Inicio este
artigo com uma indagação: O aproveitamento de prejuízos fiscais no âmbito
do IRPJ e da base negativa da CSLL é um
favor legal, um beneficio fiscal ou um direito do contribuinte (pessoa jurídica)?
Mostrarei
aqui que se trata de um direito cujo exercício não pode ser negado a esse
contribuinte, quando tributado pelo regime de lucro real.
Já que a
tributação do lucro real tem como pressuposto a própria existência do lucro
real, fica evidente que, na ausência de lucro real, só poderá ocorrer prejuízo
fiscal do exercício.
O marco
temporal para a apuração do lucro do empreendimento empresarial foi estipulado
em lei para corresponder ao do ano calendário. Todavia, a existência da pessoa
jurídica não se encerra aí. Tem continuidade por vários exercícios fiscais.
Desse modo,
o lucro real pode ocorrer em um exercício fiscal, mas não ocorrer noutro.
Ocorrendo o
lucro real, a empresa será devedora de IRPJ e da CSLL. Inversamente, no caso de
prejuízo fiscal de um exercício, ou de prejuízos de mais de um exercício (prejuízos
fiscais acumulados) será ela credora da Fazenda Nacional.
Exatamente
porque a Fazenda Nacional não poderá ignorar a existência desses prejuízos,
como se inexistentes fossem, e só considerar, isoladamente, o lucro do exercício
ou exercícios subsequentes.
O marco
temporal de cada exercício fiscal não pode impedir que se realize a compensação
de prejuízos de um exercício com os lucros do exercício ou exercícios
subsequentes.
Desse modo,
o valor correspondente aos prejuízos fiscais de um exercício representam um crédito
do sujeito passivo da obrigação tributária aproveitável, por compensação,
com o IRJP e a CSLL de exercícios
posteriores.
Não se pode
negar a natureza econômico-financeira dos prejuízos fiscais, do mesmo modo que
não se pode negar essa natureza quando credor seja o Erário.
Na relação
jurídico-tributária entre fisco e contribuinte, todo crédito, todo débito e
todo pagamento tem natureza financeira e conteúdo econômico.
Exatamente
por isso, o crédito do sujeito passivo submetido ao regime de lucro real tanto
pode ser resultado de pagamento a maior ou mesmo pagamento indevido de
tributos, como pode advir de prejuízo fiscal de um exercício, a ser aproveitado
em exercício(s) futuros(s). Só pode ser aproveitável ou compensável o que, sendo crédito, tenha natureza financeira e
conteúdo econômico. E isso ocorre com os prejuízos fiscais de IRPJ e da base
negativa da CSLL.
Como o valor
dos prejuízos fiscais de IRPJ e da base negativa da CSLL representa um crédito
do sujeito passivo diante da Fazenda Nacional, de duas, uma: ou esse crédito
haverá de ser integramente aproveitado por seu titular, ou haverá de ser ressarcido
pela União Federal, no encerramento de suas atividades empresariais, em
sobrevindo sua extinção. Esse direito de crédito se transmitirá a seus antigos
sócios ou acionistas.
A falta
desse ressarcimento equivalerá a enriquecimento sem causa da União Federal, e atribuição
de efeito de confisco, o que é vedado pela Constituição Federal.
Quem tem
direito, não pede autorização para exercê-lo: exerce-o. Desse modo, o credor do
fisco tem o direito de optar por receber seu crédito ou de cedê-lo e transferi-lo
a seu sucessor. O que ocorre inclusive no âmbito da cessão de direitos creditórios
envolvendo precatórios judiciais.
Saliente-se,
assim, que cabe apenas ao credor decidir o que fará em relação ao seu crédito,
seja no âmbito privado, seja no contexto tributário. Ao devedor, cabe apenas pagar a dívida ao
credor.
