sábado, julho 05, 2025

Abusos do STF podem ser sanados

Neste artigo, inicio minha análise discorrendo sobre os descabidos argumentos que levaram o Supremo Tribunal Federal a produzir o inconstitucional Inquérito 4.871, conhecido por “Inquérito do Fim do Mundo”.

Estendo essa análise para demonstrar também a inconstitucionalidade das ações penais instauradas contra detentores da prerrogativa de foro junto ao STF e outros que nunca tiveram esse “privilégio”, ou já, antes, o tenham tido.

Concluo alertando o leitor sobre a possibilidade de corrigir esses abusos e injustiças junto ao próprio STF nos casos ainda em andamento, como nos já encerrados.

Vejamos. 

O art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), no caput, permite que o STF instaure inquérito quando houver “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”. 

Essa permissão só se aplica no caso de infração à lei penal, quando essa infração preencha dois requisitos. O primeiro, “ratione loci”, isto é, ocorrida na sede ou dependência do STF. O segundo, “ratione personae”, que com o anterior se conjuga, quando o agente envolvido for “autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”. Se esses dois requisitos não se apresentarem no caso, falecerá essa competência jurisdicional ao STF.

Por sua vez, o §1º, do art. 43, do RISTF, determina que “Nos demais casos”, vale dizer, quando a infração à lei penal não ocorrer na sede ou dependências físicas do Tribunal, “o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente”. 

Notem-se os verbos: instaurar (inquérito), requisitar (a instauração de inquérito à autoridade competente).

Não está aí escrito nem autorizado que o inquérito seja conduzido por outro ministro da Corte. Nem há na Constituição autorização ou permissão para que assim possa ser. 

Entretanto e como noticiado, foi instaurado no STF o Inquérito 4.871 para investigar o que foi ali considerado como ataques sistemáticos à Corte, contra pessoas que nem eram servidores do Tribunal nem nele estiveram presentes

Destaque-se que a Constituição não outorgou ao Supremo Tribunal Federal poder de polícia, mas, sim, o poder-dever de ser seu guardião na defesa dos direitos fundamentais nela enunciados e os nela implícitos. Entre eles o direito ao juiz natural e de recurso às instâncias superiores.

 Desse modo, esse Inquérito 4.781 jamais poderia ter como relator e presidente qualquer ministro do Tribunal. No caso, o ministro Alexandre de Moraes. 

Ora, não se não se inserem na discrição do presidente do STF nem a faculdade nem o poder de incumbir a qualquer outro ministro da Corte o dever de presidir e conduzir tais inquéritos.

Assim, sua distribuição deveria ser feita por sorteio a uma das varas criminais da primeira instância da Justiça Federal.

Não se pode ignorar nesse particular a ausência do Ministério Público Federal, na pessoa do Procurador Geral da República (PGR) para atuar nesses casos.

O Supremo não é órgão policial. Não é acusador. Não é o Ministério Público. É Corte Constitucional e, nisso, a mais alta instância do Poder Judiciário. O guardião da Constituição. Jamais o seu algoz e muito menos algoz de nossos direitos fundamentais.

A Constituição não autoriza nem permite a conjunção em uma mesma pessoa das funções de acusador e julgador de casos em que uma ou outra seja também a vítima. Se nenhum juiz pode ser juiz de si mesmo, mais grave ainda quando seja suposta vítima de quem venha a julgar. Falecerá aí o requisito da imparcialidade.

Vamos considerar alguns fundamentos a evidenciarem a inconstitucionalidade desse Inquérito: 

1. A todos a Constituição garante: a) o direito de ação e de ser processado apenas junto ao juiz e ao foro competentes; b) o direito à ampla defesa, ao contraditório e a recurso às instâncias superiores.

2. Essas garantias não podem ser excepcionadas.

3. Elas são embasadas em cláusulas pétreas da Constituição.

4. Norma regimental inserta no artigo 43 do Regimento Interno do STF não pode prevalecer sobre quaisquer dessas garantias constitucionais de acusados em processos penais.

5. As únicas autoridades competentes para a instauração de inquérito no Direito Penal 

são:

(a) A autoridade policial, na pessoa do delegado de polícia, que, também, é o responsável pela condução do inquérito policial.  Pode instaurar o inquérito de ofício, mediante comunicação de crime ou por requisição de outra autoridade ou em atendimento a representação criminal apresentada diretamente pelo ofendido (vítima) ou por seu representante legal.

(b) O Ministério Público, como órgão de acusação, que pode também requisitar a instauração do inquérito, buscando elementos para a propositura da ação penal.

(c) Excepcionalmente, a autoridade judiciária, especialmente quando tomar conhecimento de um crime em razão de suas funções.

6. Há diferença entre inquérito administrativo e inquérito penal. O inquérito administrativo visa apurar infrações disciplinares ou funcionais de servidores públicos, enquanto o inquérito penal, também conhecido como inquérito policial, investiga a ocorrência de crimes.

7. Quem não tem foro por prerrogativa de função não pode ser diretamente processado no STF. Essa Corte Suprema tem competência para julgar apenas autoridades específicas em casos de crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. 

8. Beneficiário de foro por prerrogativa de função pode optar pelo foro comum ou dele desistir. Este autor entende haver fundamentos jurídicos para sustentar essa opinião. 

9. Por sua vez, o direito ao foro comum, ao juiz natural, prevalece sobre a norma processual mais gravosa aos direitos do acusado ou réu.

CONCLUSÃO

Padecem de manifesta nulidade absoluta: a) o Inquérito 4.871; b) as restrições de direito e as penalidades impostas a todos os acusados nesse em todos os outros casos diretamente instaurados e processados no Supremo Tribunal Federal.

Os detentores do direito ao foro por prerrogativa de função junto ao Supremo Tribunal Federal podem optar pelo foro comum.

Esse direito ao foro comum se estende também a quem esteja sendo diretamente processado no Supremo Tribunal Federal.

Os condenados diretamente no Supremo Tribunal Federal podem pleitear a anulação de suas condenações por meio ação revisional nessa mesma Corte. 

 Esse direito se aplica também em favor dos condenados pela participação na manifestação popular de 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Podem também favorecer os acusados sob os alegados planos de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito.