segunda-feira, março 15, 2010

Direito de Superfície e Parcerias Público-Privadas


Plínio Gustavo Prado Garcia*

Fomos chamados a opinar sobre meios legais capazes de viabilizar a construção de edifícios públicos de modo mais célere, mais conveniente e menos oneroso ao erário. Dessa maneira, neste breve artigo, analisamos algumas possibilidades que se apresentam como alternativas à desapropriação por utilidade pública.

A desapropriação

Sustentamos o ponto de vista segundo o qual inexiste previsão legal que autorize a desapropriação de imóvel edificado para ser usado como edifício público, principalmente quando tal ou tais imóveis estejam cumprindo a função social da propriedade. O Decreto-Lei 3.365/1941 – que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública – contempla apenas a desapropriação para a construção de edifício público (ar. 5º, letra “m”). Nenhuma referência faz a desapropriação de imóvel edificado para nele serem instalados repartições ou órgãos públicos.

Sobre a gradação a ser seguida para viabilizar tais desapropriações, escrevemos artigo que pode ser lido no blog http://www.locuslegis.blogspot.com sob o título “Critérios de Escolha na Desapropriação de Imóveis por Utilidade Pública”.

Se o requisito constitucional de função social da propriedade representa um ônus imposto ao proprietário, o imóvel no qual essa função social esteja sendo cumprida merece toda proteção da lei.

De fato, não faz sentido desrespeitar os direitos da pessoa humana em desapropriações que podem ser evitadas, pois a conveniência da administração pública não se confunde com necessidade, já que esta só pode ser argumento válido para uma desapropriação quando à comprovada necessidade se junte o requisito da urgência. O que não é urgente, necessário não será, e o que for necessário também deverá ser urgente.

Situação diversa seria desapropriar um terreno não edificado ou mesmo um imóvel edificado, sem uso ou subutilizado e, assim sem função social, para ali construir edifício público.

Entretanto, há, com freqüência, terrenos de entes públicos sem edificação ou subutilizados, que bem serviriam para a construção de edifício público.

Mas há, também, outra possibilidade de se ter um edifício público construído em terreno de ente público, sem que a construção resulte de simples concorrência pública em que venham a se habilitar construtoras interessadas na conquista desse contrato de obra pública.

Do direito real de superfície

Menos oneroso para a administração pública poderá ser a concessão do direito real de superfície a entes privados, caso em que teremos de um lado, o proprietário, e, de outro, o superficiário.

No que poderíamos caracterizar como uma parceria público-privada, o superficiário assumiria contratualmente o dever de erigir o edifício público, segundo o conceito “built to suit”, com base em projeto e plantas aprovados pelo proprietário, nos termos, prazos e condições pactuados entre as partes.

A outorga de concessão se faria por prazo certo, ao fim do qual a edificação reverteria ao proprietário, consolidando-se neste a propriedade plena do imóvel (terreno e edificação).

Em contrapartida pelo investimento na construção do edifício público, o contrato preveria o direito do superficiário ao recebimento de uma contraprestação financeira mensal ou com maior periodicidade, que lhe seria paga pelo proprietário, na condição de usuário ou arrendatário do edifício a ter uso público. Evidentemente, o contrato de concessão do direito real de superfície seria complementado por outro regendo o direito do superficiário ao recebimento do arrendamento e os demais direitos e obrigações das partes uma diante da outra.

O instituto do direito real de superfície se acha positivado no direito pátrio a partir do advento do Estatuto da Cidade (Lei Nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, artigos 21 a 24 abaixo reproduzidos). Veio a ser objeto, também, de disciplina no Código Civil de 2002, em seus artigos 1369 (“O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis”.) e seguintes.

Continuando o imóvel na propriedade de ente público, e sendo a construção um acessório do principal, inobstante a concessão do direito real de superfície, somando-se ao fato de que o imóvel terá uso como edifício público, não se poderá falar em incidência de impostos sobre o imóvel (caso de imunidade constitucional), cabendo ao superficiário a responsabilidade apenas pelos encargos previstos no artigo 1371 do Código Civil. Evidentemente, os ganhos do superficiário enquanto arrendante serão submetidos à incidência tributária.

Nestes casos, a outorga da concessão do direito real de uso haveria de ser gratuita, isto é, não onerosa para o superficiário, já que terá ele o ônus de construir o edifício público.

Entretanto, como fará jus ao recebimento de arrendamento a lhe ser pago pelo proprietário, na reversão do imóvel a este, ao fim do arrendamento, gratuita também deverá ser a reversão.

Por outro lado, como o proprietário do imóvel é um ente público, os interessados na concessão do direito real de propriedade e consequente construção do edifício público haverão de se sujeitar a licitação pública, em que um fator a ser considerado (entre outros) é o do valor mensal ou periódico do arrendamento a ser pago pelo concedente ao superficiário.

Já que tal arrendamento se baseia em contrato de longo prazo, nenhum impedimento legal haverá para que se forme uma sociedade de propósito específico (SPE), a qual terá como objeto único a construção do edifício a ser utilizado como edifício público, com base em contrato paralelo de arrendamento entre as mesmas partes.

Assim, essa SPE – enquanto detentora da condição de superficiária – poderá ser a que construirá diretamente o edifício ou que contratará com terceiros a sua construção, tudo como previsto e autorizado no contrato entre o proprietário e o superficiário.

Outra vantagem a ser considerada está no fato de poder a SPE emitir certificado de recebíveis nos termos da lei, facilitando, assim, até mesmo a participação de investidores institucionais ou não-institucionais no empreendimento.

De outra parte, para o ente público concedente, ter-se-ia mais agilidade na consecução do objetivo de ver construído edifício destinado à administração pública, desnecessidade de depender de verbas e de despender verbas para sua construção e a grande vantagem de ver o imóvel edificado com base em plantas e projetos ajustados à suas próprias necessidades, isto é, “built to suit”.

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Estatuto da Cidade, Seção VII:
“Do direito de superfície



Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.
§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.
§ 4o O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.
§ 5o Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.
Art. 23. Extingue-se o direito de superfície:
I – pelo advento do termo;
II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.
Art. 24. Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.
§ 1o Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.
§ 2o A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.”
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Plínio Gustavo Prado Garcia é advogado formado pela Universidade de São Paulo (1962), mestre em Direito Comparado (Prática Americana), pela George Washington University, National Law Center, de Washington D.C. (1972), sócio titular de Prado Garcia Advogados (www.pradogarcia.com.br), ex-professor de Direito Civil e de Direito Tributário, autor, palestrante e conferencista, colaborador de publicações jurídicas como IOB e Revista Dialética de Direito Tributário, entre outras. Este e alguns outros de seus artigos e comentários podem ser lidos em http://www.locuslegis.blogspot.com/.