sábado, outubro 27, 2012

Correios impedem Consulado Americano de devolver passaportes


Liminar concedida pela Justiça Federal em São Paulo em favor dos Correios suspendeu a entrega de passaportes com visto americano em todo o Brasil.   As empresas contratadas pelo Departamento de Estado Americano para prestar o serviço estariam quebrando suposto monopólio da estatal na entrega desse tipo de documento.

Essa notícia nos dá conta de quanto um monopólio pode ser nocivo aos interesses individuais e da própria coletividade, principalmente quando sua existência se mostra injustificável e desnecessária.

Note-se que os casos de monopólio da União previstos na Constituição Federal não incluem os serviços de correio, prestados pela Empresa Brasileira de Correios.

Esse suposto monopólio advém de decisão do Supremo Tribunal Federal, que entendemos ser passível de novo julgamento, a partir de outros fundamentos constitucionais e doutrinários em favor de todos os destinatários desses serviços postais.

Um evidente equívoco dessa liminar em favor dos Correios está em ignorar os direitos dos usuários de serviços de entrega de correspondência e outros objetos postais.

Temos sustentado judicialmente que a Empresa Brasileira de Correios não tem privilégio, mas, isto sim, um ônus na obrigatoriedade de prestar seus serviços em todos os rincões do País, sem exceção. Enquanto exigido da União Federal é um serviço de interesse  público de sua incumbência, direta ou indireta, porque apenas a União Federal se faz presente na totalidade do território nacional.

Por isso mesmo, a Constituição não impõe esse ônus aos Estados nem aos Municípios ou ao Distrito Federal pela simples razão de que essas unidades federativas se acham territorialmente limitadas às suas áreas geográficas e nas suas competências políticas e administrativas. Pelas mesmas razões, a União não poderia exigir de empresas particulares essa prestação de serviços, sob pena de intervenção na livre iniciativa. Mas não tem nem o direito nem o poder de impedir essas atividades privadas.

No campo da livre iniciativa e dos direitos individuais em que se incluem os direitos do consumidor, o Estado não pode ser instrumento para negar ou para dificultar o atendimento a esses direitos. A menos que não se trate de um Estado Democrático de Direito, como proclama a Constituição Federal de 1988, em vigor.

Por esses e por outros motivos e fundamentos de fato e de direito, podemos concluir que constitui erro abominável essa liminar a favor da Empresa Brasileira de Correios, que só vem em prejuízo de todos esses brasileiros cujos passaportes não voltam às suas mãos.

Nenhuma inconstitucionalidade existe na contratação dessas empresas privadas pelo Departamento de Estado Americano para a prestação desses serviços de devolução desses passaportes já com vistos de entrada, a seus legítimos titulares.

Esperamos seja a liminar cassada, e a ação julgada improcedente.

sábado, outubro 20, 2012

Sucessão Societária no Falecimento de Sócio



Plínio Gustavo Prado Garcia



Este artigo é consequência de um caso concreto envolvendo sociedade limitada com apenas dois sócios, um dos quais vem a falecer.

Nos termos do Contrato Social vigente à época do falecimento do sócio, nenhum dos herdeiros do sócio falecido ingressaria no quadro social, cabendo ao sócio remanescente providenciar o ingresso de novo ou novos sócios à sociedade, no prazo legal de 180 dias da data do óbito, sob pena de extinção da sociedade. As quotas do sócio falecido seriam liquidadas com base em balanço especial tendo como referência a data do passamento do sócio.

Aberto o inventário, ocorreu que o inventariante se recusou a firmar a Alteração do Contrato Social mediante a qual o sócio sobrevivente admitia novo sócio à sociedade, por meio de subscrição de novas quotas em aumento do capital social.

Desse modo, efetuou-se a alteração firmada pela inventariante em nome do Espólio e do sócio supérstite apenas para preenchimento da vaga de administrador da sociedade, função essa que era exercida pelo sócio que veio a falecer.

Porque o sócio remanescente não podia ultrapassar o prazo legal de 180 dias para preencher a vaga deixada no quadro social pelo falecimento do outro único sócio, ele, sócio remanescente e o terceiro de sua escolha – que aceitara ingressar no quadro social – firmaram então nova Alteração do Contrato Social, dando entrada dessa Alteração no Registro do Comércio, mesmo sem a representação do espólio por seu inventariante nesse ato.

A razão dessa iniciativa era deixar evidenciado o respeito ao prazo legal, que ficaria, assim, caracterizado mesmo ante a recusa do Registro do Comércio de arquivar a Alteração ao argumento da falta de assinatura e representação do espólio por seu inventariante.

Note-se que o inventariante chegou até mesmo a manifestar oposição formal ao arquivamento dessa Alteração do Contrato Social.

Mais do que isso, foi o inventariante além dessa medida, pois cuidou de convocar reunião de sócios para deliberar, como deliberou, a substituição do administrador nomeado na anterior Alteração Contratual, pondo em seu lugar um terceiro, da escolha dele, inventariante.

