sábado, outubro 10, 2015

O país dos alvarás

A autossubsistência é inerente aos seres vivos. Resulta de sua própria condição de seres viventes. O animal não prescinde de alimentação e tampouco de abrigo. Isso é o que podemos chamar de mínimo existencial.
O ser humano não é diferente, nesse particular, salvo pelo fato de que deve ter o direito à busca da felicidade, à "pursuit of happiness".
A realização do bem individual, do bem familiar e do bem comum faz parte dessa existência individual e em coletividade. 
Isso exige que cada um busque sua autossuficiência econômico-financeira, pois a ninguém é lícito tirar proveito do esforço alheio. E, como se diz, não há almoço de graça. Logo, nada mais normal que cada um busque prover às suas próprias necessidades.
As atividades humanas passaram a ser ordenadas nas suas comunidades, mesmo porque ninguém, efetivamente, consegue hoje em dia viver isoladamente, salvo raríssimas exceções. 
Esse ordenamento das atividades humanas varia conforme o país ou a sociedade em que se insere.
Quanto maior liberdade de ação e de iniciativa houver para que cada um possa prover a si mesmo e à sua família, tanto melhor.
A livre iniciativa já nasce com o ser humano. Seu exercício não pode ser obstado por ninguém. Muito menos pelo ordenamento jurídico que se implante em qualquer nação, em qualquer Estado.
Ocorre, entretanto, que o exercício da livre iniciativa se vê restringido, ainda que não obstado, quando se lhe anteponham barreiras para sua efetivação.
O Brasil, nesse particular, pode ser - mesmo nos tempos atuais - classificado como o País dos Alvarás.
A burocracia dominante no País ainda atrasa o empreendedorismo, o exercício da livre iniciativa.
Cada brasileiro ou estrangeiro aqui residente nada pode fazer sem o beneplácito de alguma repartição pública onde deva obter autorizações sem fim, para se estabelecer ou exercer qualquer atividade profissional. 
A burocracia trava o desenvolvimento pessoal, empresarial e nacional. 
É preciso que a sociedade brasileira se imponha a esse Estado interventor.
O Estado não pode ser fator de impedimento do desenvolvimento individual e nacional.
Abaixo a exigência de alvarás! 



