terça-feira, agosto 31, 2021

Liberdade de expressão e de ação

Por ser inerente à natureza humana, somos dotados da possibilidade de comunicação verbal com nossos semelhantes. Podemos chamar essa qualidade natural de manifestação.  Manifestação que antes só era verbal e que, com o progresso da humanidade passou a ser também exercida pela forma escrita.

Antes do advento do rádio, da televisão e da internet, a comunicação se restringia às pessoas do grupo presencial que trocavam entre si suas opiniões. Hoje, falamos e podemos ser vistos em nossas falas por milhões de pessoas ao redor do mundo.

Por ser fruto do Direito Natural, ninguém pode ser privado do direito de falar, de se expressar e de se comunicar com seus semelhantes.

Desse modo, o direito de expressão, como direito natural, passou a ser reconhecido e protegido no âmbito do direito positivo, do direito posto, assim entendido como o direito legislado, escrito.

O exercício desse direito natural de expressão se sobrepõe a qualquer norma jurídica que pretenda controlá-lo.

Cabe ponderar que as normas de convivência em sociedade só serão consideradas legítimas quando respeitem nossos direitos naturais.

É fato que o Estado, como ente jurídico, não tem existência natural. É fruto da concepção humana para se organizar em sociedade. Desse modo, podemos ter distintas modalidades de Estado. O Estado submetido a regras jurídicas objetivando o convívio social em consonância com normas do Direito Natural, ou o Estado que, na prática, sobreponha à sociedade a vontade de seus controladores. Daí a distinção que se pode fazer entre o Estado de Direito, e o Estado que se sobrepõe aos direitos de seu povo, como Estado Ditatorial ou Estado Autoritário.

O Estado de Direito se forma por meio de um ato constitutivo, que vem a ser sua Constituição. Será democrático quando a Constituição espelhar a vontade do povo ou da maioria de seus integrantes. Será antidemocrático quando imposto ao povo pela força, por qualquer grupo dominante sobre seus opositores.

 No Brasil atual, temos a Constituição Federal de 1988 que, quanto ao direito de expressão, de manifestação do pensamento, é condizente com o respeito ao Direito Natural.

A liberdade de expressão, de opinião é, assim – como consideramos – um direito absoluto. Se for tratado como um direito apenas relativo, dará margem a entendimento de que possa ficar submetido a restrições e limitações.

Não se pode confundir o direito de opinião com o exercício do direito de ação, de agir em face de fatos da vida.

O direito de opinião, como direito absoluto, por errônea que possa ser a opinião manifestada pelo opinante, não é passível de censura. Muito menos de censura prévia, pois esta conduz a impedir a própria manifestação de pensamento. Não sendo cabível a censura prévia, também não haverá de ser aceita a censura “a posteriori.” Isso porque a simples possibilidade de censura posterior à manifestação do pensamento e de opinião passa a ser um fator de contenção desse mesmo direito individual de expressão.

Se o direito de expressão é, como é, um direito fundamental e absoluto de cada um de nós, o que se pode dizer do direito de ação?

O direito de ação também pode ser pautado no âmbito do Direito Natural e da Escola Principiológica do Direito. Nesse sentido, aplicável aqui o brocardo latino “Honeste vivere. Neminem laedere. Suum cuique tribuere.” Ou seja, viver honestamente, a ninguém lesar e dar a cada um o que de cada um seja.

Assim,o ordenamento jurídico brasileiro acolhe esses preceitos. Com o que é lícito tudo quanto não seja proibido ou vedado por lei. Sabido, também, que nenhuma proibição ou vedação legal será válida quando ofensiva a quaisquer de nossos direitos constitucionais. Caso em que poderemos arguir em juízo a inconstitucionalidade da norma ou da lei que imputamos inconstitucional.

Se, em nossas manifestações de opinião, viermos a ofender direitos de terceiros, evidentemente poderemos ser chamados a responder pelas ofensas, como nos casos de calúnia, difamação ou injúria.

