sábado, janeiro 28, 2017
Na sua coluna desta sábado, 28 de
janeiro de 2017, publicada no caderno de economia de “O Estado de São Paulo”, a
jornalista Adriana Fernandes aborda o problema das rescisões contratuais de imóveis
em fase de construção, dando ao seu artigo o título “O nó do distrato”.
Neste meu comentário, gostaria de
suscitar alguns outros pontos.
Em primeiro lugar, é preciso
distinguir as situações envolvendo a aquisição de imóveis.
É relevante determinar se estamos
falando de uma edificação já construída e terminada ou de uma ainda inexistente,
a ser lançada na planta. Outro ponto relevante é quem irá custear a edificação.
O custeio da edificação
Se a edificação será custeada
inteiramente pela construtora, nenhum problema deverá haver para os
interessados que venham a adquirir suas unidades, quando já prontas. Será caso
de compra e venda de edificação já existente, ou mesmo de compromisso de venda
e compra com financiamento direto da construtora ao interessado ou mesmo
indireto, com a participação de um terceiro financiador. Nesse caso, se algum
problema superveniente houver, deverá ser resolvido nos termos do respectivo
contrato.
Situação Diversa
Situação diversa é aquela
envolvendo construção ainda inexistente, a ser edificada com recursos
financeiros de terceiros, no lançamento do empreendimento na planta.
Como advogado e professor que fui
de Direito Civil (Obrigações e Contratos) na Universidade FMU, sempre procurei
destacar essas distinções.
Lançamentos na planta
No caso de lançamentos na planta,
o terceiro interessado no negócio tanto pode ser um investidor objetivando a
cessão e transferência, com lucro, de seus direitos a outros interessados em
potencial, como poderá ser uma pessoa cujo intuito seja de adquirir moradia própria.
Diferentemente, no entanto, de
quem compra edificação já existente, o interessado em edificações ainda não
concluídas, porque ainda em fase de construção a partir de seu lançamento na
planta, esse interessado reveste mais do que tudo uma condição equivalente à do
investidor. Estará aportando capital próprio para custear juntamente com a
construtora ou incorporadora a obra até sua final entrega, uma vez obtido seu “habite-se”.
O fornecedor dos recursos financeiros
Nesse sentido, esse “investidor”
se põe em situação equivalente àquela da pessoa que empresta recursos próprios
a terceiro (a construtora ou incorporadora) para que a obra seja concluída. Poderia,
até mesmo, ser considerada como parte em um contrato de parceria, um contrato
de sociedade em conta de participação, com a possibilidade, ao final da obra,
de convolar esse contrato em contrato de venda e compra, aproveitando no
pagamento as antecipações financeiras feitas para a execução do projeto.
Sendo assim, como pode ser, temos
a questão da desistência, da decisão desse “investidor”, de parar de fazer seus
aportes de capital para a conclusão da obra. Decisão essa que pode ter sua
causa em razões particulares ou mesmo na superveniente impossibilidade de novos
desembolsos financeiros para pagar suas prestações à construtora ou à
incorporadora.
Inadimplemento contratual do "investidor"
Que fazer, assim, nesse caso de
inadimplemento contratual do “investidor” por deixar de pagar suas prestações?
Nesse caso, deveria constar do
contrato uma cláusula liberando a construtora ou incorporadora para ceder a
terceiros interessados os direitos contratuais do “investidor” relacionados com
a unidade imobiliária referida no contrato, e sendo a ele garantido o direito à participação no
resultado dessa cessão de direitos. Ou seja, irá participar do eventual lucro
dessa cessão, na proporção do seu aporte de capital para a realização e da
obra. Dessa maneira, seria evitado o enriquecimento sem causa da construtora ou
incorporadora em detrimento do “investidor”.
Anuência do "investidor"
Para o implemento dessa cláusula,
o contrato deveria prever um prazo para que o “investidor” venha a dar sua anuência,
passado o qual, sem sua manifestação, ter-se-á que foi concedida.
Preferência pela recuperação do investimento
Outra possibilidade seria constar
do contrato que, na falta dessa anuência do “investidor”, por preferir ele a
devolução do quanto já tenha desembolsado a favor da construtora ou
incorporadora, que o valor da retenção não poderá ser superior ao montante das
despesas efetuadas com o pagamento a corretores imobiliários, e que a restituição
ao “investidor” se dará por valores atualizados pelos mesmos índices previstos
no contrato quando exigidos do “investidor” inadimplente. E mais, se a restituição
assim atualizada não se verificar no prazo de 30 (trinta) dias a contar do
recebimento da notificação enviada pelo “investidor”, ficará sujeita aos mesmos
juros, encargos e multas tais como previstas no mesmo contrato a ser
rescindido.