sexta-feira, outubro 09, 2015

Apartamentos de Cobertura: Cobrança Abusiva de Condomínio

Nem sempre o que parece ser justo o é. 
Um caso típico de injustiça costuma ser praticada contra os proprietários de coberturas em condomínios residenciais.
Essa injustiça parte do pressuposto de que esses condôminos devam pagar quota condominial mais elevada do que a cobrada das unidades tipo.
Afirma-se que a cobrança diferenciada tem amparo da lei e das convenções condominiais.
A questão consiste em decidir-se se a divisão das despesas condominiais deve ser feita com base na fração ideal de cada unidade, ou divisão simples pelo número de unidades condominiais.
Sempre disse a meus alunos de Direito Civil que a lei deve ser interpretada e não, necessariamente aplicada na sua literalidade.
A regra do Código Civil estabelece que as despesas e gastos de um condomínio devem ser rateados com base na fração ideal cabível a cada condômino, salvo disposição em contrário da convenção condominial.
Assim, quem decide o critério a ser adotado, diversamente da divisão pela fração ideal do imóvel entre os condôminos, é a assembléia do condomínio.
É comum, entretanto, que a assembléia, por maioria qualificada de seus votos, decida aplicar o critério de rateio com base na fração ideal das unidades. Nesse caso, os proprietários de coberturas, por serem estas menos numerosas, evidentemente, do que as unidades tipo, acabam sendo lesados por arcarem com valor maior da quota condominial.
Entretanto, há fundamentos jurídicos para reverter-se esse dano patrimonial incidente sobre os donos de coberturas.  E esses fundamentos jurídicos justificam pedido de restituição do valor das mensalidades condominiais pagas em excesso - respeitado o prazo prescricional para essa restituição - e pleito no sentido de que as prestações subsequentes da quota condominial sejam fixadas pelo critério de divisão pelo número de unidades imobiliárias do condomínio.
Basilar nesses fundamentos se acha o princípio de direito segundo o qual a ninguém é licito o enriquecimento sem causa. Em outras palavras, ninguém pode tirar vantagem de outrem. 
E a divisão das despesas condominiais pelo critério de rateio por fração ideal do imóvel propicia essa vantagem ilícita aos proprietários de unidades tipo, em detrimento dos proprietários de cobertura, quando certos fatos se achem presentes em cada condomínio.
Vejamos alguns deles: 
1.- cobertura com o mesmo número de acessos que as unidades tipo;
2 - cobertura servida pelos mesmos elevadores que os das unidades tipo;
3 - mesmas áreas comuns do edifício  para todas as unidades;
4 - cobertura que não exige do condomínio maior número de serviçais que atendam às áreas comuns do condomínio;
5 - número de moradores na cobertura  menor do que os de unidades tipo.
Ademais, o morador de cada cobertura não vale por dois quando faz uso de um elevador ou de outras áreas comuns do condomínio.
As contas de consumo de energia elétrica e de água nas áreas comuns do condomínio não são majoradas desproporcionalmente pelo fato de haver apartamentos de cobertura nos condomínios.
Quanto ao consumo de energia elétrica, isso se explica, porque o consumo das áreas comuns é baseado em medidores separados daqueles do consumo de cada unidades imobiliária. 
Já, quanto ao consumo de água, na falta de hidrômetros em cada unidade imobiliária do condomínio, o máximo que se poderia aceitar seria um razoável percentual a mais a ser cobrado dos apartamentos de cobertura pela água consumida. Isso quando se parta do pressuposto de que, sendo sua área maior do que as das unidades tipo, o consumo interno de água poderá ser - mas nem sempre o é - maior do que o das demais unidades. 
No rateio de despesas extraordinárias do condomínio, relacionadas com reforma ou manutenção de sua fachada, se justificará o rateio por fração ideal apenas nos casos de a cobertura se estender por mais de um andar do condomínio, ou se, no mesmo andar, na horizontal, sua área for  maior do que a área de cada unidade tipo. Se o for de apenas um andar, como a fachada das unidades tipo, o rateio deverá realizar-se pelo número de unidades do edifício.
Partindo, portanto, desses fundamentos jurídicos e de fato, os proprietários de coberturas em condomínios residenciais têm amparo jurídico para exigir do condomínio o rateio das despesas condominiais pelo número de unidades do condomínio, e de reclamar a restituição dos valores pagos a mais e indevidamente, no passado, pelo período não atingido pela prescrição legal.
Se a assembléia do condomínio não ajustar a convenção para evitar esse enriquecimento sem causa do proprietários das unidades tipo em detrimento dos proprietários de coberturas, terão estes o direito de recorrer ao Poder Judiciário como lhes garante o artigo 5, inciso XXXV da Constituição Federal. 
Quanto aos pagamentos indevidos do período não prescrito, os proprietários de coberturas terão, certamente, de ajuizar ação contra o condomínio, porque dificilmente obterão o reconhecimento desse direito meramente em assembléias extraordinárias do condomínio. 
.

