A Constituição desconstitucionalizada
A Constituição Federal de 1988 foi desconstitucionalizada.
Foi substituída pela ditadura da toga.
Até quando?
Plinio Gustavo Prado Garcia, (USP e G.Washington Univ de Washigton D.C.) advogado em São Paulo, Capital; fundador de Prado Garcia Advogados (www.pradogarcia.com.br); foi professor de Direito Civil e Tributário; membro efetivo da Comissão de Direito Penal Econômico, da OAB/SP. Expõe, aqui, seus pontos de vista na salvaguarda dos direitos individuais, nos campos constitucional, empresarial, econômico, ambiental, tributário, patrimonial, político e social. E-mail: advocacia@pradogarcia.com.br
A Constituição Federal de 1988 foi desconstitucionalizada.
Foi substituída pela ditadura da toga.
Até quando?
Como se lê na página do Supremo Tribunal Federal (STF) sua Primeira Turma formou unanimidade para rejeitar os recursos do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, e de outros seis condenados na Ação Penal 2668.
Essa Ação trata da alegada tentativa de golpe de Estado.
Segundo, ainda essa informação, os recursos apresentados (embargos de declaração) visam, como regra, esclarecer eventuais omissões, dúvidas e contradições na decisão. Mas alguns réus também buscavam alteração no mérito do julgamento. Para o relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, as defesas demonstraram “mero inconformismo” com a decisão, e, segundo o entendimento consolidado do STF, não é possível rediscutir o resultado do julgamento em embargos de declaração.
Acompanharam o voto do relator a ministra Cármen Lúcia e os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino, presidente do colegiado. O ministro Fux não participou do julgamento porque passou a integrar a Segunda Turma.
Acrescenta essa notícia que na AP 2668, o colegiado reconheceu, de maneira fundamentada, a existência de uma organização criminosa que, desde o início de julho de 2021, iniciou uma sequência de atos que culminaram nos delitos de tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Faço aqui estas perguntas:
1.- Estaria esse caso praticamente encerrado?
2.- Após a rejeição desses embargos de declaração, algum outro recurso, como o de embargos infringentes, teria sucesso?
3.- Haveria a possibilidade de, ainda assim, reverter essa condenação?
Passo a responder.
O caso não está encerrado.
Embargos infringentes não alterarão essa condenação.
Essa condenação, ainda assim, poderá e deverá ser revertida.
Explico as razões desse meu entendimento.
É preciso distinguir entre uma decisão, uma sentença e um acórdão reformáveis via recursal e outros nascidos nulos de pleno direito.
Distinguir entre o nulo e o anulável.
Não se pede a anulação do que nulo já seja. Basta demonstrar a nulidade. E, essa demonstração pode ser feita em qualquer fase do processo judicial ainda em curso, antes do seu encerramento, que ocorre com a publicação da certidão de trânsito em julgado.
Nesse caso da Ação Penal 2668, a condenação de todos os réus (não apenas a de Bolsonaro) pode e deve ser revertida se seus advogados vierem a juntar aos autos do processo uma simples petição intercorrente.
Esse peticionamento é mais do que um simples recurso. E deve ser formulado nos autos desse processo antes do seu encerramento.
Nulidade Absoluta
É pacífica na lei e na jurisprudência dos tribunais que uma nulidade absoluta no curso de qualquer processo judicial não só pode, como deve ser arguida a qualquer tempo.
Essa arguição se materializa por simples petição, como acima explicado.
No caso, basta que seja direcionada ao Ministro Presidente da Primeira Turma do STF, sob a denominação e forma de "petição intercorrente de arguição de nulidade absoluta do acórdão condenatório".
O que deve ser aí argumentado e demonstrado:
1.- Que não basta decidir (como decidido) que a Turma teria agido corrretamente ao se entender competente "ratione fori" (competência de foro no STF) para receber e conduzir a ação penal, e que a ação esteja respeitando a exigência de curso perante o juiz natural.
2.- Competência "ad causam" e processamento perante o juiz natural resultarão em processo judicial válido e constitucional apenas quando nenhum outro direito do réu seja violado ou negado.
3.- Que, nessa Ação Penal (como tantas outras julgadas diretamente no STF desde 2019), a nulidade absoluta desses casos e condenações decorre do seu processamento em instância que, ao mesmo tempo, se apresenta como inicial e final.
4.- Assim, a nulidade absoluta, no caso, se materializa na denegação e, até mesmo, na impossibilidade fática do exercício do constitucional direito à dupla jurisdição que se materializa na interposição de recursos às instâncias superiores.
O império da lei (Rule of Law)
Como se lê em artigo anterior deste autor, não é cabível sob o império da lei (Rule of Law), amparado em nossa vigente Constituição, que alguém possa ser validamente julgado e condenado em instância única, sem ter alguém (juiz ou tribunal) a quem recorrer.
Recomendação
Desse modo, recomendo aos advogados desses irregularmente condenados que venham a juntar aos autos da ação penal essa petição incidental de arguição de nulidade absoluta do acórdão condenatório.
Esse pedido deve ser cumulado com o de subida dos autos ao Plenário do STF no caso de manutenção do acórdão ali atacado.
A defesa em ações penais condenatórias iniciadas e terminadas no STF
Essa nulidade processual absoluta cabe em Ação Revisional Criminal nos casos de ações penais já encerrados. Exatamente como este advogado vem fazendo nos autos da RvC 5649,em curso no Plenário do STF, ora com vistas ao ministro Luiz Fux.
A resposta é simples.
Se estiver baseada na força das armas, será uma ditadura militar ou militarizada.
Se estiver sendo imposta com base em condenações em instância única sem direito de recurso a instância superior, teremos a ditadura da toga.
Nenhuma delas é compatível com o império da lei.
Devem ser expurgadas, e condenados deverão ser os usurpadores de nossas garantias constitucionais.
Segundo nossa vigente Constituição Federal, todos são iguais perante a lei.
Será mesmo?
Posso provar que, na prática judicial, isso não é verdade.
Você acha correto que algum réu em processo judicial possa ser privado do direito de recorrer às instâncias superiores contra sentença condenatória? Principalmente em ações penais, criminais?
Mas isso pode acontecer mesmo diante do artigo da Constituição que garante esse direito?
Por incrível que pareça, esse desrespeito a esse direito de recurso às instâncias superiores vem ocorrendo neste nosso Brasil.
O pior que esse desrespeito tem se manifestado exatamente no seio do Supremo Tribunal Federal.
Basta que você seja Presidente da República, Vice-Presidente, Senador, Deputado Federal ou Procurador Geral da República.
Sob o que se denomina foro privilegiado ou foro por desempenho de função, as ações penais instauradas contra essas pessoas só podem ser ajuizadas no STF.
Como, assim, se lhes é tirado o direito de recurso, quando o tribunal que condena é, ao mesmo tempo, instância inicial e final?
No entanto, esse condenado tem o pleno direito de não aceitar sua condenação.
Em seu amparo, pode invocar a igualdade de direito que a todos cabe: de não ser tratado como cidadão de segunda classe. O direito de recurso às instâncias superiores.
Mas como esse direito é violado nessa instância única, cabe-lhe arguir a nulidade da manutenção dessa ação penal nesse foro Supremo, de única instância.
Desse modo, basta peticionar nos autos da ação penal, pedindo sua baixa à primeira instância da Justiça Federal da Primeira Região, em Brasília para redistribuição a uma de suas varas de Direito Penal.
