segunda-feira, abril 07, 2025

Habeas corpus contra o abuso de autoridade do STF

 Como se sabe, o habeas corpus é garantido como meio constitucional de defesa da cidadania contra atos arbitrários da autoridade pública violadores do direito de ir e vir.

É um direto supralegal objetivando garantir a liberdade individual do paciente.

Pode ser impetrado por qualquer pessoa, que nem mesmo precisa ser advogado. E mesmo pelo paciente em seu próprio nome, esteja ele prestes a sofrer ilegal ameaça de restrição ao seu direito de ir e vir, ou quando já submetido a prisão ilegal.

Para a impetração, basta que seja escrita e assinada pelo paciente ou por terceiro no seu interesse relatando o fato que a justifique, apontando a autoridade impetrada e o pedido de expedição da ordem anulando o ato ilegal ou impedindo sua consumação.

Essa garantia da cidadania se constata no inciso LXVIII do artigo 5o. da Constituição Federal de 1988.

Uma pergunta: A Constituição exclui alguma autoridade judiciária ou não judiciária como se lhe garantisse imunidade de jurisdição para não figurar no polo passivo de um habeas corpus?

Minha resposta é um categórico não!

É certo que onde caiba recurso de uma decisão judicial, a princípio não caberia a impetração da ordem de habeas corpus. Mas isso é apenas meia verdade. Meia verdade porque o recurso pode não ter efeito suspensivo ativo imediato.

Outra questão se apresenta nos inquéritos instaurados diretamente por ministro do Supremo Tribunal Federal que evidenciem abuso de direito e de poder contra qualquer pessoa.

Quanto a isso, o STF já emitiu posicionamente sob a Súmula 606 do seguinte teor:"Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso."      

Até aí não teria problema se o paciente não estivesse sofrendo ameaça à sua liberdade nem estivesse submetido a pena restritiva do sagrado direito de ir e vir.

Mas essa Súmula não pode ter seu alcance ampliado nem mesmo por analogia para erguer um biombo protetor do ministro que seria a autoridade impetrada ou coatora contra o paciente, vítima desse ato vedado pela Constituição. 

Como essa autoridade, individualmente considerada, não se confunde com sua Turma nem com o Plenário da Corte, a analogia aí se torna inaplicável.

Portanto, não existindo impedimento constitucional à impetração de habeas corpus originário contra ato de ministro do STF, da decisão de inadmissão do "writ" pelo relator da respectiva Turma, o recurso aí cabível haverá de ser, forçosamente, o do agravo interno à respectiva Turma judicante, assegurado pelo artigo 1.021 do vigente Código de Processo Civil. Cabendo de sua decisão contrária ao agravante recurso de agravo regimental ao Plenário dessa Corte.

 Mas, ainda assim, esses HCs continuam sendo obstados pela aplicação analógica da Súmula 606/STF.   

O advogado que este artigo escreve já teve a oportunidade de impetrar diretamente diversos HCs no Supremo Tribunal Federal contra atos do ministro Alexandre de Moraes, decorrentes do famigerado "Inquérito do Fim do Mundo", instaurado diretamente no STF contra as vítimas desse abuso judicial.

Como nos casos de outros tantos impetrantes, o mérito desses HCs jamais chegou a ser julgado. Foram indeferidos sob o argumento de que não cabe habeas corpus contra ato de ministro da Corte.

Ora, se nenhum recurso cabível tiver força de suspender o ato arbitrário de qualquer ministro do STF, ofensivo ao direito de ir e vir do investigado ou denunciado diretamente nessa Suprema Corte, tem-se, por consequência o cabimento de habeas corpus.

Recomendação

Assim, para superar essa inconstitucional barreira ao cabimento de habeas corpus em favor desses pacientes no STF, basta uma medida a cargo do Congresso Nacional: Uma emenda à Constituição Federal dispondo que nenhum ministro do STF terá imunidade de jurisdição, respondendo como autoridade impetrada ou coatora em habeas corpus impetrado diretamente contra sua pessoa.

Note-se, por último, que o abuso de autoridade submete o agente às penas da Lei 13.869/2019.

quarta-feira, abril 02, 2025

Em socorro de Bolsonaro e outras vítimas do ativismo judicial

 No artigo de ontem, tratei do direito de todos ao chamado juiz natural, como sendo aquele a quem compete inicialmente decidir e julgar qualquer ação judicial submetida ao crivo do Poder Judiciário.

Assim, toda ação deve ser instaurada na primeira instância judicial, que será aquela a que se refira cada caso específico. Poderá ser o da justiça civil ou criminal, da trabalhista, da justiça militar, da justiça eleitoral, etc. conforme  a sua natureza.

Isso significa que a incompetência do foro acarretará a nulidade do processo "ratione fori" e mesmo "materiae", pois a natureza da ação é que definirá a justiça competente para processá-lo e julgá-lo. Basta lembrar a anulação da ação penal no caso Lava Jato, que liberou Luis Inácio Lula da Silva das garras da Justiça. 

Os crimes políticos ou eleitorais

Desse direito de ser processado e julgado a partir da primeira instância do Poder Judiciário não se excluem os crimes políticos e eleitorais.

Nenhum deles deve ser instaurado e julgado diretamente no Supremo Tribunal Federal, em que pese prever a Constituição o denominado foro especial por desempenho de cargo eletivo ou função.

Se ali instaurado, só deverá ter seguimento com a manifesta concordância do denunciado ou réu, uma vez aceita a denúncia. Isso porque a todos os acusados garante a Constituição o direito ao juiz natural e aos recursos às instâncias superiores. Cláusulas pétreas que se sobrepõem a todas e a quaisquer regras de direito processual. 

Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito

O foro competente para seu processamento e julgamento é também o da Justiça Federal,  nos termos do artigo 109, inciso IV da Constituição.

São nulas de pleno direito as sentenças condenatórias cujos processos sejam instaurados diretamente no Supremo Tribunal Federal, ao invés do foro da vara criminal de primeira instância da Justiça Federal da Capital da República, ou de outras unidades da Federação, quando seja o caso. Caberá ação anulatória dessas condenações. 

O caso do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro

Sua inclusão no polo passsivo da ação que trata dos alegados crimes contra o Estado Democrático de Direito é nula em absoluto.

Primeiro, porque direitos garantidos por cláusulas pétreas da Constituição têm prevalência sobre regras processuais.

Segundo, porque tal ação, quando muito, teria de ser iniciada perante uma das varas criminais de primeira instância da Justiça Federal de Brasília.

Terceiro, porque o STF não é o foro natural e competente para instaurar e julgar essas ações.

Quarto, porque Bolsonaro já não mais ocupa cargo público eletivo ou não.

Quinto, porque a Constituição, ao dispor sobre o dito "foro privilegiado" dos ocupantes de cargos eletivos, não admite a inclusão  de ex-ocupantes no polo passivo dessas ações.

Sexto, porque é nula de pleno direito qualquer decisão do STF que autorize tal inclusão. Deve ser tida por não adotada e, assim, inexistente.

O que aí cabe a favor de Bolsonaro, se aplica a todos os manifestantes do dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Da exceção de incompetência de foro

Ante o exposto, ouso recomendar aos advogados de Bolsonaro no STF protocolarem ali petição incidental de exceção de incompetência de foro. E o mesmo quanto aos processados manifestantes.

Nessa petição, como motivos do pedido, deverão fundamentá-la com os argumentos jurídicos e constitucionais por mim trazidos neste artigo e no de ontem sob o título "A suprema coação".

Alea jacta est.  

terça-feira, abril 01, 2025

A suprema coação

Faço esta pergunta: Se você estivesse sendo judicialmente processado em Brasília por crime político, qual seria a sua preferência? Ser julgado na primeira instância com possibilidade de recorrer ao Tribunal Regional Federal (segunda instância) e, em seguida ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), com direito de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF)? Certamente sua resposta será um sonoro sim.

E, nesse sentido você estará amparado por cláusulas pétreas da Constituição.

Todavia, essa mesma Constituição dispõe caber ao Supremo Tribunal Federal processar e ali julgar, em instância única, as pessoas ocupantes de cargos públicos e eletivos que menciona.

Aparentemente, isso significaria ter no STF um foro privilegiado para essas pessoas. 

Pergunto: Não haveria aí uma incongruência?

Penso que a intenção do constituinte de 1988 foi a de centralizar no STF essas ações para que essas pessoas não ficassem sujeitas a ações judiciais pelo Brasil afora.

Seria o STF o foro adequado para superar essa possibilidade? Entendo que não.

E daí? Qual deve ser a solução cabível? Respondo no sentido de que esse foro dito privilegiado pelo desempenho de função não deve ser impositivo.

Repito: há cláusulas pétreas na Constituição que, "ipso facto",  não podem ser derrogadas, revogadas nem anuladas por qualquer lei, e, muito menos por qualquer autoridade judiciária.

Lamentavelmente, esse foro especial no STF vem se tornando verdadeira armadilha judicial para quem tenha de ser ali processado e julgado.

Ninguém, nenhum político no exercício do seu cargo ou mandato pode ficar sujeito a pressões ou mesmo a coação, sob a ameaça advinda de qualquer ministro do STF de avocar para esse foro ou de ali instaurar ações contra seu desafeto.

Pior ainda quando o STF amplia esse "foro privilegiado" para nele incluir quem não mais esteja no exercício de cargo ou função inerente a esse foro para ali ser processado e julgado.

Muito estranho a recentíssima declaração pública do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, tecendo encômios, elogios, ao que, atualmente corre e ocorre neste nosso Brasil. Como se não tivéssemos nenhum preso politico, brasileiros no exílio, com passaportes cancelados, contas bloqueadas, etc. Teria ele sido coagido a fazer esse pronunciamento, que só ocorreu depois de um jantar no apartamento funcional do ministro Alexandre de Moraes?

O que dizer de esse mesmo ministro ter avocado para o STF processo instaurado em instância inferior contra o presidente do PSD, Gilberto Kassab? Depois de este ter dado indicações que seu partido votaria pela aprovação da anistia aos condenados da manifestação de 8 de janeiro de 2023 em Brasília,

Ponderações

As normas garantidoras de nossos direitos fundamentais são protegidas como normas materiais, e, assim, perpétuas. Já as relacionadas com direito processual carecem dessa materialidade, sendo sujeitas a alterações nos limites de sua constitucionalidade.

Recomendação

Ante o exposto, entendo pela legitimidade e constitucionalidade do direito de todos quantos estejam submetidos a processo e julgamento no STF, no âmbito do foro "privilegiado" de declinarem desse foro.

Esse pedido tem amparo na prevalência dos direitos fundamentais protegidos por cláusulas pétreas da Constituição sobre as cláusulas de foro.

Assim, esses processos podem ser e devem ser baixados à primeira instância da Justiça Federal em Brasilia, ao juiz natural, de cujas decisões ou sentenças poderá a parte exercer o direito de recursos às instâncias superiores, deixando o  STF de ser instância única mas passando à última e final instância do Poder Judiciário como corte exclusivamente constitucional.

Acolhida essa minha recomendação, afastada fica a possibilidade de coação da parte de qualquer ministro do STF sobre e contra os "favorecidos" do foro dito privilegiado.