terça-feira, outubro 06, 2015

A Súmula 7 do STJ e o direito à jurisdição

Estabelece a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça: “A pretensão de simples reexame de prova não seja recurso especial.”
Entendo que esse enunciado merece alguns reparos.
A Constituição Federal assegura a todos o direito à jurisdição.Quem recorre à Justiça o faz porque está proibido pelo ordenamento jurídico de fazer justiça pelas próprias mãos ou por encomenda a terceiros.
A administração da Justiça se insere entre os deveres inerentes ao Estado Democrático de Direito e entre os direitos do povo. A ordem social só se faz com Justiça.
Sob nossa Carta Magna, todo poder emana do povo e em seu nome deverá ser exercido.
Portanto, quem recorre ao Poder Judiciário mais do que exerce um direito constitucionalmente garantido de petição.
O direito de petição não se exaure no simples protocolo de um requerimento ao Poder Judiciário. Quem ao Judiciário comparece, o faz para ter uma resposta que possa aclarar dúvidas ou oferecer solução que possa dirimir litígios.
A solução dos litígios deve ser o objeto da prestação jurisdicional.
Toda ação judicial pressupõe a exposição dos fatos, dos fundamentos do pedido e do pedido. E, desse modo, nenhuma ação judicial será igual à outra, quando não houver coincidência desses três elementos.
Evidentemente, poderá haver diversas ações com esses mesmos requisitos, propostas por autores distintos. Não haverá aí, evidentemente, o fenômeno da litispendência. Que só ocorre quando as partes litigantes sejam, entre si, a mesmas, com coincidência desses três elementos: fato, fundamento e pedido.
A Súmula 7 do STJ,  determinando que a pretensão de simples reexame de prova não seja recurso especial, deve ser vista “cum grano salis”, porque o reexame de prova não pode ser confundido com o reexame da causa de pedir, dos fundamentos do pedido e do pedido.
Deixar de analisar esses três elementos é negar jurisdição. É adotar uma atitude escapista, a indicar que o julgador estará se esquivando de julgar. 
O ministro do Superior Tribunal de Justiça que examina os autos do processo, instado a tanto por um recurso especial, não “reexamina prova”.  Saber se há nos autos determinada prova ou se essa prova ali não existe, não é “reexaminar prova”. Assim, se a prova ali existe, não se pode tê-la por inexistente. É mera constatação de um fato.
Todavia, é do fato que nasce o direito.
Se o fato provado deve conduzir a um julgamento de procedência da ação, é de rigor que a ação seja julgada procedente. Se o for contra os fundamentos de fato por sentença ou acórdão que devesse acolher tais fundamentos, o erro não estará nos fundamentos de fato, mas na decisão do julgador que os julga contra o direito.
Assim, é necessário distinguir entre erro de fato e erro de direito. A decisão que ignora o fato merece reparo para que seja, assim, sanada. A parte interessada deve, a tempo, reclamar essa correção.  Já, no erro de direito, o juiz ou o tribunal extrai do fato uma interpretação contrária ao direito.
Desse modo, o recurso especial que demonstra o erro de direito e reclama sua correção não pode ficar obstado pela invocação do enunciado da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Reexame de prova não se confunde com a valoração jurídica da prova. Esta cabe no âmbito e no escopo do recurso especial. Aquele, não.
Ademais, súmula alguma se sobrepõe às garantias constitucionais expressas ou implícitas que nos assegura a Constituição Federal de 1988.
O direito de petição não se exaure no ato de apresentá-la no protocolo judiciário. Quem peticiona, quer uma resposta. E, no campo judicial, essa resposta deve ter por único objetivo a prestação jurisdicional, isto é, uma decisão de mérito que solucione a contenda entre os litigantes. É para isso que se abdica da justiça privada. Recorrer-se ao Poder Judiciário, a quem compete dirimir os litígios.
Não queremos uma justiça formal. Que encerra o processo sem julgamento de mérito. Havendo motivos para o acertamento do litígio, enquanto persista este, a solução por sentença ou decisão de mérito é um imperativo constitucional.
Nesse sentido, basta ler o que reza o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.
Voltando à Súmula 7 do STJ, e com apoio nesse inciso XXXV do artigo 5º da Constituição, verificamos a frequência com que o Superior Tribunal de Justiça aplica decisões equivocadas, deixando de dar seguimento a inúmeros recursos especiais e de proceder ao seu julgamento.
Assim, o excesso de formalismo a impedir decisões de mérito é manifesta ofensa à garantia constitucional à prestação jurisdicional. Prestar jurisdição é dizer o direito. É decidir se a parte tem ou não tem o direito que considera ter.
Como o direito à jurisdição constitui um direito público subjetivo, isto é, um direito de todos e de qualquer um na busca de justiça, deve a parte interessada arguir a violação do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal sempre que o Superior Tribunal de Justiça vier a invocar a Súmula 7 diante de erro de direito (dado que valoração jurídica da prova não é nem se confunde com reexame de prova) para não julgar um recurso especial.
O direito material não pode sucumbir ao formalismo judicial. O processo é mero meio que deve conduzir à administração da Justiça. Jamais ser um obstáculo à consecução desse fim e objetivo. 

