sábado, fevereiro 20, 2010

Estado de Direito e Abuso de Poder nas Desapropriações

Plínio Gustavo Prado Garcia*
Este artigo busca estabelecer uma linha divisória em matéria de desapropriações de imóveis.

É comum a ocorrência de desapropriações por necessidade pública, como nos casos de aberturas de estradas, ruas, obras públicas relacionadas com construção de linhas de metrô, ferrovias, hospitais, centros de saúde, etc.

Sobressai, aí, o interesse público, que se sobrepõe ao dos particulares.

Nesses casos, a desapropriação poderá recair sobre terrenos sem edificação, tanto quanto sobre aqueles edificados.

A lei (Decreto-Lei 3.365/1941) exige a edição de decreto governamental declarando de utilidade pública para fins de desapropriação os imóveis a serem por ela atingidos.

De igual modo, se prevê a desapropriação por interesse social, que não deixa de ser interesse público, ainda que essa modalidade de expropriação de bem particular seja voltada ao atendimento da comunidade, como na implantação de zonas de especial interesse social para edificações residenciais.

De outra parte, pode-se estabelecer uma separação entre o que seja interesse público e interesse da administração pública.

Este, o interesse da administração pública, não pode, sob o Estado Democrático de Direito, ficar dissociado do interesse público, nem contra este prevalecer.

Caso típico de alegado interesse da administração pública se verifica nas hipóteses em que um ente público busque desapropriação de imóvel edificado para ali instalar quaisquer de suas repartições.

A lei não contempla essa hipótese de desapropriação. Prevê apenas a possibilidade de desapropriação para a construção de edifício público.

Isso faz sentido, considerando o comando constitucional da função social da propriedade.

A exigência constitucional de cumprimento da função social da propriedade funciona tanto contra, quanto a favor do proprietário e de todos quantos usem o imóvel.

Se, de um lado, esse princípio constitucional impõe ônus ao proprietário ou usuário, de outro, vem em seu socorro quando a propriedade esteja a cumprir sua função social.

Por isso mesmo, a proteção constitucional a todos quantos cumpram a função social da propriedade se estende não só ao proprietário, quanto ao possuidor ou usuário, seja a que título for.

Dessa maneira, fazem jus à proteção constitucional e legal não só o proprietário, como o possuidor ou usuário do imóvel.

Isso significa que não podem ser atingidos por atos expropriatórios de mero interesse da administração pública, a menos que se trate de desapropriação para construção de edifício público, quando inexista alternativa menos onerosa e menos danosa a essas pessoas.

Impõe-se, nesse particular, que a administração pública eleja imóvel ou imóveis que possam trazer aos seus proprietários, possuidores ou usuários, menor impacto pessoal e social. Há de ser respeitada uma gradação numa ordem inversa, em que em último lugar esteja o imóvel edificado, utilizado e que, assim, esteja satisfazendo ao requisito constitucional da função social da propriedade.

Dessa maneira, não é lícito à administração pública desapropriar para seu próprio uso, imóvel edificado cuja função social esteja sendo satisfeita.

Ademais, não é lícito, também, à administração pública, agindo no seu próprio interesse ou na sua própria conveniência, alegar que a Constituição preveja a indenização prévia e justa do desapropriado, como se a desapropriação de imóvel edificado e cumprindo a função social da propriedade se limitasse ao terreno com sua edificação. Ora, há direitos humanos aí envolvidos. Direitos de pessoas físicas e jurídicas instaladas nesses imóveis, que não podem dali ser expulsos como se invasores fossem.

É sabido que o direito de propriedade abrange, também, seus consectários: usar, fruir, gozar e dispor da propriedade.

No terreno não edificado, uma desapropriação terá impacto menor, quando comparado com a que se faça em imóvel edificado. Neste, tanto maior será o impacto social quanto maiores forem a edificação e o número de usuários de suas unidades autônomas.

Isso conduz à conclusão de que certa está a lei (Decreto-Lei 3.365/1941) quando, em seu artigo 5, letra “m” autoriza desapropriação para a construção de edifício público. Pondere-se que a essa época, não havia ainda qualquer dispositivo legal ou constitucional que impusesse o cumprimento da função social da propriedade.