Se a decisão condenatória do réu tiver transitado em julgado (tornada definitiva), o caminho a seguir será o da Ação Revisional Criminal, a ser julgada pelo Plenário do STF.
É o que este articulista, como advogado, tem feito em defesa de vítimas desse arbítrio. Que atinge também, por indevida conexão, pessoas sem esse foro "privilegiado".
Reporto-me neste artigo à questão da denominada função social da propriedade.
Sobre esse tema, assim dispõe a Constituição Federal de 1988, em vigor:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...)
III - função social da propriedade;
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (...)
2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. (...)"
Já escrevi neste blog que a maior função da propriedade se encontra no fato de respeitar a ordem social. No próprio direito de propriedade.
O exercício desse direito exige respeito. Abuso deve ser sancionado.
Mas o abuso pode também estar na lei. Ou no ato do aplicador da lei.
Precisamos distinguir entre obrigações de fazer (afirmativas) e obrigações de não fazer (negativas).
Nesse passo, entendo que esse artigo184 da Constituição merece adequada interpretação quando se refere a "imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social".
Cabe aí perguntar o que especificamente vem a ser esse descumprimento.
O proprietário praticou ou está praticando atos lesivos ao meio ambiente? A propriedades vizinhas? Se afirmativa a resposta, deve ser judicialmente processado para cessar esses atos e responder por eles na forma da lei. Mas isso não pode ser motivo para a perda do seu direito de propriedade do imóvel. Ou mesmo para dele ser desapropriado.
O que, então, justificaria a desapropriação "por interesse social, para fins de reforma agrária", do "imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social"?
Se por "interesse social" se entender o dever de o proprietário tornar produtiva ou mais produtiva sua propriedade rural, se há de considerar o descabimento do poder estatal de vir a promover a desapropriação desse bem imóvel.
Desse modo, sobressai o absoluto direito do proprietário de exigir do Poder Público meios técnicos e financeiros que lhe permitam promover a função social de sua propriedade rural.
Quem exige resultados, deve propiciar os meios.
A instituição Supremo Tribunal Federal não se confunde com as pessoas de seus ministros.
Nesse sentido, o STF nunca erra. Instituição é o que instituimos. O que criamos.
Assim, o STF é apenas um dos três Poderes da República Federativa do Brasil. Ao lado do Poder Executivo e do Legislativo.
Nada de novidade nisso.
Mas a questão que surge é: Os ministros do STF têm poderes ilimitados? Não, não têm, pois seus poderes têm seus limites na própria Constituição. Se os desrespeitam, devem sofrer os efeitos de seus atos e decisões arbitrários. Como previstos em lei. Entre eles, a destituição do cargo.
Desde 2019, ministros do Supremo têm adotado medidas e decisões arbitrárias, em condenável ativismo judicial, ao violarem direitos fundamentais de suas vítimas.
Esses abusos são consequência de maliciosa e errática interpretação do artigo da Constituição Federal, que trata do foro especial por desempenho de função. O artigo 102, I, "b".
Assim, desde 2019, o STF foi, inconstitucionalmente, convertido em tribunal penal, criminal. Em tribunal de exceção, por atuar como instância única, inicial e final, para ai instaurar ações contra quaisquer pessoas, a elas impondo limitações de direitos e, até mesmo penas privativas da liberdade.
Daí a enxurrada de condenações manifestamente absurdas e inconstitucionais de todas essas milhares de vítimas do que se pode definir como ditadura da toga.
E a nulidade dessas condenações decorre do fato de que a Constituição a todos garante o direito de recurso às instâncias superiores.
Por estar atuando o STF como instância judicial única, inicial e final, este articulista passou a defender esses condenados no próprio Supremo por meio Ação de Revisão Criminal.
Todas essas condenações são nulas de pleno direito.
The 1988 Constitution followed the Brazilian tradition of naming Brazil's highest court the Federal Supreme Court. However, this name originated and was inspired by the United States of America, the so-called "Supreme Court of the United States of America."
In other jurisdictions, the correct term is Constitutional Court, as in Italy, Germany, Spain, and Portugal.
This means that a Constitutional Court cannot be a lower court, nor can it act as one.
Unfortunately, this degradation, this downgrading has been occurring in recent years in our Brazil.
Ministers (Justices) of the Federal Supreme Court are not judges or appellate judges of courts with jurisdiction to hear criminal cases.
They can only act to guarantee the constitutional rights of convicted individuals when their conviction violates any of these fundamental rights.
Therefore, the Supreme Federal Court (STF) is, in fact, a Constitutional Court charged with safeguarding the Constitution. In this sense, the verb "to guard" means to ensure that these fundamental, constitutional rights of all of us are rigorously respected.
The Interpretative Error
In an unconstitutional interpretation of Article 102, I, "b" of the Constitution, Supreme Federal Court (STF) justices began to consider themselves competent to act as if they were members of a criminal court.
This provision of the Constitution governs the jurisdiction for initiating criminal proceedings against the individuals mentioned therein, based on their roles: the President and Vice President of the Republic, members of the National Congress, and the Attorney General.
They can only be sued before the Supreme Federal Court (STF).
However, this does not mean that the Supreme Federal Court can convict them, nor their co-defendants brought therein to trial by connection.
It is important to distinguish between jurisdiction to trial (venue) and jurisdiction to convict the defendant.
No defendant can be deprived of the right to appeal to higher courts. Precisely for this reason, the right to appeal is a constitutionally enshrined clause.
Therefore, Article 102, I, "b" of the Constitution does not authorize the Supreme Federal Court (STF) to criminally convict any defendant.
Once a criminal action has been therein instituted, the Judging Panel must ensure the defendant's right to have the case transferred to the first instance (level) of the Federal Court of the Federal District for assignment to one of its Criminal Law divisions.
The right to appeal to higher courts is a substantive right that takes precedence over procedural rules.
Denial of the right of appeal renders the defendant's conviction null and void.
In order to assure this constitutional right to a fair and valid judgment, individuals so convicted are entitled to file a Criminal Review Suit (Ação de Revisão Criminal) before the Supreme Federal Court itself. The object of such suit is to have his or her conviction declared null and void and to be paid for damages.
Let me repeat: a Constitutional Court is not and may not be a Criminal Court.
O constituinte de 1988 seguiu a tradição brasileira de denominar a Corte mais alta do Brasil como Supremo Tribunal Federal. Mas essa denominação teve origem e inspiração nos Estados Unidos da America do Norte, na denominada "Supreme Court of the United States of America".
Noutras jurisdições, a denominação corretamente aplicada é de Corte Constitucional. Como na Itália, na Alemanha, na Espanha e em Portugal.
Isso significa que uma Corte Constitucional não pode ser um tribunal de instância inferior. Nem atuar como se um fosse.
Lamentavelmente, essa degradação vem ocorrendo nos últimos anos neste nosso Brasil.
Ministros do Supremo Tribunal Federal não são juízes nem desembargadores de tribunais com competência para o julgamento de ações penais.
Só podem atuar para garantir os direitos constitucionais de condenados, quando a condenação destes esteja em contrariedade com qualquer um desses direitos fundamentais.
Assim, o STF é, na verdade, Corte Constitucional incumbida da guarda da Constituição. Nesse sentido, o verbo guardar significa fazer com que esses direitos fundamentais, constitucionais, de todos nós, sejam rigorosamente respeitados.
O erro interpretativo
Em inconstitucional interpretação do artigo 102, I, "b" da Constituição da República, ministros do STF passaram a se julgar competentes para atuarem como se fossem membros de um tribunal penal.