Portanto, o direito de expressão – não passível de censura –, se distingue dos atos que possamos praticar em detrimento de qualquer pessoa que possa ter sido injustamente atingida pelo que tenhamos falado ou escrito.

Liberdade de expressão não admite censura

domingo, agosto 29, 2021

O STF e o Rubicão

 Li, neste domingo, na Folha de São Paulo, artigo do ministro Ricardo Lewandowski sob o título “Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível” e subtítulo “Preço a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto.”

Constato que o ministro está correto quanto ao fato de que a ninguém é lícito ultrapassar os limites da legalidade e da constitucionalidade nos seus atos, por melhor que pareçam ser as intenções de seus autores.

Evidentemente, esse artigo vem como uma advertência que tem como objeto eventual intervenção militar em face dos fatos ultimamente registrados no País, evidenciando uma grave crise institucional.

Mas a advertência que faz o ministro Lewandowski não pode ter como alvo o Presidente da República, Jair Bolsonaro. No entanto, é isso que parece ser.

 A questão a afligir o País se encontra no fato de que ministros do próprio Supremo Tribunal Federal e também do Tribunal Superior Eleitoral estão indo além do Rubicão. Ultrapassam esses limites quando mandam prender pessoas sem o devido processo legal; quando esses ministros se consideram verbalmente atacados e dão ordem de prisão a esses manifestantes; quando “desmonetizam” contas e bloqueiam canais de articulistas e comentaristas na internet, etc., cerceando sua liberdade de opinião; quando desrespeitam a imunidade constitucional de parlamentares e tiram a liberdade de presidente de partido político.

Nesse seu artigo, o ministro Lewandowski se reporta à Constituição de 1988, ao lembrar que ela estabeleceu, no capítulo relacionado aos direitos e garantias fundamentais que “constitui  crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.”

Fica aqui uma pergunta: O que se deve fazer quando a ordem constitucional e o Estado democrático são violentados por meios outros, sem o emprego de grupos armados? O que deve ser feito contra os infratores dessas garantias constitucionais?

O que se deve fazer diante do ato de qualquer autoridade que violente nossos direitos fundamentais, assegurados como cláusulas pétreas da Constituição? Devemos ficar submissos ao arbítrio? Esses infratores devem permanecer incólumes?

Alguém em quaisquer dos Poderes da República se pode dizer no direito de desrespeitar a Constituição? Se o faz, deve passar sem reprimenda? Sem punição?

Já escrevi que ninguém pode exercer poderes ditatoriais sob a vigente Constituição Federal. E a ditadura se manifesta quando alguém, em quaisquer dos Poderes da República, se sobrepõe aos limites constitucionais de atuação e decisão, ofendendo nossas garantias e direitos constitucionais.

Logo, o ditador poderá ser uma pessoa física, isolada, ou um conjunto de pessoas irmanadas nos mesmos intuitos de violarem esses nossos direitos fundamentais.

Nos últimos anos, lamentavelmente isso está ocorrendo. E esses fatos hediondos não estão vindo do Poder Executivo nem do Poder Legislativo. Pois o cerceamento da liberdade de expressão, o da comunicação com o público por meio de canais e blogs via internet, do direito de receber contribuições financeiras de leitores desses canais de divulgação de idéias e opiniões têm tido origem em inconstitucionais ordens partidas do seio do próprio Supremo Tribunal Federal.

Está certo, assim, o ministro Lewandowski ao afirmar nesse seu artigo que “Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão.”

Infelizmente, quem tem ido além desses limites, ultimamente, são os próprios ministros do Supremo Tribunal, que jamais poderiam interpretar qualquer dispositivo constitucional, legal ou regimental para ofender direitos fundamentais da cidadania.