Se, então, não havia previsão legal para desapropriação de imóvel edificado para nele se instalarem órgãos ou repartições da administração pública, muito menos agora, sob o comando da função social da propriedade, poderá recair sobre imóvel edificado a desapropriação por interesse da administração pública.

É abuso de poder desconsiderar os direitos humanos e sociais de todos – pessoas físicas ou jurídicas – quantos estejam a exercer no imóvel edificado suas regulares atividades profissionais. Pouco importa, nesse particular, se essa ocupação é feita na qualidade de donos, de proprietários desses imóveis, ou de meros usuários deles.

Em suma, nulo será o ato administrativo que vise à desapropriação de imóveis edificados, onde a função social da propriedade esteja sendo cumprida, se o intuito da desapropriação for o ocupar suas instalações para nelas acomodar seus órgãos, repartições ou dependências administrativas.
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Plínio Gustavo Prado Garcia é advogado formado pela Universidade de São Paulo (1962), mestre em Direito Comparado (Prática Americana), pela George Washington University, National Law Center, de Washington D.C. (1972), sócio titular de Prado Garcia Advogados (www.pradogarcia.com.br), ex-professor de Direito Civil e de Direito Tributário, autor, palestrante e conferencista, colaborador de publicações jurídicas como IOB e Revista Dialética de Direito Tributário, entre outras. Este e outros de seus artigos podem ser lidos em http://www.locuslegis.blogspot.com

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segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Critérios de Escolha na Desapropriação de Imóveis por Utilidade Pública


Plínio Gustavo Prado Garcia*


A desapropriação constitui uma exceção à garantia constitucional do direito de propriedade, a qual, entretanto, deve levar em devida conta o atendimento que esta faça de sua função social.

Sendo, pois, uma exceção, há de seguir um critério de escolha, cujo resultado deva ser o de causar o menor impacto social e pessoal sobre seus proprietários e seus usuários.

É de se notar que o artigo 5º, letra “m” do Decreto-Lei 3.365/41 só contempla a construção de edifício público e não a utilização de edifício existente, que passe de uso particular a uso público. Essa restrição faz sentido quando se considere o requisito do cumprimento da função social da propriedade.

Ademais, é necessário respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, inerentes ao devido processo legal no seu contexto material, substantivo (art. 5º, LIV, da vigente Constituição Federal).

Assim, nesse critério de escolhas, nessa gradação, em que uma exclua a outra, deve prevalecer, portanto, a seguinte ordem na desapropriação de imóveis que, por utilidade pública, devam ser desapropriados para darem lugar à construção de edifício público:

a) Imóvel sem edificação (terreno no qual venha a ser executada a construção do edifício público).

b) Imóvel com edificação, sem uso ou subutilizado, a ser demolido para viabilizar a construção do edifício público.
c) Imóvel edificado em que seja menor o número de unidades autônomas, na comparação com outro de maior número dessas unidades, a ser demolido para ceder lugar a edifício público.
d) Imóvel edificado, a ser demolido e a ceder lugar à construção do edifício público, se, em razão de sua localização, não for possível sua exclusão, por inexistirem outros passíveis de desapropriação com menor impacto aos proprietários, aos usuários e à sociedade.

A ocupação como edifício público, de edifício existente, no contexto de uma desapropriação por utilidade pública só seria admissível em casos de extrema urgência e de extrema necessidade da administração pública. E isso – a despeito do previsto na letra “m”, artigo 5º do Decreto-Lei 3365/41 – só se antes houverem sido esgotadas as outras escolhas, na ordem de escolhas acima indicadas.

Neste caso, a desapropriação não se limitará a indenizar o proprietário. A responsabilidade do ente expropriante se estende à reparação dos danos causados aos usuários do imóvel desapropriado.

Não se pode olvidar o fato de a locação de imóvel particular pelo Poder Público ser alternativa possível à desapropriação. E, até mesmo, a compra de imóvel particular, quando não a própria permuta de um por outro.