Esse dispositivo da Constituição cuida do foro para a instauração de ações penais contra as pessoas ali mencionadas, em razão da função por elas desempenhadas: Presidente e Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacional e o Procurador Geral da República.
Só podem ser acionadas junto ao STF.
Mas isso não significa que o STF possa vir a condená-las. Nem aos corréus ali levados a julgamento por conexão.
É preciso distinguir entre competência de foro e competência para condenar o réu.
Nenhum réu pode ser privado do direito de recorrer às instâncias superiores. Exatamente por isso, o direito de recurso é cláusula pétrea da Constituição.
Logo, esse artigo 102, I, "b" da Constituição não autoriza o STF a condenar penalmente réu algum.
Instaurada ali a ação penal, compete à Turma julgadora assegurar o direito do réu à baixa dos autos à primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal para distribuição a uma de suas varas de Direito Penal.
O direito de recurso às instâncias superiores é direito material, substantivo, que prevalece sobre o rito processual. Sua negação torna nula, de pleno direito, a condenação do réu.
Essa degradação do Supremo Tribunal Federal tem, como resultado, a nulidade dessas suas decisões.
Enseja a favor dos condenados a pertinente ação de revisão criminal no próprio STF contra a decisão condenatória imposta pela Turma julgadora.
O Supremo Tribunal Federal é Corte Constitucional.
Compete-lhe garantir o respeito aos nossos direitos fundamentais assegurados expressa e implicitamente pela Constituição Federal.
Funda-se no Estado de Direito como limitador dos poderes dos administradores da República.
Diferentemente do Poder Executivo e do Poder Legislativo, que agem por iniciativa própria nos termos e limites da Constituição, o Poder Judiciário só atua quando instado por requerimento dos interessados. Não pode agir nem decidir por iniciativa própria.
Insere-se na competência originária do STF julgar com decisão de mérito:
a) a Ação Direta de Constitucionaldade (ADC);
b) a Ação Indireta de Inconstitucionalidade (ADIN);
c) a Ação de Desconsideração de Preceito Fundamenal (ADPF), e
d) as Reclamações.
Já, na sua competência recursal, o Recurso Extraordinário (RE), quando a decisão recorrida ofender preceitos, dispositivos e direitos implicita ou expresssamente assegurados pela Constituição.
Cabe-lhe, também, em grau original ou recursal, julgar o habeas corpus em matéria penal, e o habeas data.
Indagações
Faço aqui e agora, estas indagações:
a) Como fica a questão do foro por desempenho de função a que se refere o artigo 102, I, "b" da Constituição?
b) O Supremo pode vestir a toga de um juiz ou tribunal de instância inferior na hierarquia do Poder Judiciário?
c) A competência para receber e instaurar processos penais contra qualquer detentor do direito ao foro por desempenho de função abrange o poder de aí condenar o réu?
Eis minhas respostas:
A questão do foro especial no STF por desempenho de função deve ser considerada com restrições.
Esse foro é impositivo apenas para os autores da ação, e implícito a favor do réu o direito de baixa dos autos à instância inicial da Justiça Federal de Brasília, DF, para julgamento de mérito.
Não pode o STF julgar o mérito dessa ação para condenar o réu, por ser ai instância inicial e final.
Todo acusado, réu ou condenado tem o legítimo e constitucional direito de esgotamento de todos os recursos cabíveis na sua defesa contra o arbítrio.
O Supremo não pode vestir a toga de um tribunal de inferior hierarquia judiciária.
Em suma
Portanto, são nulas de pleno direito todas as condenações dos réus nas ações instauradas no STF com fulcro no artigo 102, I, "b" da Constituição.
Dai caber a esses condenados o direito de promover no próprio Supremo a pertinente ação de revisão criminal para o reconhecimento da nulidade de sua condenação e seu direito a indenização.
É o que este articulista está, como advogado, fazendo no STF em favor de condenado de 8 de janeiro de 2023.
Destaque-se que os fundamentos de direito dessas revisionais se aplicam a todas as pessoas e autoridades condenadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal.
Esse o paradoxo do foro por desempenho de função junto ao STF: pode ali instaurar essas ações penais mas não pode condenar nenhum desses réus e seus eventuais corréus.
Os condenados no Supremo Tribunal Federal pelos fatos ocorridos no 8 de janeiro de 2023 em Brasilia têm argumentos para anular suas condenações.
Não basta que o Supremo se tenha considerado competente para julgá-los e os condenar, em equivocada interpretação do artigo 102, I, "b" da Constituição Federal no contexto do foro por desempenho de função. E o tem feito nestes termos:
"Competência deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para analisar o recebimento da denúncia e para processar e julgar posterior ação penal, em face de evidente conexão entre as condutas denunciadas e aquelas investigadas no âmbito mais abrangente dos procedimentos envolvendo investigados com prerrogativa de foro."
No entanto, competência para processar, julgar e condenar quem quer que seja só tem eficácia quando da decisão condenatória caiba recurso às instâncias superiores. Principalmente em ações penais, criminais.
Diga-se mais: O STF é Corte Constitucional. Não é, nem pode ser rebaixado ao nível de um tribunal penal, criminal.
É o que este advogado está sustentando em ação revisional criminal ora no Plenário do STF a favor de um condenado.
Distinção necessária
É preciso distinguir entre direitos materiais garantidos pela Constituição e direitos adjetivos inerentes ao processo penal.
Questão de competência de foro se põe no plano infraconstitucional. Mas o de recurso às instâncias superiores envolve direito assegurado pela Constituição.
Instância inicial e final em si mesma nega, inconstitucionalmente, o devido processo legal substantivo. E ocasiona a nulidade absoluta da condenação do réu.
São três as dimensões da ação penal: a) a competência "ad causam"; "ad processum" e "ad decidendum".
Vale dizer que, nesses julgamentos dos réus acusados por crimes relacionados com as manifestações de 8 de janeiro de 2023, entre outros com base no alegado foro por desempenho de função (artigo 102,I, "b" da Constituição Federal), o Supremo se atribuiu a competência de foro. E condenou esses réus.
Mas a competência "ad causam" não basta para se ter como válida a condenação do réu.
Essa competência "ad causam" se desdobra em competência de foro (competência "ratione fori"). E competência em razão da matéria (competência "ratione materiae").
Assim, o foro competente deve ser o do lugar ("locus") e o do juiz çompetente (pertinente) em função da matéria "sub judice. Neste caso, o juiz de uma das varas de Direito Penal. .
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal não é tribunal penal. É Tribunal Constitucional. Corte Constitucional. É a instância última do ordenamento judicial deste País.
Agindo e decidindo como instância inicial e final para julgar qualquer réu com ou sem prerrogativa de foro por desempenho de função, age inconstitucionalmente. E a consequencia desse fato é a plena e absoluta nulidade da condenação desses réus.
O direito de recurso
O direito de recorrer de qualquer sentença, acórdão ou decisão condenatória de qualquer réu é um direito fundamental do acusado. Tem amparo nos tratados de que o Brasil é signatário (como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, das Nações Unidas, e o Pacto de São José da Costa Rica).
E esse direito de recurso se acha expressamente assegurado no artigo 5, inciso LV, da vigente Constituição Federal.
Portanto, a admissão pelo STF de competência de foro para processar e julgar em instância inicial e final qualquer réu só caberá quando o absolva do crime a ele imputado.
Se condenatória, a decisão será nula de pleno direito, por negar ao condenado o constitucional direito de recurso às instâncias superiores.