Podem esses julgadores infratores permanecer na impunidade? Se impunes permanecerem, terão tido êxito no golpe branco, exercido sem a força das armas, mas pela força inconstitucional do emprego da caneta nos seus votos ofensivos às nossas garantias e direitos constitucionais.


sexta-feira, agosto 27, 2021

Decisões constitucionais inconstitucionais

É fato que cabe ao Supremo Tribunal Federal sob a vigente Constituição de 1988 a última palavra nos processos judiciais que ali cheguem envolvendo temas constitucionais.

Dir-se-ia que o Supremo Tribunal Federal não erra. Apenas decide nos casos submetidos ao seu julgamento.

É certo que cabe ao Supremo decidir sobre as questões constitucionais, no cotejo da lei com a Constituição,

É fato, também, que nenhuma decisão judicial no âmbito do STF poderá ferir direitos fundamentais de pessoa alguma, garantidos pela Constituição.

Significa isso que o STF deve julgar em consonância com a Constituição, sob pena de nulidade de suas decisões, quando a desrespeite.

Isso se explica porque todos os juízes de qualquer instância estão jungidos ao dever de respeitar a Constituição. Tanto assim, que fazem juramento nesse sentido.

O desrespeito a direitos fundamentais individuais e coletivos por quaisquer dos ministros do Supremo Tribunal Federal acarreta a nulidade da decisão assim tomada.

Se mantida pelo Plenário do STF, nem assim ficará convalidada. Não há fundamento constitucional que autorize a convalidação de uma decisão inconstitucional do STF. O que já nasce nulo, nulo continua sendo.

Desse modo, nula de pleno direito será a interpretação extensiva de qualquer dispositivo de lei e de regimento interno de qualquer tribunal, inclusive daquele do próprio STF, sempre que essa decisão vier a afetar, restringir, ofender ou afastar direitos individuais ou coletivos garantidos pela Constituição Federal.

Como já apontamos em outros nossos artigos, decisão judicial nula não tem o condão de produzir efeitos. E se aplicada, vem a prejudicar qualquer pessoa, terá esta direito de se defender por meio de petição de arguição de nulidade. Se não vier a ser reformada, quando seja esse o caso, o ministro do STF que a mantenha deverá responder por crime de responsabilidade, sujeitando-se processo de impeachment. O cidadão lesado nos seus direitos poderá buscar ressarcimento judicial por danos morais, perdas e danos e eventuais lucros cessantes em face da União Federal.

Em suma, são inconstitucionais as decisões do STF que contrariem garantias e direitos individuais e coletivos,  assegurados sob a vigente Constituição Federal.

Nulidade das decisões do Supremo ofensivas a direitos fundamentais

 O inquérito do fim do mundo sobre alegadas “fake news”

                Conforme noticiado pelo Supremo Tribunal Federal, o ministro Edson Fachin, determinou a extinção de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) que questionavam o artigo 43 do Regimento Interno da Corte (RISTF). Esse artigo fundamentou a abertura Inquérito (INQ) 4781, que apura notícias supostamente fraudulentas, alegadas ameaças e outros atos considerados ataques à Corte. Segundo o ministro, não cabe ADPF contra controvérsias já definidas pelo STF.

                As ações foram ajuizadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, (ADPF 877), e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (ADPF 704) contra o artigo 43 do Regimento do STF, que determina que “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.

                Nas decisões, o ministro salientou que a ADPF tem por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público. Mas, entre os requisitos para sua admissão, está o de que não haja outro meio jurídico eficaz para sanar eventuais lesividades (princípio da subsidiariedade), conforme previsto na Lei 9.882/1999 (artigo 4º, parágrafo 1º).

                Ao determinar a extinção das ações, o relator observou que é incabível a impetração de ADPF em matérias já definidas recentemente pelo próprio Supremo e que eventuais lesões individuais e concretas devem ser objeto de impugnação pela via recursal pertinente.