A sucessão na incorporação societária
Sob o
argumento de que se trata de norma para evitar a elisão tributária
(planejamento tributário), o artigo 33 do Decreto- Lei 2.341/1987 impôs vedação
para que a sucessora utilize os prejuízos da sucedida para a realização das
compensações.
Leia-se:
Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou
cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.
Considero
inconstitucional essa vedação. Carece de razoabilidade e de validade essa
restrição, pois o argumento de que se
busca evitar elisão tributária não autoriza cerceamento de direito do
contribuinte.
Vejamos
sobre esse tema a jurisprudência do E. STJ, no seguinte acórdão:
TRIBUTÁRIO – COMPENSAÇÃO DE
PREJUÍZOS FISCAIS – SUCESSÃO DE PESSOAS JURÍDICAS – INCORPORAÇÃO E FUSÃO –
VEDAÇÃO – ART. 33 DO DECRETO-LEI 2.341/87 – VALIDADE – ACÓRDÃO – OMISSÃO:
NÃO-OCORRÊNCIA.
1. Inexiste violação ao art. 535,
II, do CPC se o acórdão embargado expressamente se pronuncia sobre as teses
aduzidas no recurso especial.
2. Esta Corte firmou jurisprudência
no sentido da legalidade das limitações à compensação de prejuízos fiscais,
pois a referida faculdade configura
benefício fiscal, livremente suprimível pelo titular da competência tributária.
3. A limitação à compensação na
sucessão de pessoas jurídicas visa evitar a elisão tributária e configura regular exercício da
competência tributária quando realizado por norma jurídica pertinente.
4. Inexiste violação ao art. 43
do CTN se a norma tributária não pretende alcançar algo diverso do acréscimo
patrimonial, mas apenas limita os valores dedutíveis da base de cálculo do
tributo.
5. O art. 109 do CTN não impede a
atribuição de efeitos tributários próprios aos institutos de Direito privados
utilizados pela legislação tributária.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1107518/SC, Rel. Ministra
ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 25/08/2009)
Contra esse
julgado, pondero o seguinte:
1.
A apuração do lucro real é um direito
do contribuinte para evitar de transferir ao erário federal valores que não
representam resultado de acréscimo patrimonial, por atingirem seu próprio
investimento (capital social integralizado) na presença de prejuízos do exercício
fiscal.
2.
Prejuízo é o oposto de lucro.
3.
Nenhuma lei poderia negar ao
contribuinte o direito de apurar o lucro real, sob pena de tributar o próprio
investimento societário (capital social da pessoa jurídica).
4.
Lei alguma impõe a tributação do
capital de investimento.
5.
Na relação fisco-contribuinte, crédito
e débito têm natureza financeira e conteúdo econômico.
6.
Os valores do prejuízo fiscal no âmbito
do IRPJ e da base negativa da CSLL se exprimem em número de unidades monetárias.
7.
A soma desses valores deve ser
aproveitada na compensação com o IRPJ e a CSLL do primeiro exercício em que se
apure lucro tributável.
8.
Essa compensação poderá será integral,
a menos que sobeje saldo a ser ainda aproveitado em exercícios subsequentes.
9.
O direito a essa compensação não configura
benefício fiscal, motivo pelo qual não pode ser suprimido pelo titular da
competência tributária.
10.
O artigo 109 do CTN não autoriza a administração
tributária a retirar direitos do contribuinte.
11.
A ofensa ao art. 43 do CTN, sobre o imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza, se materializa quando se impede ou se
limita o aproveitamento de prejuízos fiscais da empresa. Ocorrendo o mesmo em
relação à CSLL.
Logo, a compensação de prejuízos fiscais no âmbito do IRPJ e da
base negativa da CSLL jamais pode ser considerada um “favor fiscal”, sob pena
de se autorizar por norma legal a violação de uma garantia constitucional que
impede tributar como ganho o que seja um prejuízo (afetando o direito de
propriedade); e de dar efeito de confisco ao que, nesses casos, nem confiscado
poderia ser: o patrimônio da pessoa jurídica.