É assim que o artigo 102,I, "b" da Constituição Federal sobre o foro por desempenho de função deve ser interpretado para estar em harmonia com os direitos constitucionais de quem seja ali, no STF, como instância inicial e final, processado e julgado.
I. INTRODUÇÃO
A
ação de revisão criminal perante o Supremo Tribunal Federal tem fulcro nos
artigos 5º, incisos XXXV e LXXV, e 102, I, j, da Constituição Federal, e no artigo 630, § 1°, do
Código de Processo Penal.
Seu
objetivo é a declaração de nulidade absoluta do acórdão condenatório do réu nos
autos da ação penal contra ele movida.
Pode
conter pedido de liminar e de indenização em face desse acórdão.
II.OBJETIVO DESTE
ARTIGO
Este
artigo busca demonstrar como deve ser interpretado o artigo 102.I,“b”, sobre o
foro por desempenho de função junto ao Supremo:
“Art.
102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a)... b)
nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os
membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da
República; ...”
De
sua leitura, essas pessoas estariam constitucionalmente compelidas a se
submeterem a um foro ao mesmo tempo inicial e final, como instância única e
irrecorrível.
Essa
seria uma interpretação literal.
Impõe-se,
nesse particular, uma interpretação jurídica sem redução de texto. Vale dizer,
uma interpretação que leve em devida conta a hierarquia das leis, a partir da
prevalência dos princípios de direito expressos e implícitos da Constituição,
inerentes ao Estado de Direito.
Assim,
na interpretação conforme a Constituição do artigo 102.I,”b”
da Constituição Federal, podemos sustentar:
1.
O direito público
subjetivo inerente à supremacia do direito material sobre normas meramente
processuais.
2.
A não impositividade desse foro
especial no STF ao réu.
3.
O implícito direito do réu por foro
distinto não “privilegiado”.
4.
A impositividade desse foro especial
apenas aos autores da ação penal.
5.
O implícito dever de o STF oferecer ao
réu a alternativa do foro comum.
6.
O implícito direito de opção do réu
por foro comum em lugar do “privilegiado”.
7.
Extensão ao réu por conexão dos
direitos do detentor da prerrogativa de foro.
Desse
modo, é irrelevante se o réu tenha sido condenado como se fosse titular do
direito ao foro por prerrogativa de função, ou por conexão a essa pessoa.
Isso
porque, em ambos desses casos, se está diante de incompetência absoluta de
foro para o julgamento da Ação Penal ali no STF instaurado contra
sua pessoa.
Exatamente
por isso, esta questão em nada é prejudicada pela discussão e decisão do excelso
Supremo Tribunal sobre se o foro por prerrogativa de função vincula-se ao exercício atual do cargo.
Ou se subsiste mesmo após o término do mandato, mas desde que o crime tenha
sido cometido durante o exercício das funções públicas. Tema da Questão de
Ordem na Ação Penal 937.
Acrescente-se que essa arguição de nulidade absoluta de
foro em nada é prejudicada com eventual inclusão de ex-mandatários no polo
passivo dessas ações penais, como se no cumprimento do mandato ainda estivesse.
Ainda que se alegue a inclusão do autor da revisional como réu
na Ação Penal por conexão com outros réus com foro especial por prerrogativa de
função, ver-se-á a irrelevância e o descabimento dessa argumentação ou
entendimento jurisprudencial.
Mantido nesse foro por prerrogativa de função, o réu passa a
sofrer dano irreparável por privado ficar do incontestável direito ao
foro comum, à ampla defesa, ao contraditório e a recursos às instâncias
superiores.
Não tem a quem recorrer.
Sabe-se não haver justiça em foro único, sem direito de
recurso às instâncias superiores. Quer para réus com direito a esse foro
especial, quer para os sem esse dito privilégio, ali incluídos por conexão.
Assim, descabe alegar que o réu haja exercido ampla defesa e
o contraditório nessa única instância judicial. Inicial e, ao mesmo tempo
final.
VI. OS
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DO RÉU
A vigente Constituição Federal fundamenta-se no Estado de
Direito embasado nos seus princípios e na garantia de todos contra o arbítrio.
Os direitos fundamentais que acolhe e protege são a base do
ordenamento jurídico vigente no País.
Na hierarquia das leis, é a lei fundamental, que se projeta
ao topo da sua pirâmide.
Não admite a prevalência da forma sobre a essência.
Da norma sobre o direito.
No embate entre o direito material, substantivo, e o direito
processual, adjetivo, este àquele se submete.
O artigo 5º, inciso LV, da Constituição garante que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.”
Temos aí um norteador a ser seguido não apenas pelo
intérprete, porque o óbvio está no fato de que ao julgador não será lícito nem
admissível subtrair-se de aplicar a lei e o ordenamento jurídico no exercício
do múnus decorrente do cargo judiciário que ocupe. Cargo esse que lhe impõe o dever
de julgar sem se desviar do ordenamento jurídico.
O artigo 92 da Constituição, que trata da competência dos
tribunais, evidencia o cabimento do direito de recurso às instâncias
superiores.
Daí sobressai ser esse um direito substantivo, a
prevalecer sobre o adjetivo, processual.
Esse direito de recurso é garantido também pela
Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da
Costa Rica, no seu artigo 8.2.h:
“2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se
presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o
processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias
mínimas:
(...)
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal
superior.”
A República Federativa do Brasil é uma das suas signatárias.
Essa Convenção se insere no ordenamento jurídico pátrio por
força do que dispõe o artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988.
Tem força cogente. E, por isso os direitos nela enunciados têm natureza de
norma constitucional de aplicação imediata.
Assim, o direito do réu ao juiz natural, ao foro
competente, à ampla defesa e aos recursos a ela inerentes, como cláusula
pétrea na Constituição, desautoriza a prevalência de foro privilegiado e de
tribunais de exceção.
E, nesse particular, a Suprema Corte seria um tribunal de
exceção em sendo instância única para julgar quaisquer acusados, diretamente.
Destaque-se, como exemplo, que a competência para julgar
crimes contra o Estado Democrático de Direito, previstos na Lei 14.197/2021, é
da Justiça Federal. Vale dizer: Não é da competência originária dessa Suprema
Corte.
Essa competência da Justiça Federal decorre do artigo 109,
inciso IV, da Constituição para crimes praticados em detrimento de bens,
serviços ou interesses da União, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar.
A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal sobre a impositividade do foro por prerrogativa de função; do
entendimento de que sua lógica seria a de garantir a imparcialidade e
independência no julgamento, considerando a relevância dos cargos, e sobre a
impossibilidade de o réu renunciar a esse foro, não prevalece sobre
os fundamentos de direito deste artigo.
Como se julga a pessoa e não a função que
ocupe, o foro por prerrogativa de função é um fator meramente circunstancial. Entretanto, a toda pessoa
(autoridade ou não) é constitucionalmente assegurado o direito ao juiz
natural, ao foro competente e aos recursos às instâncias superiores. O que
não lhe oferece o foro único no Supremo Tribunal Federal.
Ademais, deveria essa jurisprudência
considerar o implícito direito de opção do réu pelo foro comum e o direito
de sempre poder arguir a incompetência absoluta desse foro dito
privilegiado, em qualquer fase da ação penal. Inclusive por consequência de
renúncia ao cargo ou por não mais exercê-lo.
Esses argumentos não são afetados nem
prejudicados pelo decidido pela Suprema Corte na Ação Penal 937/218,
restringindo o alcance do foro privilegiado a deputados federais e senadores,
determinando que esse foro se aplica apenas a crimes cometidos durante o
exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Para os efeitos do pedido formulado
ao final da Ação Revisional, esse precedente é inaplicável e ineficaz ao fixar
que, após o fim da instrução processual (com a intimação para alegações
finais), a competência não é mais afetada por mudanças no cargo. E que essa
decisão não permite declínio voluntário, ou mesmo que sirva para definir
limites objetivos para a manutenção do foro.