Diante disso, fomos consultados para dar nosso parecer jurídico sobre essa questão, buscando esclarecer qual o correto procedimento para o caso, levando-se em conta o quanto dispõe o Contrato Social vigente à data do falecimento do sócio, a lei e o direito.

Vejamos:

Como já informado, vigorava na data do falecimento do sócio o Contrato Social Consolidado, cuja cláusula denominada “Dissolução e Liquidação”, assim dispunha:

“CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO

A sociedade será dissolvida nos casos previstos nos artigos 1.033 e 1044 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, ou por vontade dos sócios, que, para tanto, nomearão um liquidante para a prática dos atos, o qual agira nos termos da Lei.

§1º: A morte de quaisquer dos sócios não dissolverá a sociedade, que continuará com o sócio sobrevivente, que deverá recompor o quadro societário no prazo de 180 dias, conforme previsto no inciso IV do artigo 1.033 do Código Civil.

§2º : Os direitos dos herdeiros do sócio falecido serão apurados em balanço especial, levantado no prazo de 30 (trinta) dias com base na data do óbito, sendo-lhes pagos em até 15 (quinze) parcelas mensais e consecutivas, atualizadas pelos índices do IGP-M da FGV ou índice equivalente, na sua falta, ocorrendo o primeiro pagamento até o 45º (quadragésimo quinto) dia a contar da data do óbito, quando, então, pelo inventariante será assinada a correspondente alteração contratual.”

Portanto, como apontado, o falecimento do sócio desencadeou a vacância na sociedade. Restou ao sócio sobrevivente a incumbência de completar o quadro social, no prazo legal de 180 dias do artigo 1.033, IV, do Código Civil.

É certo que o sócio remanescente bem poderia optar por considerar dissolvida a sociedade, vindo antes do término desse prazo de 180 dias, a formalizar ato de dissolução com liquidação das quotas sociais para pagamento de seus valores ao Espólio e a ele próprio. Se nada fizesse, a sociedade estaria legalmente dissolvida, deixando de ter existência legal, por transcurso do referido prazo legal de 180 dias. Nesta hipótese, seu acervo haveria de ser distribuído ao Espólio (com base no balanço especial da data do falecimento do sócio), na proporção da sua participação no capital da sociedade extinta, e ao sócio supérstite.

A recalcitrância do inventariante em comparecer com sua assinatura à Alteração do Contrato Social em nome do espólio poderia resultar em danosas consequências para a sociedade, para o sócio supérstite e para o novo sócio, assim como à continuidade das atividades da sociedade e à manutenção de seus empregados e familiares.

Partiu o inventariante do falso pressuposto de que o espólio devesse ser considerado sócio e, assim, pudesse praticar atos societários e de administração da sociedade.

Isso ficou evidente quando o inventariante tomou a iniciativa de “convocar” reunião de “sócios” para destituir administrador e nomear outro em seu lugar.

E assim fez, registrando que o sócio sobrevivente deixara de “atender à convocação”, com o que logrou o arquivamento dessa Alteração Contratual no Registro do Comércio.

Evidentemente, trata-se de ato nulo, que merece reforma pela via judicial, já que a via amigável se mostrou ineficaz.

Sobressai, por outro lado, a validade e legalidade da deliberação formal do sócio sobrevivente, ao alterar o Contrato Social para a admissão de novo sócio e aumento do capital social.

A ausência de assinatura do representante legal do espólio nessa Alteração do Contrato Social deve ser suprida por alvará judicial, mediante ajuizamento de ação própria dos sócios (o remanescente e o admitido) contra o Espólio.

Não há supedâneo legal para o espólio (que não é pessoa) impedir a admissão de novo sócio à sociedade ou mesmo seu aumento de capital social, ou qualquer outra alteração do Contrato Social, que não fira os direitos do espólio.

Basta uma leitura do artigo 1.028 do Código Civil, que assim reza:

“Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.”

ABUSO DE DIREITO PERPETRADO PELO ESPÓLIO

É manifestamente ilegal e nula a deliberação adotada unilateralmente pela inventariante em nome do espólio, ao firmar à revelia do sócio remanescente e do novo sócio admitido à sociedade a Alteração do Contrato Social para exclusão do sócio e administrador e sua substituição pelo não-sócio.



Que espólio não é pessoa, e que não sendo pessoa, não pode ser sócio nem adotar deliberações societárias, é fato que se pode constatar não só na lei como na doutrina. Nesse particular, recomenda-se a leitura do Parecer nº 131/05 da Procuradoria da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina, da lavra do procurador Victor Emendörfer Neto, datado de 25 de novembro de 2005, cujo texto pode ser encontrato em http://www.jucesc.sc.gov.br/arq/download/pareceres/2005/Parecer131.pdf., assim como o artigo de autoria de Graciano Pinheiro de Siqueira, que pode ser lido em http://jus.uol.com.br/revista/texto/7319/inadmissibilidade-do-ingresso-de- espolio-em-sociedade-na-condicao-de-socio.