                No entendimento do ministro, como a controvérsia constitucional sobre a questão já foi resolvida na ADPF 572, em que o Plenário declarou a legalidade e a constitucionalidade do INQ 4781, uma nova ação semelhante não é o meio necessário e eficaz para sanar a lesividade alegada.

                Embora a controvérsia a respeito do artigo 43 do RISTF não fosse o objeto expresso do pedido formulado na ADPF 572, Fachin assinalou que, naquela ocasião o Tribunal reconheceu a constitucionalidade das normas regimentais que regulamentam o exercício do poder de polícia previsto nos artigos 42, 43, 44 e 45

                O argumento era o de violação aos princípios constitucionais do juiz natural, da segurança jurídica, da vedação a juízo de exceção, do devido processo legal, do contraditório, da taxatividade das competências originárias do STF e da titularidade exclusiva da ação penal pública pelo Ministério Público

                Ora, quando se trata de decisão final contrária à garantia constitucional de direitos fundamentais individuais, inexistindo recurso cabível para se obter sua reforma, o direito de impugnação se fará por meio de petição  com fundamento em nulidade material da decisão. E qualquer pessoa afetada por decisão (mesmo do Plenário do STF) ofensiva a quaisquer desses direitos fundamentais assegurados pela Constituição terá legitimidade para arguir essa nulidade.

                Como decisões contrárias a garantias constitucionais, ainda que emanadas do Plenário do Supremo Tribunal Federal, são nulas de pleno direito, ficam expostas a impugnação a qualquer tempo.

                Arguida sua nulidade por petição do lesado junto ao STF, de duas, uma: ou o STF vem a reconhecer a nulidade, ou os ministros que mantenham a decisão ficam sujeitos a impeachment por crime de responsabilidade.

                Negar direitos fundamentais, protegidos por cláusulas pétreas da Constituição Federal é violentar essa mesma Constituição.

                Nenhum julgador, inclusive e principalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, tem poderes absolutos. São submetidos aos limites constitucionais processuais e materiais na administração da justiça.

                Diante da supremacia da Constituição em face de qualquer ato judicial que ofenda direitos constitucionais expressos e implícitos na mesma Constituição, não cabe interpretação extensiva de lei, de norma, de disposição de Regimento Interno para negar, prejudicar ou cercear direitos individuais e coletivos.

                Essa decisão do Plenário do STF, aceitando interpretação extensiva do art. 43 de seu Regimento Interno é nula de pleno direito

                Nessa decisão, o STF está se pondo acima da Constituição. O que é inconstitucional.

quinta-feira, agosto 26, 2021

Impeachment de Ministro do STF - Cabimento de Recurso

     Acabamos de tomar conhecimento da rejeição pelo Presidente do Senado Federal do pedido de impeachment do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, formulado pelo Presidente Jair Bolsonaro.

     Entendemos que cabe recurso desse indeferimento, como passamos a demonstrar.

    Toda petição formulada junto a qualquer ente federativo exige decisão de seu destinatário.

    O direito de petição é assegurado a todos pela Constituição Federal (Art 5º, inciso XXXIV).

    Cada petição, assim que protocolada, dá ensejo à abertura do respectivo processo

    O eventual indeferimento da petição não autoriza “ipso facto” o arquivamento do processo.

   A todo indeferimento cabe o direito de o peticionante dele recorrer, no contexto do direito ao contraditório e à ampla defesa.

    A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro assegura em seu artigo 4º  o emprego da analogia, no caso de omissão da lei. Assim, sua lacuna deve ser preenchida por equivalente disposição legal ou mesmo normativa.

     Pedido de impeachment submetido junto à Câmara Federal ou ao Senado Federal exige decisão que o acolha ou o rejeite.

    Se rejeitado, não poderá ser automaticamente arquivado, quer pelo Presidente da Câmara Federal, quer pelo Presidente do Senado Federal.

     Em respeito ao devido processo legal e ao direito ao contraditório, não se poderá negar ao autor do pedido de impeachment o direito de recorrer desse indeferimento.

