por analogia, e a exigência de tratamento isonômico em favor dos autuados.

Ferem o princípio constitucional da razoabilidade, valerem-se os Estados e Municípios desse Decreto Federal no que lhes convém, deixando de aplicá-lo no que pudesse ser favorável aos autuados em processo administrativos ambientais.

Portanto, prevalece o prazo de três anos para a configuração da prescrição intercorrente em todos os processos administrativos relacionados com infrações ambientais, em quaisquer dos níveis federativos. Sem exceção.

Aplicação restrita

Já, o prazo de cinco anos do Decreto 20.910/32 tem aplicação apenas no caso de ações movidas por particulares para a cobrança de dívidas passivas da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Nada mais do que isso.