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Plínio Gustavo Prado Garcia é advogado formado pela Universidade de São Paulo (1962), mestre em Direito Comparado (Prática Americana), pela George Washington University, National Law Center, de Washington D.C. (1972), sócio titular de Prado Garcia Advogados (www.pradogarcia.com.br), ex-professor de Direito Civil e de Direito Tributário, autor, palestrante e conferencista, colaborador de publicações jurídicas como IOB e Revista Dialética de Direito Tributário, entre outras. Alguns de seus artigos e comentários podem ser lidos em http://www.locuslegis.blogspot.com/.

sábado, fevereiro 13, 2010

Desapropriação e os Direitos dos Particulares


Plínio Gustavo Prado Garcia*


. Introdução

O ato de desapropriar constitui uma exceção à garantia constitucional do direito de propriedade.

Se praticado ilimitadamente, representará a negação desse mesmo direito e manifesta afronta à Constituição Federal.

A ninguém é lícito causar lesão à imagem, à personalidade, aos bens materiais e imateriais e aos direitos de outrem.

O primado da justiça se encontra no equilíbrio das relações jurídicas. Não por menos a justiça é representada pelo símbolo da balança.

No Estado Democrático de Direito, o poder deve ser exercido no interesse de todos e de cada um. É abuso de poder exercê-lo em detrimento dos direitos de quem quer que seja.

Daí ser a desapropriação concebível apenas nas hipóteses de necessidade ou utilidade pública e de interesse social, onde possa o interesse da coletividade sobrepor-se ao interesse individual.

Desapropriação sem a devida compensação é confisco.

Interesse direto da administração pública nem sempre pode ser justificativa para desapropriação. Deve o administrador público, em respeito ao Estado Democrático de Direito, agir com moderação (proporcionalidade) e razoabilidade, de modo a se valer da desapropriação apenas em último caso, depois de avaliadas todas as possíveis alternativas capazes de evitar esse ato extremo de intervenção sobre a propriedade privada.

Nem mesmo a alegação de urgência há de ser fundamento válido para uma pretendida desapropriação, quando existam imóveis outros passíveis de desapropriação com menor impacto social. Ou, ainda, quando possam ser edificados para uso administrativo, o que pode ocorrer em prazo menor do que o da desapropriação.

. A função social da propriedade

Dessa maneira, entre um imóvel único de proprietário único, que esteja sem utilização ou subutilizado, e outro imóvel cuja função social esteja sendo preenchida, porquanto utilizado para fins residenciais, comerciais ou profissionais, fica evidente que a preferência para a desapropriação deve recair sobre aquele primeiro.

Evidentemente, na desapropriação de imóvel desocupado e não utilizado, a prévia indenização deverá cobrir, pelo menos, o valor de mercado do imóvel, dado que simples valor venal para efeitos de imposto (IPTU) nem sempre resultará em justa indenização. Pelo menos isso, sem falar em outras reparações.

Já, no caso de imóvel cuja função social esteja sendo atendida, fica evidente a diferença, pois não bastará indenizar o proprietário do imóvel e deixar de compensar os ônus e perdas impostos pelo ato do poder expropriante sobre seus ocupantes, quer sejam estes meros residentes, quer sejam empresários ali estabelecidos ou profissionais ali exercendo suas atividades cotidianas.

Inobstante seja a desapropriação ato do poder expropriante, tal ato não pode resultar em qualquer diminuição do patrimônio imobiliário de seu titular ou do patrimônio profissional ou comercial de seus ocupantes.

. O Princípio da Equivalência

Podemos invocar a favor de todos os atingidos por desapropriação o que chamaríamos de princípio constitucional da equivalência.

O princípio da equivalência é inerente ao conceito de justiça. E justiça não se faz quando não se restabeleça o equilíbrio das relações jurídicas e quando não se repare toda e qualquer lesão que o ato do poder expropriante possa ocasionar ao patrimônio, às atividades e aos direitos de todos quantos sejam, direta ou indiretamente, afetados pela desapropriação.