     Esse recurso será dirigido à mesa da Câmara ou do Senado, conforme o caso.

    Note-se que o direito de recorrer é assegurado inclusive no Regimento Interno do Senado, cujo artigo 48, XI assim dispõe:

“Art. 48. Ao Presidente compete: (...)

XI - impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania;”

  Como se vê, atos do Presidente do Senado ou da Câmara Federal não são terminativos, ante o direito público subjetivo do autor de cada pedido recorrer da decisão que o indefira.

 Ademais, no âmbito do Direito Público, os atos de deferimento ou indeferimento de pedidos formulados por qualquer interessado são atos de julgamento. A autoridade que o decida será um juiz togado ou seu equivalente quando não integrante do Poder Judiciário.

  Exatamente por isso, as garantias constitucionais e legais aplicáveis no âmbito do processo civil servem de fundamento para que sejam também respeitadas nos processos submetidos aos interessados tanto no âmbito do Poder Legislativo quanto no do Poder Executivo.

   E o Código de Processo Civil tem disposição (art. 331) sobre o que fazer quando o juiz rejeite de plano uma petição inicial: caberá ao interessado interpor recurso de apelação ou não recorrer.

   Logo, do ato do Presidente do Senado (ou da Câmara) que rejeite qualquer pedido de impeachment, caberá recurso à respectiva Mesa, que deverá respeitar o rito da Lei do Impeachment.

   Não há necessidade de se aguardar alteração de Regimento Interno para que esse direito de recorrer seja aplicado nos casos de impeachment. Na falta de disposição regulamentar específica, aplicam-se a analogia e o emprego supletivo de norma asseguradora do direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal.

sábado, agosto 21, 2021

STF, SUPREMACIA E SOBERANIA

 

STF, SUPREMACIA E SOBERANIA

Plínio Gustavo Prado Garcia

            Neste artigo nos propomos a demonstrar que o Supremo Tribunal Federal não tem soberania, mas apenas supremacia. E supremacia meramente vertical.

              Quais são as características de soberania?

              Conforme se pode conferir no Google, soberania refere-se à entidade que não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna. Relaciona-se à autoridade suprema, geralmente no âmbito do país. A soberania é inalienável e indivisível e deve ser exercida pela vontade geral, denominada por soberania popular.

              No Brasil atual, a soberania decorre da Constituição Federal de 1988, na medida em que advém da vontade popular outorgada ao Poder Constituinte para redigir e aprovar o então novo texto constitucional.

                Daí o que dispõe seu artigo 1º  e parágrafo 1º:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição .”

            Soberania não se confunde com supremacia. A amplitude do vocábulo  soberania prevalece sobre o conceito e alcance de supremacia.    

           Podemos afirmar a supremacia da lei, enquanto respeitante da soberania da Constituição, desde que os poderes dela derivados sejam um reflexo da vontade popular. Teremos aí o Estado Democrático de Direito.

            A sigla STF significa apenas que essa Corte Constitucional tem supremacia sobre as instâncias e tribunais inferiores. É uma supremacia organizacional, vertical, do Poder Judiciário, no âmbito da tripartição dos Poderes da República.

         Assim, o STF não é dotado de uma supremacia horizontal, que pudesse colocá-lo em patamar acima do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.

          Como a vontade do povo é soberana e no seu nome deve ser exercida, nenhum dos Poderes da República a ela se sobrepõe nem pode se sobrepor. Pois limitados estão ao dever de respeitar os direitos e garantias constitucionais individuais e coletivos assegurados na Constituição.

            E esses direitos e garantias são inerentes ao Estado Democrático de Direito, sob pena de violação da própria Constituição Federal vigente.

     O STF, enquanto órgão supremo na estrutura do Poder Judiciário, deve agir como Corte Constitucional. E isso exige sua submissão às limitações constitucionais ao poder de decidir e de julgar os casos submetidos à sua apreciação e julgamento. Sempre nos restritos limites dos poderes a ele, STF, outorgados pela Constituição.