Também não
prevalece sobre os fundamentos de direito deste artigo a recente decisão de
março deste ano de 2025, em que a Suprema Corte decidiu, por 7 votos a 4, que o
foro privilegiado para deputados e senadores pode ser mantido mesmo sido
cometidos durante o exercício do cargo e em razão dele. Essa decisão reforçaria,
equivocadamente, a ideia de que o foro seja impositivo e não possa ser
simplesmente renunciado para modificar a competência jurisdicional.
Pondere-se que cargo ou função são
situações ocasionais e não pessoas. Não se processa cargo nem função
exatamente por não serem pessoas. O óbvio nem sempre é evidente para quem não
queira vê-lo.
Acrescente-se a isso que normas
sobre foro não se sobrepõem ao direito público
subjetivo inerente à supremacia
do direito material sobre normas meramente processuais.
Destaque-se que as pessoas
processadas diretamente no Supremo Tribunal Federal por via de conexão com atos
perpetrados por detentores do “direito” ao foro por desempenho de função têm,
por consequência, igual direito de renunciar a esse foro, como se fossem
dele “beneficiárias”.
Essas pessoas poderão invocar esse direito até mesmo em benefício do detentor do direito a esse foro por desempenho de função.
VIII. DOS FUNDAMENTOS DO DIREITO DE RENÚNCIA AO FORO DITO PRIVILEGIADO
Como não pode haver desarmonia nem conflito entre as
disposições da vigente Constituição Federal, temos de passar a uma
interpretação que afaste aí qualquer incongruência. Ou seja, o que no jargão
jurídico se denomina “interpretação conforme e sem redução de texto”. Ou apenas
“interpretação conforme”.
Essa interpretação conforme, no presente caso, se materializa
no implícito reconhecimento do direito do investigado, acusado ou réu,
enquanto “favorecido” pelo foro por prerrogativa de função, de renunciar a esse
direito. Assim, poderá fazê-lo a qualquer tempo no curso da ação penal
nessa Excelsa Corte. Mormente diante do fato de não lhe ter sido oferecida essa
opção pelo foro comum.
Decorre disso que a todo acusado diretamente junto à Suprema
Corte cabe o implícito direito de declinar desse foro, optando por
outro, de instância inferior, menos gravoso.
Assim, o foro por prerrogativa de função junto ao Supremo
Tribunal Federal deve ser reconhecido – repita-se - como um direito do
acusado. Não como uma imposição inarredável.
Essa ação penal seria distribuída a uma das varas de primeira
instância da Justiça Federal, que seria a do juiz natural, ficando
assegurado ao investigado, acusado ou réu a ampla defesa e os recursos a ela
inerentes. Como é de direito a todos os não “contemplados” com o foro por
prerrogativa de função.
O foro por prerrogativa de função do artigo 102.I,"b” da Constituição Federal reveste dupla natureza jurídica
nos seus efeitos.
É impositivo apenas para o autor da
ação. Mas facultativo ou opcional para o réu.
Será mantido no Supremo Tribunal Federal
esse foro apenas no caso de expressa concordância do réu.
Isso porque em instância única, inicial
e final, seu direito de recurso ficará limitado apenas aos recursos internos.
Essa limitação ofende seu amplo direito
de recorrer às instâncias superiores. Representa uma “capitis diminutio” em
detrimento de sua pessoa, convolada em cidadão de segunda classe, em manifesta
ofensa à garantia constitucional de igualdade de todos perante a lei.
X. CONSEQUÊNCIAS
Como isso não vem ocorrendo quanto ao foro “privilegiado”,
têm-se as seguintes consequências:
1.
Todo investigado, acusado ou réu diretamente
junto à Suprema Corte tem o implícito direito de declinar desse
“privilégio”.
2.
A Constituição não veda seu direito de
renúncia. Nem autoriza essa Corte a indeferi-lo.
3.
Também não impõe a perda do cargo ou do
mandato na renúncia ao foro “privilegiado”.
4.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal, ao início do processo, oferecer ao
investigado, acusado ou réu a opção por ser julgado perante foro de instância
inferior.
5.
Esse direito do investigado, acusado ou réu não precisa estar expresso
na Constituição. É implícito.
6. Se
já ocorrida, só será válida, aí, na Suprema Corte, em benefício a qualquer
deles, a decisão final que lhe tenha sido favorável.
7.
Será nula e de nenhum efeito jurídico contra qualquer deles a decisão
restritiva de direitos ou condenatória, quando tenha declinado desse foro
especial, ou mesmo quando, sem dele ter declinado, não lhe tenha o Supremo
Tribunal Federal oferecido a opção de julgamento em foro que lhes
garanta o direito à ampla defesa e aos recursos cabíveis às instâncias
superiores.
8.
Essa nulidade pode ser arguida a qualquer tempo no curso do processo ou
mesmo após o seu encerramento. Nesse último caso, por revisão criminal.
9. Saliente-se que não
se processa nem se condena o cargo, mas seu ocupante. Nem o mandato, mas o
mandatário.
10. O direito ao juiz
natural, ao foro competente, à ampla defesa e aos recursos a ele
inerentes são do investigado, acusado ou réu. Não do cargo, nem do mandato.
11. Uma norma de competência de foro, mesmo constante da
Constituição, não prevalece nem pode prevalecer sobre quaisquer direitos
fundamentais do acusado ou réu.
12. Exige-se apenas uma interpretação conforme à Constituição
nesse embate jurídico, a sobrepor o direito material, substantivo, ao direito
adjetivo, processual, meramente procedimental.
