sábado, outubro 07, 2017

Como conceituar faturamento e receita sob a óptica constitucional



Plínio Gustavo Prado Garcia


Este advogado e articulista tem questionado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que pertine ao conceito de faturamento no âmbito da incidência da COFINS e do PIS.


Nesse questionamento, buscamos demonstrar a ocorrência de uma linha divisória temporal ocorrida a partir da Emenda Constitucional 20/98.


Até então, o artigo 195 da Constituição Federal não fazia qualquer referência ao termo “receita” como hipótese material de incidência de financiamento da seguridade social pelas empresas. Falava apenas em “faturamento”, além das outras hipóteses ali elencadas.


O intuito do Fisco e do legislador, com a Emenda Constitucional 20/98, foi contemplar no âmbito da incidência dessas hipóteses de custeio da seguridade social receitas outras que não decorressem apenas da venda de mercadoria, de serviços e serviços de qualquer natureza.


Isso porque a jurisprudência do Supremo, até então, entendia que o termo faturamento tinha equivalência a receita bruta da venda de mercadorias, de serviços e serviços de qualquer natureza. Logo, receitas outras não estavam sendo submetidas à tributação no contexto do artigo 195 da Constituição Federal.


Desse modo, o inciso I desse artigo 195, na sua alínea “b”, veio a ter a seguinte redação: “a receita ou o faturamento”.


Apesar disso, continua o Supremo entendendo que “faturamento” tem equivalência a receita bruta da venda de mercadorias, de serviços e serviços de qualquer natureza.


Ora, essa jurisprudência precisa ser atualizada, em respeito à necessidade de interpretação da Constituição conforme a própria Constituição.


Nesse sentido, é necessário reconhecer que faturamento e receita não são termos sinônimos. Que não há razoabilidade alguma na equiparação de faturamento a receita. Que o termo receita pode decorrer de faturamento, mas que nem todo faturamento resulta em receita, seja esta bruta, seja ela líquida.


Faturamento não é nem pode ser considerado como “gênero”, do qual “receita” seja uma espécie dele resultante. A natureza das coisas não se altera pela simples mudança do nome que a elas se dê.



Assim, será possível sustentar, com larga margem de razoabilidade, que o termo faturamento poderá ser entendido como o total das vendas de mercadorias, de serviços e serviços de qualquer natureza, ocorridas dentro de cada período de apuração.


Mas, isso não quer dizer que de todo faturamento mensal resulte o auferimento da receita dele decorrente.


Nesse pensar, faturamento corresponderia a uma expectativa de receita, pois se receita houver, só haverá no contexto do regime financeiro de caixa. Já, faturamento, se inseriria no regime contábil-fiscal de competência.


Outra consequência de nosso raciocínio se acha no fato de que o disposto nessa alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, na redação da EC 20/98, contempla uma alternativa.


Isso quer dizer que o sujeito passivo da obrigação tributária tem o direito público subjetivo de optar por fazer sua contribuição à seguridade social pelo regime contábil-fiscal de competência (faturamento, em sentido estrito) ou pelo regime financeiro de caixa (auferimento da receita tributável).


Justifica-se esse nosso raciocínio porque se há de respeitar a capacidade contributiva específica da empresa a contribuir para a seguridade social. Isso na medida em que não se justifica obrigá-la a efetuar esse recolhimento a partir do regime contábil-fiscal de competência (faturamento), a significar desembolso antes mesmo de auferir a receita resultante desse mesmo faturamento.

Dessa maneira, não se compreende como ainda possa o Supremo Tribunal Federal continuar igualando entre si distintos institutos de direito, distintos conceitos, distintas situações como se iguais entre si pudessem ser o assim fossem.


Faturamento, mesmo que entendido como o total das vendas de mercadorias, de serviços e serviços de qualquer natureza, não significa automático auferimento de receita. 

Faturamento e receita não são nem podem ser considerados termos sinônimos. Há, aí, ademais, manifesta ofensa ao disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional. Mais ainda quando a dicotomia entre “faturamento”  e “receita” se acha no próprio dispositivo constitucional.


Assim, a jurisprudência do Supremo – continuando a equiparar o que a Emenda Constitucional 20/98 distingue – clama por atualização de modo a fazer valer o que a Constituição separa: faturamento não é receita, ainda que esta possa resultar daquele.