Em casos como o presente, é cabível nos autos da ação anulatória dos atos praticados unilateralmente pelo Espólio, ou por sua omissão, requerer antecipação de tutela, com consequente sentença de procedência da ação.

Esse pedido deve contemplar:

a) a URGENTE expedição de alvará autorizando o ingresso e subsequente arquivamento em segunda entrada na Junta Comercial da Alteração do Contrato Social que admitiu novo sócio à sociedade e elevou seu capital social;

b) o cancelamento, por nulidade, da Alteração adotada unilateralmente pelo espólio ao substituir por outro o administrador da sociedade.

Considerando que na sociedade em questão havia apenas dois sócios, restando apenas um deles em vista do falecimento do outro, torna-se aqui descabida eventual invocação e aplicação dos artigos 997, IV; 999 e 1.071, V do Código Civil.

Esses artigos só cabem quando haja na sociedade, mesmo após o falecimento de um deles, mais de um sócio sobrevivente. Pluralidade de sócios.

Como inventariante não pratica atos administrativos nem societários, mas apenas representa o espólio enquanto não liquidadas as quotas do sócio falecido, é patente a nulidade da intromissão do espólio nos atos societários, consistentes, neste caso, no ato de designar ou de destituir administradores, para o que bastava o sócio sobrevivente decidir nos termos da própria cláusula do Contrato Social que o obrigava a designar novo ou novos sócios em substituição ao sócio falecido.

Não é demais reafirmar que espólio apenas participa de atos societários. Não os pratica.

A representação do espólio por seu inventariante não tem o condão de atribuir personalidade jurídica ao espólio.

Enquanto não encerrado o inventário, tendo o “de cujus” sido titular de quotas de uma sociedade, a presença do inventariante se faz necessária apenas na condição de representante do espólio, de modo a salvaguardar ali os direitos relacionados com a liquidação dessas mesma quotas.

De igual modo, havendo sócio supérstite com o direito e com a obrigação contratual e legal de completar o quadro social em virtude do falecimento do outro único sócio, não pode a inventariante, em nome do espólio, vedar o ingresso de novo sócio à sociedade. Tampouco pode impedir seja aumentado seu capital social com o ingresso de novo ou novos sócios. Ora, alteração societária dessa natureza em nada prejudica o espólio, que, enquanto não liquidadas as quotas do “de cujus” tem tão só o direito de fiscalizar os atos gerenciais de modo a evitar eventual dilapidação do patrimônio social. E, para tanto, haveria de valer-se dos meios apropriados de ação contra a sociedade ou seu administrador.

Assim, o espólio não tem nem poderes nem direito de convocar reuniões de sócios da sociedade de que tenha sido sócio o “de cujus”. Seja para substituir por outro, um administrador que haja sido designado em anterior deliberação do sócio supérstite, seja para a prática de qualquer ato de administração da sociedade.

Daí a nulidade da Alteração Contratual resultante de “convocação” feita pelo espólio e que não teve a aprovação do sócio supérstite. Inválida, assim, a designação de terceiro, pelo espólio, por meio de sua inventariante, que “destitui” desse cargo o administrador antes para tanto designado e empossado por manifestação formal de vontade do sócio supérstite, através Alteração do Contrato Social em ato de que participou o espólio, por meio de seu inventariante.

Agiu acertadamente o sócio supérstite quando ignorou a “convocação” que lhe fizera o espólio, por meio de seu inventariante, para a “reunião de quotistas”, deixando de a ela comparecer.

Sobressai aí que a inventariante, atuando em nome do espólio, desbordou de suas atribuições legais ao se opor, formalmente, ao arquivamento desses atos societários na Junta Comercial.

Esse abuso de direito só poderia resultar no ajuizamento de ação ordinária contra o espólio, para suprimento de vontade, por meio de alvará judicial determinando ao órgão de Registro do Comércio o arquivamento, em segunda entrada, da Alteração Contratual admitindo novo sócio e elevando o capital da sociedade. Além de mandar cancelar, por sua vez – em virtude de nulidade material – a Alteração Social que substitui o administrador por terceira pessoa da indicação unilateral do espólio.

INEXISTÊNCIA DE PODER DE VETO

Inventariante não tem poder de veto nas deliberações societárias. Principalmente quando essas deliberações, antes de trazerem quaisquer prejuízos ao espólio, se destinam a satisfazer a deveres legais e contratuais no interesse da sociedade. Se ao sócio não é lícito praticar atos contrários ao interesse da sociedade ou aos dos demais sócios, ou se omitir nos atos que lhe seja favorável, lícitas também não serão a prática de tais atos pela inventariante, como representante legal do espólio, e a sua omissão nas alterações do Contrato Social onde deva comparecer enquanto não liquidadas das quotas do sócio falecido.

O abuso de direito do espólio em face da sociedade ou de seus demais sócios expõe, ademais, o espólio ao risco de ações indenizatórias por danos emergentes e lucros cessantes.