Esse contrato deverá prever, também,
que o saldo com essa atualização monetária e esses acréscimos constituirá título
executivo extrajudicial oponível à construtora ou incorporadora, e a quem venha
a adquirir a unidade imobiliária em questão, preservando-se, assim, os direitos
do “investidor” original.
Direito do "investidor" a reclamação judicial
Ressalte-se, por último, que os “investidores” podem reclamar em juízo
esses mesmos direitos para o ressarcimento dos valores a que façam jus,
considerando-se o disposto no artigo 884 do Código Civil, que coíbe o
enriquecimento sem causa de quaisquer e de todas as pessoas (físicas ou jurídicas). De preferência antes de se tornarem inadimplentes.
Conclusão
Como acima destacado, quem aplica
dinheiro próprio em imóvel na planta, antes de ser edificado, ainda que tenha
por intuito moradia própria nessa unidade imobiliária, não é, rigorosamente,
compromissário-comprador e muito menos comprador. É fornecedor de recursos
financeiros à construtora/incorporadora para que estas levem a cabo o
empreendimento.
quarta-feira, janeiro 25, 2017
Apps de câmbio e a liberdade de negociar
Neste 25 de janeiro de 2017, o
jornal “O Estado de São Paulo”, publicou em sua página B12, no caderno de
Economia, matéria sob o título “Bancos fecham cerco a apps de câmbio”.
O tema despertou meu interesse e
curiosidade pelo simples fato de que o assunto ultrapassa os meros interesses
dos bancos e das casas de câmbio, diante do que entendem como se houvesse aí
uma concorrência ilegal às suas atividades.
Pois bem! Será que esse
entendimento procede e pode ser aceito? Entendo que não!
Em primeiro lugar, cabe destacar
o livre direito de qualquer pessoa dispor do que seja seu pela maneira que
melhor lhe convier, sem ter de se sujeitar à intermediação de qualquer entidade
ou de qualquer corretor.
Operação cambial significa trocar
uma moeda por outra. Reais por qualquer outra moeda, e vice-versa.
Mas a moeda estrangeira no Brasil
pertence a qualquer um de nós como se fosse qualquer outro bem integrante de
nosso patrimônio. Desse modo, uma jóia que a mim pertença poderá por mim ser
cambiada, trocada, por qualquer outro bem de valor econômico, com quem queira
adquiri-la.
Esse direito de cambiar, de
trocar, de alienar é um direito de qualquer um de nós. Não depende nem pode
depender de limitação, de restrição ou de autorização governamental.
Do mesmo modo, a compensação
privada de créditos entre credores e devedores recíprocos é contemplada no
Código Civil. E o Código não impõe qualquer restrição territorial ao exercício
desse direito. Sendo assim, como o é, a compensação privada de créditos pode
ocorrer entre duas partes residentes ou domiciliadas no Brasil, ou entre duas
partes, uma das quais aqui domiciliada, e a outra, domiciliada ou residente no
exterior.
Note-se que o dinheiro, como meio
de pagamento, é uma convenção legal para evitarem-se as complicações que se
vinculassem ao escambo nos negócios entre duas ou mais partes contratantes. É
expressão de valor que serve para quitar obrigações de conteúdo
econômico-financeiro.
Pondere-se que o patrimônio
individual (que pode ser composto inclusive por valores representados por
moedas estrangeiras) não se confunde com o patrimônio público. Dinheiro e bens
particulares não são dinheiro nem bens dos governos federal, estadual,
municipal ou do Distrito Federal. Não pertencem ao Banco Central do Brasil. Não
são divisas públicas.
Por isso mesmo, tenho defendido o
entendimento de que o tipo penal denominado “evasão de divisas” é
manifestamente inconstitucional. Perante a Constituição da República, não tem o
governo, por quaisquer de seus órgãos (no caso, o Banco Central do Brasil)
autorização para impor penalidade a que mantenha ativos financeiros no
exterior, enquanto domiciliado e residente no Brasil, seja qual for o valor
desses ativos.
Ademais, quando sai do País, ninguém
promove “evasão” com o que seja seu. Quando muito, só poderá dele ser exigida
declaração de porte de valores ao sair do território brasileiro. Pior ainda quando essa punição venha a ser aplicada a quem
receba no exterior e lá mantenha valores em moeda estrangeira, caso em que nem
mesmo se poderá falar em “evasão de divisas”. Nessa eventualidade, a única
obrigação que se poderá exigir dessa pessoa será a de efetuar o recolhimento do
imposto de renda no Brasil sobre os valores recebidos no exterior. Assim,
feito, poderá ela manter ou não esses recursos financeiros no exterior ou
trazê-lo em parte ou no todo para o território brasileiro.
Em suma, qualquer pessoa (física
ou jurídica) está constitucionalmente autorizada a entabular negócios diretos, sem
ser obrigada a contratar corretores ou outros intermediários.
Apps de câmbio apenas aproximam os interessados, diretamente, entre si. Nada mais do que isso.