XI. PRECEDENTES
INVÁLIDOS
Por
não ter o STF enfrentado esses fundamentos constitucionais que aqui são
suscitados, em nada são eles prejudicados pelos seguintes julgados dessa Corte:
XII. DA DOUTRINA
Vem
a favor deste arrazoado o que se passa a transcrever:
“As
garantias fundamentais aos princípios do Devido Processo Legal e do Juiz
Natural, diferentemente do que ocorria nos textos constitucionais anteriores,
foram incorporadas ao texto da Constituição brasileira de 1988. A garantia do
Devido Processo Legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no
âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no
âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o
Estado-persecutório e plenitude de defesa, visando salvaguardar a liberdade
individual e impedir o arbítrio do Estado. A imparcialidade do Judiciário e a
segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no Devido Processo Legal
e no princípio do Juiz Natural, proclamadas nos incisos LV, XXXVII e LIII do
art. 5º da Constituição Federal, suas garantias indispensáveis. Como consagrado
pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ‘O princípio da naturalidade do Juízo – que
traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente
fundado em bases democráticas – atua como fator de limitação dos poderes
persecutórios do Estado e representa importante garantia de imparcialidade dos
juízes e tribunais’ (STF – 1ª T. – HC no 69.601/SP – Rel. Min. CELSO DE MELLO,
Diário da Justiça, Seção I, 18 dez. 1992, p. 24.377). O juiz natural é
somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias
institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal, devendo a
observância desse princípio ser interpretada em sua plenitude, de forma a não
só proibir a criação de Tribunais ou juízos de exceção, como também exigir
respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que
não seja afetada a independência e a imparcialidade do órgão julgador. Nesse
mesmo sentido, decidiu o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FEDERAL ALEMÃO: ‘O mandamento
‘ninguém será privado de seu juiz natural’, bem como ocorre com a garantia da
independência dos órgãos judiciários, deve impedir intervenções de órgãos
incompetentes na administração da Justiça e protege a confiança dos postulantes
e da sociedade na imparcialidade e objetividade dos tribunais: a proibição dos
tribunais de exceção, historicamente vinculada a isso, tem a função de atuar
contra o desrespeito sutil a esse mandamento. Como esses dispositivos em sua
essência concretizam o princípio do Estado de Direito no âmbito da constituição
(organização) judiciária, elas já foram introduzidas na maioria das
Constituições estaduais alemãs do século XIX, dando-lhes, assim, a dignidade de
norma constitucional. O art. 105 da Constituição de Weimar deu prosseguimento a
esse legado. À medida que os princípios do Estado de Direito e Separação de
Poderes se foram aprimorando, também as prescrições relativas ao juiz natural
foram sendo aperfeiçoadas. A lei de organização judiciária, os códigos de
processo e os planos de distribuição das causas (definidos nas
Geschäftsordnungen – regimentos internos) dos tribunais determinavam sua
competência territorial e material, (o sistema de) a distribuição das causas,
bem como a composição dos departamentos individualizados, câmaras e senados. Se
originalmente a determinação ‘ninguém será privado de seu juiz natural’ era
dirigida sobretudo para fora, principalmente contra qualquer tipo de ‘justiça
de exceção’ (Kabinettsjustiz), hoje seu alcance de proteção estendeu-se também
à garantia de que ninguém poderá ser privado do juiz legalmente previsto para
sua causa por medidas tomadas dentro da organização judiciária’ (Decisão –
Urteil – do Primeiro Senado de 20 de março de 1956 – 1 BvR 479/55 – Cinquenta anos
de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Coletânea
Original: Jürgem Schawabe. Organização e introdução. Leonardo Martins. Konrad
Adenauer – Stiffung – Programa Estado de Derecho para Sudamérica, p. 900/901).”
Cabe
aqui invocar também o escólio de José Afonso da Silva sobre o princípio da
proteção dos direitos fundamentais:
Assim
escreve esse paladino do Direito Constitucional:
“48.
A Constituição de 1988 instituiu inúmeras garantias dos direitos fundamentais
da pessoa humana, como: a) o princípio da proteção judiciária que garante a
invocação da atividade jurisdicional no caso de lesão ou ameaça a direito (art.
5º, XXXV) e os princípios conexos do contraditório e da ampla defesa nos
processos judiciais e administrativos (art. 5º, XXXV) e do devido processo
legal (art. 5º, LIV); b) as garantias jurisdicionais penais: da inexistência de
juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII), de julgamento pelo tribunal do
júri (art. 5º, XXXVIII), do juiz competente (art. 5º, LIII e LXI); c) garantia
da presunção de inocência (art. 5º, LVIII), f) garantias penais da não
discriminação (art. 5º, XLI e XLII).
49. Expressiva é a garantia do art. 5º,
parágrafo 1º, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata, e que consagra a vinculação positiva das
autoridades públicas às normas e, no que tange ao judiciário, cumpre-lhe
aplicar diretamente as normas constitucionais em matéria de direitos
fundamentais.” (José Afonso da Silva – Teoria do Conhecimento Constitucional -
2a edição – Editora Jus Podivm – Malheiros Editores.)
XIII. CONCLUSÃO
Do
quanto exposto neste artigo, confirmado fica que o Supremo Tribunal Federal se
converte em tribunal de exceção sempre quando:
a)
dá prevalência ao direito adjetivo,
processual, em detrimento do direito fundamental ao recurso às instâncias
superiores;
b) na aplicação do
foro por desempenho de função, deixe de oferecer ao réu o direito ao foro
comum, ou, indeferindo pedido do réu, venha a decretar sua condenação.
Nessa exegese da Constituição sobressai a desnecessidade de emenda constitucional para impor a essa excelsa Corte o dever de oferecer ao réu a alternativa ao foro “privilegiado”, e a ele assegurar o direito ao foro comum. Esse direito do réu se acha aí implícito.
___________________________________________________________________________________
Plínio Gustavo Prado Garcia é advogado em São Paulo, Capital; fundador de Prado Garcia Advogados desde 1963; Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Mestre em Direito Comparado – Prática Americana pela George Washington University de Washington, D.C.; ex-professor de Direito Civil e Tributário; escreve desde 2005 no seu blog Locus Legis (locuslegis.blogspot.com.br), entre outras publicações jurídicas; parecerista.
Sustento judicialmente no Supremo Tribunal a inconstitucionalidade da condenação de manifestantes de 8 de janeiro de 2023 nas sedes dos três poderes da República.
Meus argumentos são essencialmente de Direito Constitucional, nunca antes submetidos ao crivo do STF.
Valem para os casos ali sob julgamento, como para aqueles já encerrados com a condenação dos réus,
Nestes últimos, peço não só o reconhecimento da nulidade dessas condenações, como o pagamento de indenização.
Nesses casos em andamento no STF, os advogados dos réus têm feito brilhantes defesas como criminalistas.
Essas defesas são perfeitamente válidas para qualquer outro foro judicial. Mas de pouco efeito prático em um tribunal que encerra em si mesmo, a primeira e última instância julgadora.
Assim, para esses condenados só restaria, aparentemente, o benefício da anistia.
Entendo, no entanto, que essas condenações, por serem nulas de pleno direito, não impedem os condenados de reclamar indenização. Mais do que isso. Poderão invocar para si os mesmos benefícios financeiros concedidos por lei aos anistiados do regime militar de 1964.
Aguardemos, portanto, o andar da carruagem.
Sim, o presidente Jair Messias Bolsonaro pode evitar sua condenação no Supremo Tribunal Federal!
Ainda há essa possibilidade. Basta juntar aos autos da ação penal uma petição intercorrente, com fortes fundamentos jurídicos ainda não submetidos ao crivo do Tribunal.
Movido pelo meu profundo senso de justiça e sem qualquer intuito de buscar remuneração por essa iniciativa, espero que essa minha petição possa ser juntada aos autos da ação penal.
Para que isso possa ocorrer, é preciso apenas Bolsonaro autorizar seus atuais advogados a firmarem substabelecimento à minha pessoa, com reserva, dos poderes a eles outorgados.
Para conhecimento público, reproduzo aqui a íntegra dessa petição intercorrente, como segue:
"
EXCELENTÍSSIMO
SENHOR MINISTRO RELATOR ALEXANDRE DE MORAES - PRIMEIRA TURMA DO EXCELSO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
Ação Penal 2668
Petição intermediária de arguição de nulidade
absoluta de foro
JAIR MESSIAS BOLSONARO, por seu advogado infra-assinado, nos autos desta Ação Penal 2668 em que é um dos réus, vem, por meio desta petição intermediária:
a)
juntar aos autos o substabelecimento de poderes com reserva de
direitos ao substabelecente, e
b) com base no
artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal (direito de petição), e artigo
277 do Código de Processo Civil, arguir nulidade absoluta dessa Ação Penal, ao
menos em relação à sua pessoa, pelos motivos de fato e de direito a seguir
expostos.
I – DOS FATOS
O
réu responde a essa Ação Penal nesse Excelso Supremo Tribunal como se fosse titular
do direito a foro por prerrogativa de função, a que se refere o artigo 102.1,”b”
da Constituição Federal.