          Vale isso dizer que a Constituição não dá poder algum ao STF para elasticidade interpretativa da lei ou de seu Regimento Interno, em detrimento de direitos e garantias constitucionais individuais ou coletivas. No assim fazer, usurpa poderes que só foram conferidos pelo povo aos Constituintes, e invade competência dos outros dois Poderes da Republica: o Executivo e o Legislativo.

                Juízes do STF que exorbitem sua competência constitucional se expõem, “ipso facto” a processo de impeachment.

Limites constitucionais das decisões judiciais

 

Limites constitucionais das decisões judiciais

Plínio Gustavo Prado Garcia

 

    Juiz algum tem autorização constitucional, legal e processual para impor a quem quer que seja o cumprimento de ordem, de decisão ou de sentença, quando expedidas em desobediência ao devido processo legal.

    A garantia do devido processo legal se acha insculpida no artigo 5º , inciso LIV da vigente Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;...”

     O descumprimento dessa garantia acarreta a nulidade do ato judicial.

    Se essa nulidade ocorrer, a parte lesada poderá argúi-la a qualquer tempo, enquanto esteja compelida ao seu cumprimento. E não apenas enquanto tenha andamento o processo judicial.

    Isso porque o ato nulo é desprovido de validade, força e eficácia.

    Ato nulo, ofensivo ao devido processo legal, se tem por ato inexistente. E, assim, não tem o condão de produzir efeitos jurídicos.

    Isso significa que a nulidade do ato judicial se aplica inclusive no âmbito de decisão de juízes dos tribunais superiores e, em especial aos do Supremo Tribunal Federal.

    Esse nosso entendimento advém do dever constitucional imposto também a seus integrantes de respeito aos direitos e garantias individuais e coletivos, que constituem o cerne da Constituição Federal de 1988.

    Desse modo, o desrespeito de quaisquer desses direitos e garantias, principalmente por quem, por dever de ofício, deve cumprir, observar e fazer observar esses direitos e garantias, representa motivo para se impor a esse julgador as consequências do desrespeito a esses mesmos direitos e garantias constitucionais decorrentes do devido processo legal judicial.

    Nesse contexto, não é dado a juiz algum, principalmente de qualquer integrante do Supremo Tribunal Federal interpretar elasticamente qualquer dispositivo legal ou mesmo regimental para, nessa interpretação, ofender o devido processo legal  substantivo e processual.

    Vale dizer que nenhum juiz do Supremo Tribunal Federal se pode por, em suas decisões, acima da própria Constituição Federal. Seu dever é agir nos limites da constitucionalidade, sempre respeitando os direitos individuais e coletivos das partes interessadas ou sob julgamento.

    Desse modo, sobressai a manifesta inconstitucionalidade da interpretação extensiva de qualquer artigo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal para instaurar procedimento judicial contra quem quer que seja.

    Essa elasticidade interpretativa acarreta a nulidade plena da determinação judicial.

    E a consequência desse ato nulo há de ser a responsabilização constitucional de seu autor por desrespeito à Constituição e aos direitos individuais e coletivos das pessoas por ele atingidas.

    Vale dizer, é caso e motivo para o impeachment do juiz do Supremo Tribunal Federal por ofensa ao devido processo legal.

    Para evitar-se esse desfecho, se espera venha o Supremo Tribunal Federal, por iniciativa de qualquer interessado, a reconsiderar essa interpretação elástica da Constituição e de seu Regimento Interno, ressalvado aos lesados o direito a indenização pelos danos materiais e morais a que expostos por força de decisão judicial manifestamente inconstitucional.

    Ninguém está acima da Constituição. Nem mesmo os juízes do STF, a quem compete dar o exemplo de não extrapolarem os limites da constitucionalidade exigida de seus atos e decisões.