sábado, março 17, 2007

A China e a garantia do direito de propriedade

Plínio Gustavo Prado Garcia
www.pradogarcia.com.br

Em artigo anterior sob o título “O Silêncio dos Covardes” lançamos um brado em defesa do direito de propriedade a partir de uma óptica publicista no sentido de que a garantia desse direito é mais do interesse social do que, propriamente, do interesse individual.

Na verdade, o respeito ao direito de propriedade diz com a ordem social. E, desse modo, não se faz necessário nem mesmo invocar razões de direito privado para dar-lhe sustentáculo jurídico.

O curioso é que a China, Meca do comunismo que ainda não submergiu nos anais da história, acaba de aprovar garantias ao direito de propriedade exatamente por entender que isso se faz necessário como medida de preservação da ordem social.

Pouco importa, a nosso ver, se a garantia do direito de propriedade proceda de uma visão publicista ou de uma visão privatista do direito. Relevante, isto sim, é que o ordenamento jurídico vigente em cada país preveja essa garantia e propicie meios legais para torná-la efetiva e eficaz.

Entre nós, introduziu-se na Constituição Federal a expressão “função social da propriedade”, cujo conceito, entretanto, tem sido deturpado a ponto de pretender-se a transformação do direito de propriedade em ônus da propriedade.

E, com base nessa visão social do direito de propriedade se pretende impor ao proprietário obrigações e encargos onerosos como se fosse não um proprietário, mas um mero usuário da propriedade que, enquanto assim considerado, devesse curvar-se a exigências legais de atendimento de índices de produtividade, entre outras obrigações.

Destacamos a diferença que deve existir entre ações e omissões do proprietário e obrigações outras dele exigidas em relação ao uso e aproveitamento de sua propriedade. Assim, cabe distinguir as obrigações negativas, isto é de abster-se de praticar determinados atos (v.g., não poluir o solo, as águas, o ar, não desmatar, etc.) das obrigações positivas consistentes em ter de fazer alguma coisa. É claro que a obrigação positiva de reparar um dano não pode se confundir com qualquer imposição legal de tornar produtiva a propriedade. Ainda que possa haver interesse social no incremento da produtividade rural, por exemplo, carece de razoabilidade exigir-se do proprietário o atingimento de quaisquer índices de produtividade, ainda que se lhe fossem dados os meios para tanto. E pior ainda quando nem isso lhe seja dado.

Por tudo isso, consideramos inconstitucionais os dispositivos legais e as normas do INCRA que submetam o proprietário rural a tais exigências de produtividade, sob pena de ver suas terras desapropriadas para fins de reforma agrária.

Trata-se uma inaceitável coação que não se enquadra nos limites do conceito de função social da propriedade. Ninguém pode ser coagido a produzir. Mormente quando quem o exija nem mesmo se digna de propiciar ao proprietário os meios necessários ao incremento da produção rural.

É claro que a Constituição Federal admite a desapropriação por interesse social. Mas, em contrapartida, impõe o dever de indenizar o desapropriado.

Portanto, se o que se pretende é tornar a terra produtiva, que se propicie ao dono da terra os meios para tanto. Assim, a alegação de desapropriação para fins de reforma agrária só se justificaria diante daqueles proprietários que viessem a manter sua terra subutilizada ou pouco produtiva, tendo antes sido agraciados com os meios e recursos para essa finalidade.

Fica, aqui, portanto, a recomendação ao proprietário rural: reivindique documentalmente esses meios e recursos junto aos órgãos governamentais competentes. Se a reivindicação não vier a ser atendida ou vier a ser atendida de modo insatisfatório, terá esse proprietário argumentos de defesa: quem não me propicia os meios e recursos não pode de mim exigir o atendimento de qualquer índice de produtividade rural. E não pode submeter a propriedade à desapropriação para fins de reforma agrária, se, para tanto, for esse o pretexto apresentado.






domingo, março 04, 2007

Encargos Financeiros nos Cartões de Crédito

Plínio Gustavo Prado Garcia
www.pradogarcia.com.br

Em uma conversa de amigos sobre o peso dos tributos e dos juros no Brasil, um deles se queixou dos encargos financeiros em cartões de crédito. Queria saber se seria possível a redução dessas taxas, em torno de 12% ao mês.