Ainda
que, em tese o fosse, jamais poderia estar sendo processado diretamente perante
esta Suprema Corte. Muito menos a ser aqui julgado e condenado.
Como
se passa a demonstrar, é caso de incompetência absoluta de foro para a
instauração, processamento e julgamento desta Ação Penal contra sua pessoa.
Exatamente
por isso, esta questão em nada é prejudicada pela discussão e decisão desse
Excelso Supremo Tribunal sobre se o foro por prerrogativa de função vincula-se ao exercício
atual do cargo. Ou se subsiste mesmo após o término do mandato, mas desde que o
crime tenha sido cometido durante o exercício das funções públicas. Tema da Questão
de Ordem na Ação Penal 937.
Acrescente-se que esta arguição intercorrente de nulidade
absoluta de foro nada tem a ver, também, com a inclusão de ex-mandatários no
polo passivo dessas ações penais, como se no cumprimento do mandato ainda
estivesse.
Do dano
irreparável
Mantido esse foro por prerrogativa de função, o réu sofre dano
irreparável por privado ficar do incontestável direito ao foro comum,
à ampla defesa, ao contraditório e a recursos às instâncias superiores.
Não terá a quem recorrer.
Não há justiça em foro único, sem direito de recurso às
instâncias superiores.
Assim, descabe alegar que o réu esteja exercendo ampla defesa
e o contraditório nessa única instância judicial. Inicial e, ao mesmo tempo,
final.
A
história do foro por prerrogativa de função
Saliente-se que o foro dito privilegiado é uma inovação no
Direito Constitucional brasileiro.
Como se pode ler na página do Senado Federal, artigo assinado
por Milena Galdino:
“Ainda no período da escravidão e
apenas dois anos após a independência da coroa portuguesa, a prática de foro
especial já estava proibida: a Constituição de 1824 dizia que à exceção de
causas próprias dos juízos particulares não haveria foro privilegiado nem
comissões especiais nas causas cíveis e nos crimes (artigo 179, inciso XVII).
As constituições que vieram em
seguida mantiveram a mesma linha. A de 1891, que marcou o início da República,
teve texto semelhante ao do império: “À exceção das causas que, por sua
natureza, pertencem a juízos especiais, não haverá foro privilegiado”, instruiu
o artigo 72, § 23. A de 1934 acrescentou que, além de não haver foro
privilegiado, não haveria tribunais de exceção, mas continuou admitindo juízos
especiais em razão da natureza das causas (artigo 113 § 25).
A Constituição de 1937 nem chega a
mencionar foro especial, e a de 1946 reitera que “não haverá foro privilegiado
nem juízes e tribunais de exceção” (artigo 141, § 26). Trinta anos depois a
mesma orientação foi repetida pela Constituição militar, de 1967, em seu artigo
150, § 15.
Ao promulgar a Constituição de 1988,
a Assembléia Nacional Constituinte manteve nos direitos e garantias
fundamentais a proibição de juízo ou tribunal de exceção (artigo 5º, inciso
XXXVII), porém abriu as várias possibilidades de foro especial já mencionadas.”
(Fonte:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/10/10/ foro-especial-comecou-na-constituicao-de-1988)
Desde a Constituição do Império, de 1824, passando pela
Constituição Republicana de 1891, pela Carta Política de 1934, pela
Constituição de 1946, e no regime militar de 1964, como, na leitura do artigo
150, §15, da Constituição de 1967:
“A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos
a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção”.
Esse texto permaneceu inalterado pela Emenda Constitucional 1
de 1969.
Não consta que os constituintes de 1988, ao produzirem a
Constituição Cidadã, instituindo esse foro por prerrogativa de função, pretendessem
contrariar qualquer cláusula pétrea da própria Constituição, negando ao acusado
ou réu o direito de optar por ser processado e julgado perante o juiz
natural, com direito à ampla defesa e a recurso às instâncias superiores.
Basta constatar a inexistência na Constituição vigente de
qualquer disposição vedando ao acusado o direito de opção pelo foro
comum, natural. Se houvesse, seria contraditória e inválida.
A possível explicação do foro por prerrogativa de função
estaria em impedir que esses “privilegiados” ficassem sujeitos a ações
judiciais instauradas contra eles em quaisquer foros e instâncias deste nosso
Brasil. Ou mesmo à perseguição política.
Ademais, não se confunde a pessoa com
sua função. Esta é apenas a “conditio sine qua non” para seu titular ter o direito
ao foro “privilegiado”. Vale dizer, um direito só cabível a quem a função
exerça.
Mesmo sendo esse foro “prerrogativa” do acusado, essa
prerrogativa não tem força cogente para negar ao investigado, acusado ou réu o direito
de optar pelo foro comum.
A prerrogativa de foro especial como direito do
investigado, acusado ou réu não se convola em dever de se submeter a um
foro que seja ao mesmo tempo instância inicial e final, ou seja, instância
única. Sem direito de recurso às instâncias superiores.
II - DO
DIREITO
A vigente Constituição Federal fundamenta-se no Estado de
Direito embasado nos seus princípios e na garantia de todos contra o arbítrio.
Os direitos fundamentais que acolhe e protege são a base do
ordenamento jurídico vigente no País.
Na hierarquia das leis, é a lei fundamental, que se projeta
ao topo da sua pirâmide.
Não admite a prevalência da forma sobre a essência.
Da norma sobre o direito.
No embate entre o direito material, substantivo, e o direito
processual, adjetivo, este àquele se submete.
O artigo 5º, inciso LV, da Constituição garante que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.”
Temos aí um norteador a ser seguido não apenas pelo
intérprete, porque o óbvio está no fato de que ao julgador não será lícito nem
admissível subtrair-se de aplicar a lei e o ordenamento jurídico no exercício
do múnus decorrente do cargo judiciário que ocupe. Cargo esse que lhe impõe o dever
de julgar sem se desviar do ordenamento jurídico.
O artigo 92 da Constituição, que trata da competência dos
tribunais, evidencia o cabimento do direito de recurso às instâncias
superiores.
Sobressai daí ser esse um direito substantivo, a
prevalecer sobre o adjetivo, processual.
Esse direito de recurso é garantido também pela
Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da
Costa Rica, no seu artigo 8.2.h:
“2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se
presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o
processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias
mínimas:
(...)
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal
superior.”
A República Federativa do Brasil é uma das suas signatárias.
Essa Convenção se insere no ordenamento jurídico pátrio por
força do que dispõe o artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988.
Tem força cogente. E, por isso os direitos nela enunciados têm natureza de
norma constitucional de aplicação imediata.
Assim, o direito ao juiz natural, à ampla defesa e aos
recursos a ela inerentes, como cláusula pétrea na Constituição, desautoriza a prevalência
de foro privilegiado e de tribunais de exceção.
E, nesse particular, essa Suprema Corte seria um tribunal de
exceção em sendo instância única para julgar quaisquer acusados, diretamente.
Destaque-se, como exemplo, que a competência para julgar
crimes contra o Estado Democrático de Direito, previstos na Lei 14.197/2021, é
da Justiça Federal. Vale dizer: Não é da competência originária dessa Suprema
Corte.
Essa competência da Justiça Federal decorre do artigo 109,
inciso IV, da Constituição para crimes praticados em detrimento de bens,
serviços ou interesses da União, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar.
II.I - Da
jurisprudência superada ou inaplicável
Vejamos:
1. A
jurisprudência desse Excelso Tribunal sobre a impositividade do foro por
prerrogativa de função; do entendimento de que sua lógica seria a de garantir a
imparcialidade e independência no julgamento, considerando a relevância dos
cargos, e sobre a impossibilidade de o réu renunciar a esse foro, não prevalece
sobre os fundamentos de direito desta petição intercorrente.