domingo, outubro 04, 2015

Evasão de Divisas - PL do Senado insiste em inconstitucionalidade

Costumo dizer que o brasileiro é pouco conhecedor de seus próprios direitos. Assim, pelo simples fato de existir alguma lei restritiva de seus direitos, já se dá por vencido, achando que basta haver lei para que a lei seja considerada válida ou constitucional. É claro que a invalidade ou inconstitucionalidade da lei deve ser objeto de ação judicial apropriada, diante de sua presunção de validade.
Como membro que já fui da Comissão da OAB/SP de Defesa da Democracia, e, atualmente, membro da Comissão da OAB/SP de Direito Penal  Econômico, e, sendo mais do que tudo, um constitucionalista, não posso aceitar, de plano, como válida ou constitucional qualquer lei. Ou mesmo eventuais proposições legislativas em trâmite no Congresso Nacional.
Um desses casos é o do Projeto de Lei do Senado, de número 126/2015, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), estabelecendo nova tipificação para o crime de evasão de divisas.
Acha-se em vigor a esse respeito a Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, a qual o PLS 126/2015 busca alterar, ampliando o conceito legal de evasão de divisas. 
Como informado pela Agência Senado, a proposta de Randolfe define evasão de divisas como “enviar ou fazer sair do País moeda, nacional ou estrangeira, ou qualquer outro meio de pagamento ou instrumento de giro de crédito, ou divisas em desacordo com a legislação aplicável”. Hoje, o artigo 22 da Lei 7.492 fala apenas em “efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País”.
O projeto também eleva a pena prevista, hoje de dois a seis anos de reclusão, para três a oito anos, além de multa. A operação de câmbio não autorizada, para promover evasão de divisas, continua sendo punida com dois a seis anos. Além disso, veda a concessão de qualquer benefício ou vantagem especial para a repatriação de recursos enviados ou mantidos ilicitamente no exterior.
Na justificação da proposta, o senador Randolfe afirma que o objetivo do PLS  é evitar que, mediante violação da isonomia, se permita que quem cometa o delito em voga possa ‘legalizar’ os valores mediante benefícios legais diversos àqueles que possuem os depósitos no exterior ou em território nacional de forma lícita”.
Entretanto, o tipo penal que configura a evasão de divisas, quer na lei ora em vigor, quer na redação proposta nesse PLS 126/2015 deve ser analisado, em ambos os casos, sob a luz da Constituição Federal, das garantias individuais e dos princípios por ela adotados e amparados. 
Como já tive oportunidade de escrever e alertar,  nesse contexto em que se configura o crime de evasão de divisas nossos direitos individuais estão sendo violados em virtude de uma tipificação penal que se manifesta em desacordo com a Constituição Federal, seus princípios e suas garantias.
Exatamente por isso, tenho defendido o cabimento de habeas corpus para o trancamento de ações penais e sustentado o cabimento de pedidos de revisão criminal, objetivando, neste particular, anular condenações já impostas aos réus, obter sua liberdade, a recuperação de valores confiscados e, inclusive indenização em virtude de tais condenações judiciais.