Assim, o poder expropriante não pode limitar-se ao pagamento de justa e prévia indenização ao expropriado, se o pagamento for insuficiente para permitir recolocar-se o desapropriado em situação equivalente. Vale dizer, permitir adquirir outro imóvel pelo mesmo preço da desapropriação, que mantenha as mesmas particularidades do imóvel desapropriado em termos de área, qualidade da edificação e localização. O efeito deveria ser equivalente ao de uma permuta de imóveis, sem encargos ao expropriado.

. Dever de assumir os ônus, por quem quer os bônus

Já, como corolário do cumprimento da função social da propriedade, fica evidente que os regulares ocupantes do imóvel a ser expropriado, com seus escritórios e atividades profissionais nele instalados, não poderão ficar expostos e submetidos a essa lesão de direito, aos ônus, encargos e prejuízos resultantes do ato expropriatório. Negar-se a eles essa reparação será o mesmo que equiparar um imóvel devidamente ocupado com um imóvel sem utilização ou subutilizado. Mas, melhor do que reparar “post facto”, é o poder expropriante arcar antecipadamente com os ônus decorrentes do seu ato.

Por isso mesmo, o ato expropriatório pode gerar lesão de direito, se a reparação da lesão ficar limitada apenas ao pagamento do imóvel por ele atingido. E toda lesão, quando não evitada, impõe reparação.

Se nem o argumento eventualmente alegado pelo Estado de que se trate de desapropriação necessária pode gerar lesões a direitos individuais ou coletivos, muito menos o poderá a simples conveniência de uma desapropriação.

. Conclusão

Em suma, a manutenção do equilíbrio das relações jurídicas, como imperativo de justiça, significa que nem o Estado, mais ainda sob o Estado Democrático de Direito, pode ousar infligir lesões ao patrimônio e aos direitos individuais e coletivos.

A desapropriação de imóvel sem utilização ou subutilizado afeta apenas seu proprietário. Entretanto, naqueles outros cuja função social se manifeste por sua utilização comercial ou profissional, onde possam estar instalados estabelecimentos comerciais, industriais ou de serviços, inclusive escritórios e sociedades tais como de advogados, engenheiros, contadores, etc., o ato desapropriatório inegavelmente lhes acarreta graves consequências de ordem moral, pessoal, profissional e material. Interfere no regular desempenho de suas atividades profissionais, provoca interrupção dessas atividades, perda de tempo, perdas materiais, danos emergentes e mesmo lucros cessantes.

Fica, pois, evidente que esses profissionais, suas sociedades e seus escritórios instalados no imóvel a ser desapropriado fazem jus a uma prévia recolocação em outro imóvel equivalente e em equivalente localização, devendo correr por conta do expropriante todos os custos indispensáveis a essa realocação e instalação, sem falar em outros valores indenizatórios perfeitamente justificáveis. Não será justificável submetê-los à via de uma ação indenizatória, pois deve o Estado evitar toda e qualquer lesão de direitos individuais e coletivos, mormente quando se sabe que o Estado é mau pagador. Que o digam os credores com precatórios pendentes de pagamento por anos ou décadas. E as inconstitucionais emendas à Constituição objetivando retardar ainda mais esses pagamentos.


É, assim, o imperativo da harmonização do interesse público com o interesse particular, pois se não pode o interesse particular predominar sobre o interesse público, não é menos verdade que o interesse público não pode causar lesão de direito individual ou coletivo. Ao menos onde prevaleça o Estado Democrático de Direito. E, prevalecendo, seja efetivamente respeitado.

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Plínio Gustavo Prado Garcia é advogado formado pela Universidade de São Paulo (1962), mestre em Direito Comparado (Prática Americana), pela George Washington University, National Law Center, de Washington D.C. (1972), sócio titular de Prado Garcia Advogados (http://www.pradogarcia.com.br/), ex-professor de Direito Civil e de Direito Tributário, autor, palestrante e conferencista, colaborador de publicações jurídicas como IOB e Revista Dialética de Direito Tributário, entre outras.