2. Como
se julga a pessoa e não a função que ocupe, o foro por prerrogativa de função é
um fator meramente circunstancial. Entretanto, a toda pessoa (autoridade ou
não) é constitucionalmente assegurado o direito ao juiz natural, ao foro
competente e aos recursos às instâncias superiores. O que não lhe oferece o
foro único nesse Supremo Tribunal Federal.
3. Ademais,
deveria essa jurisprudência considerar o implícito direito de opção do réu pelo
foro comum e o direito de sempre poder arguir a incompetência
absoluta desse foro dito privilegiado, em qualquer fase da ação penal.
Inclusive por consequência de renúncia ao cargo ou por não mais exercê-lo.
4. Esta
petição intercorrente e seu pedido final não são afetados nem prejudicados pelo
decidido por essa Suprema Corte na Ação Penal 937/218, restringindo o alcance
do foro privilegiado a deputados federais e senadores, determinando que esse
foro se aplica apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas.
5. Para
os efeitos do pedido formulado ao final desta petição esse precedente é inaplicável
e ineficaz ao fixar que, após o fim da instrução processual (com a intimação
para alegações finais), a competência não é mais afetada por mudanças no cargo.
E que essa decisão não permite declínio voluntário, ou mesmo que sirva para
definir limites objetivos para a manutenção do foro.
6. Também
não prevalece sobre os fundamentos de direito e o pedido constantes desta
petição intercorrente a recente decisão de março deste ano de 2025, em que essa
Suprema Corte decidiu, por 7 votos a 4, que o foro privilegiado para deputados
e senadores pode ser mantido mesmo sido cometidos durante o exercício do cargo
e em razão dele. Essa decisão reforçaria, equivocadamente, a ideia de que o
foro seja impositivo e não possa ser simplesmente renunciado para manipular a
competência jurisdicional.
7. Pondere-se
que cargo ou função são situações ocasionais e não pessoas. Não se
processa cargo nem função exatamente por não serem pessoas. O óbvio nem sempre
é evidente para quem não queira vê-lo.
8. Acrescente-se
a isso que normas sobre foro não se sobrepõem ao direito público subjetivo
inerente à supremacia do direito material sobre normas meramente
processuais.
II.II – Da interpretação conforme e suas consequências
Como não pode haver desarmonia nem conflito entre as
disposições da vigente Constituição Federal, temos de passar a uma
interpretação que afaste aí qualquer incongruência. Ou seja, o que no jargão
jurídico se denomina “interpretação conforme e sem redução de texto”. Ou apenas
“interpretação conforme”.
Essa interpretação conforme, no presente caso, se materializa
no implícito reconhecimento do direito do investigado, acusado ou réu,
enquanto “favorecido” pelo foro por prerrogativa de função, de renunciar a esse
direito. Assim, poderá fazê-lo a qualquer tempo no curso da ação penal
nessa Excelsa Corte. Mormente diante do fato de não lhe ter sido oferecida essa
opção pelo foro comum.
Decorre disso que a todo acusado diretamente junto a essa Suprema
Corte cabe o implícito direito de declinar desse foro, optando por
outro, de instância inferior, menos gravoso.
Assim, o foro por prerrogativa de função junto a esse Excelso
Supremo Tribunal Federal deve ser reconhecido – repita-se - como um direito
do acusado. Não como uma imposição inarredável.
Esse inquérito ou ação penal seria distribuída a uma das
varas de primeira instância da Justiça Federal, que seria a do juiz natural,
ficando assegurado ao investigado, acusado ou réu a ampla defesa e os recursos
a ela inerentes. Como é de direito a todos os não “contemplados” com o foro por
prerrogativa de função.
Como isso não vem ocorrendo quanto ao foro privilegiado, têm-se
as seguintes consequências:
1.
Todo investigado, acusado ou réu diretamente
junto a essa Suprema Corte tem o implícito direito de declinar desse
“privilégio”.
2.
A Constituição não veda seu direito de
renúncia. Nem autoriza essa Corte a indeferi-lo.
3.
Também não impõe a perda do cargo ou do
mandato na renúncia ao foro “privilegiado”.
4. Cabe
a esse Excelso Tribunal, ao início do processo, oferecer ao investigado,
acusado ou réu a opção por ser julgado perante foro de instância inferior.
5. Esse direito do investigado, acusado ou réu
não precisa estar expresso na Constituição. É implícito.
6. Se já ocorrida, só será válida, aí, nessa
Suprema Corte, em benefício a qualquer deles, a decisão final que lhe tenha
sido favorável.
7. Será nula e de nenhum efeito jurídico contra qualquer
deles a decisão restritiva de direitos ou condenatória, quando tenha declinado
desse foro especial, ou mesmo quando, sem dele ter declinado, não lhe tenha
esse Excelso Tribunal oferecido a opção de julgamento em foro que lhes
garanta o direito à ampla defesa e aos recursos cabíveis.
8. Essa
nulidade pode ser arguida a qualquer tempo no curso do processo ou mesmo após o
seu encerramento. Nesse último caso, por revisão criminal.
9. Saliente-se que não
se processa nem se condena o cargo, mas seu ocupante. Nem o mandato, mas o
mandatário.
10. O direito ao juiz
natural, ao foro competente, à ampla defesa e aos recursos a ele inerentes são
do investigado, acusado ou réu. Não do cargo, nem do mandato.
11. Uma norma de competência de foro, mesmo constante da
Constituição, não prevalece nem pode prevalecer sobre quaisquer direitos
fundamentais do acusado ou réu.
12. Exige-se apenas uma interpretação conforme à Constituição
nesse embate jurídico, a sobrepor o direito material, substantivo, ao direito
adjetivo, processual, meramente procedimental.
Assim, verifica-se no presente caso
que:
1.
O réu nem mais é detentor do direito ao foro por prerrogativa de
função.
2.
Esse direito não pode ser convolado em dever de ser aí mantido
para ser processado e julgado diretamente perante essa Suprema Corte.
3.
Mesmo se continuasse sendo detentor desse direito ao foro por prerrogativa
de função ou como mandatário, teria de lhe ter sido oferecida a opção de
ser julgado perante o juiz natural no foro criminal competente em primeira
instância da Justiça Federal.
4.
O dever de esse Supremo Tribunal Federal oferecer essa opção ao investigado,
acusado ou réu não precisa estar expresso na Constituição. Está nela implícito.
5.
Não consta que essa opção tenha sido oferecida ao réu.
6.
A ausência desse oferecimento evidencia ofensa direta ao direito ao
juiz natural, à ampla defesa e aos recursos às instâncias superiores, amparados
em cláusulas pétreas da Constituição.
7.
Esse dever se impõe por força da interpretação conforme e sem
redução de texto do artigo 102, 1, “b” da Constituição Federal no confronto com
as referidas garantias de direito material.
8.
Isso decorre do fato de que nenhuma disposição constitucional
tratando de foro judicial pode se contrapor a quaisquer dos direitos que a
Carta Magna elege como fundamentais. Como cláusulas pétreas, que nem o
Congresso Nacional pode alterar ou ofender.
9.
Essa linha de argumentação faz cair por terra os precedentes dessa
Suprema Corte no sentido da impositividade desse foro e da impossibilidade de
sua renúncia pelo investigado, acusado ou réu.
J U S T I Ç A!
Brasília.
Plínio Gustavo Prado Garcia
OAB/SP 15.422