Disse-lhe que o Supremo Tribunal Federal tem posição firmada a respeito desse assunto, ao reconhecer que pode o juiz decidir em cada caso se os juros são ou não abusivos. Assim, muito embora o juiz não possa interferir na política de juros determinada pelo Banco Central do Brasil, não está ele impedido de, a cada caso submetido a seu julgamento, arbitrar seu montante e reduzir sua taxa.

Perguntei ao amigo qual era seu procedimento quanto ao pagamento mensal das faturas de seu cartão. A resposta foi que ele costumava pagar a fatura pelo valor integral, na data do vencimento. A minha foi que ele deveria continuar procedendo dessa maneira, pois assim evitaria todos aqueles encargos decorrentes do pagamento parcial ou da falta de pagamento da fatura no seu vencimento.

O amigo observou que esse assunto havia sido levantado por um conhecido seu que se queixava da cobrança continuada de encargos financeiros de mais de 12% em cada fatura mensal de seu cartão de crédito, pois só vinha pagando a cada mês o valor mínimo indicado na fatura.

Assim, exemplificou que a cada R$1.000,00 apontado na fatura, pagava o valor mínimo nela indicado. No mês seguinte, se nenhuma compra mais tivesse sido feita, viria o saldo devedor e o acréscimo dos encargos financeiros.

Recomendei que esse seu conhecido recolhesse todas as faturas, desde a primeira em que começou a pagar os encargos financeiros, por não ter quitado integralmente a fatura.

Essa situação já vinha perdurando há dois anos. E, por isso, foi possível verificar que, na verdade, a dívida inicial tinha sido paga e deveria estar extinta por motivo de cobrança excessiva e abusiva.

Nessa situação, pôde ser constatado que, além de haver a inclusão dos encargos financeiros em cada fatura a vencer em decorrência de a fatura anterior não ter sido paga integralmente, não se levava em conta ou se levava em conta apenas em parte, o valor do pagamento mínimo.

Como no exemplo acima, partindo-se de um débito de R$1.000,00 e do pagamento mínimo de R$150,00, verificava-se na fatura seguinte, no saldo devedor, um total de encargos financeiros de cerca de R$120,00 (se computados sobre os R$1.000,00) ou pouco menos que isso, se deduzidos da base de cálculo os R$150,00 já pagos.

Vamos, porém, supor que o usuário do cartão de crédito nada houvesse pago no mês em questão, nessa fatura de R$1.000,00. Logo, se os encargos totais são de 12%, a esse débito deveriam ser acrescidos R$120,00 na fatura subseqüente. Mas, se o usuário do cartão pagou o valor mínimo indicado na fatura ou mais do que o mínimo sem chegar ao valor total cobrado no mês, é evidente que esse valor é crédito seu contra a administradora do cartão de crédito. E esse crédito deverá ser abatido do montante dos encargos financeiros que sejam cobrados na fatura subseqüente.

Cotejando essas duas situações, chega-se à conclusão de que – salvo pela ameaça de inclusão do nome do usuário do cartão na lista negra da SERASA – o usuário que não pagasse nada ao cartão em uma determinada fatura, só ficaria sujeito aos encargos financeiros sobre o saldo devedor original, da fatura vencida e não paga.

De outra parte, se pagou o mínimo, e se esse mínimo ultrapassar o que seria devido a título de encargos financeiros totais sobre o débito original, é evidente que o valor desse mínimo, que supere o valor dos encargos financeiros máximos do período em questão, é crédito seu contra a administradora do cartão de crédito. Inversamente, se menor, teria apenas de completar o que faltasse para atingir o montante dos encargos financeiros do período.
Se somar o que pagou e o que é cobrado como encargos financeiros na fatura seguinte, verá que o percentual total desses encargos poderá chegar a cerca de 40% no mês, conforme haja sido o valor pago acima do mínimo e abaixo do valor total da fatura.

Isso se explica porque o período em questão, entre uma fatura e outra, é de um mês. Se entre um e outro vencimento algum valor foi pago, logo quem o pagou não poderá ficar em pior situação do que aquele outro usuário que nada pagou no período.

Em resumo, tem muito usuário de cartão pagando o que já está pago há muito tempo e com o direito de reclamar a restituição em dobro do que pagou a mais e indevidamente. Sem falar na possibilidade de redução da taxa de juros aplicada em cada caso, pois, como salientado acima, o juiz impor essa redução quando considere abusiva ou excessiva a taxa cobrada.