O
Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de
1932, tem sido aplicado equivocadamente até mesmo na determinação do prazo de
prescrição intercorrente no âmbito dos processos administrativos ambientais.
Como sendo prazo de cinco anos.
Esse Decreto,
ao contrário do que possa parecer, não trata propriamente de prazo
prescricional. Cuida, isto sim, de prazo decadencial para o ajuizamento de
ações objetivando a cobrança de dívidas passivas da União, dos Estados e dos
Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal,
estadual ou municipal.
Leia-se seu artigo 1º:
“Art. 1º As dívidas
passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for
a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do
qual se originarem.”
Não há possibilidade de arguição de
prescrição sem o prévio ajuizamento da cobrança do crédito em questão.
Desse modo, poderá haver prazos iguais
para ambos os institutos da decadência e da prescrição. Ou mesmo prazos
distintos.
Assim, os institutos jurídicos da
decadência e da prescrição não se confundem. Decai-se do direito de ação quando
exercido após o prazo legal pelo credor contra o devedor. Já a prescrição
atinge o objeto da ação.
Dessa maneira, ocorrida a decadência,
basta à Fazenda Pública demonstrar o decurso do prazo para o ajuizamento da
ação contra ela movida. Assim, a comprovação do decurso do prazo decadencial
extingue a ação.
Por sua vez, a prescrição poderá ser
demonstrada em qualquer processo judicial não atingido pelo prazo decadencial.
Isso porque o prazo de prescrição legalmente previsto poderá ser menor do que
aquele decadencial. E a prescrição atinge o objeto da ação. Inclusive quando
intercorrente.
Deflui da redação desse artigo 1º,
acima reproduzido, que seu prazo de cinco anos se aplica apenas nas ações
movidas contra a Fazenda Pública.
Fora do contexto desse Decreto 20.910 de 1932, deverão ser aplicadas
as normas legais específicas ou constantes de lei especiais regulatórias dos
institutos da decadência e da prescrição.
Nesse sentido, a regra do Código
Tributário Nacional (CTN), da Lei das Execuções Fiscais (LEF), do Código Civil,
da Lei Ambiental Federal, entre outras, cujos prazos decadenciais e
prescricionais divirjam do prazo quinquenal do artigo 1º do Decreto de 1932.
Ademais, não cabe a aplicação analógica
do prazo de cinco anos desse artigo 1º. quando a analogia se possa fazer com
prazo menor previsto em leis específicas, ainda que em nível federal, na
ausência de prazo decadencial ou prescricional em leis estaduais ou municipais.
Havendo conflito entre dois prazos
(decadencial ou prescricional) em que um deles esteja amparado no quinquênio do
Decreto 20.910/32, e outro,
menor, em qualquer outro dispositivo legal, deverá ser aplicado, por analogia,
o prazo menor em favor do ente de Direito Privado, contra o qual se instaure a
ação judicial de cobrança ou de execução.
A aplicação da analogia é imperativo
legal (Art. 4º, parágrafo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro).
Se se trata, por exemplo, de imposição
de multa ambiental, deverá ser investigada a legislação específica na
determinação dos prazos decadencial e prescricional aplicáveis para a sua
cobrança.
Prescrição
intercorrente
Note-se, ademais, que o Decreto 20.910 de 1932 nada dispõe sobre o
tema da prescrição intercorrente. E, exatamente por isso, não há de servir como
supedâneo para a aplicação do prazo de cinco anos para a hipótese de prescrição
intercorrente no processo administrativo ou judicial (ambiental, entre outros).
Aliás, no seu artigo 1º (como nos
demais) não se cuida da prescrição intercorrente, quer no processo judicial,
quer no administrativo que possa antecedê-lo.
Os demais artigos desse Decreto 20.910 de 1932 em nada alteram esse
nosso entendimento de que decadência e prescrição não se confundem. E que a
prescrição intercorrente deve pautar-se pelos prazos previstos nas normas
específicas ou especiais, ou por analogia com qualquer delas, quando análogas
as situações que justificam o emprego dessa garantia legal e constitucional
inerente ao princípio da razoabilidade, ao devido processo legal e ao comando
de que a execução deve ser procedida pelo modo menos oneroso ao suposto
devedor.
Esse Decreto nº 20.910/32 não serve de
supedâneo para caso algum em que, no polo passivo da ação, se encontrem pessoas
naturais ou jurídicas de Direito Privado.
Desse modo, as regras pertinentes aos
institutos da decadência e da prescrição devem ser aquelas previstas no Código
Civil e nas leis especificas ou especiais que estabeleçam seus respectivos
prazos, quando menores do que cinco anos. Mormente quanto ao tema da prescrição
intercorrente.
Do equívoco
jurisprudencial do STJ
O Decreto nº
20.910/32 nada dispôs sobre prescrição intercorrente. Quer no processo
administrativo, quer no judicial.
Norma
específica relacionada com o Direito Ambiental em nível federal, a Lei nº 9.873/99,
prevê a prescrição intercorrente, com prazo de três anos.
Todavia, em
equivocado entendimento, ainda que por jurisprudência consolidada do STJ, já na
sistemática dos recursos repetitivos (Recurso Especial nº 1.115.078/RS), essa
prescrição intercorrente se aplica somente aos processos administrativos do
Ibama e não aos dos órgãos ambientais estaduais ou municipais. Para estes,
entende ser aplicável tão somente a prescrição quinquenal, a que alude o
Decreto nº 20.910/32, que nem mesmo previu a prescrição intercorrente.
Ora, se o
próprio Decreto nº 20.910/32 cuida apenas de ações contra a Fazenda Pública,
não prevendo qualquer prazo de prescrição intercorrente em processo
administrativo contra pessoas de Direito Privado, e muito menos no processo
judicial, impõe-se concluir que não serve de paradigma e muito menos de disposição
autorizadora do emprego da analogia com norma legal ambiental especifica
constante de lei federal, como a Lei nº 9.873/99.
Situações
entre si distintas não podem ser tratadas como se iguais fossem. O prazo
decadencial ou prescricional de cinco anos previsto no Decreto de 1932
relaciona-se, especificamente com ações que tenham a Fazenda Pública no polo
passivo. Já as ações outras, em que a Fazenda Pública se ache no polo ativo, as
regras relacionadas com prazos de decadência e prescrição devem ser aquelas das
normas legais específicas.
Não por menos,
assim dispõe até mesmo o artigo 10 do Decreto nº 20.910/32:
“Art. 10. O disposto
nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das
leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.”
Matéria de fundo
constitucional
Ademais, a garantia constitucional ao tratamento isonômico se sobrepõe ao
entendimento do STJ, proferido no Recurso
Especial nº 1.115.078/RS), de que o prazo de três anos da prescrição
intercorrente da Lei 9.873/99 se aplica somente aos processos administrativos
do Ibama e não aos dos órgãos ambientais estaduais ou municipais.
Aplicação de isonomia é impositivo
constitucional. Como espécie do princípio da igualdade. Situações entre si
equivalentes devem ter o mesmo tratamento legal. E a ninguém é dado o direito
ou o poder de aplicar a lei, arguindo omissão legal. Deverá valer-se da
analogia.
Na omissão de prazo de prescrição
intercorrente em processos administrativos ambientais estaduais ou municipais,
a isonomia há de ser considerada no
contexto da lei especial (ainda que federal) e não de um Decreto governamental
que trata de ações de particulares contra a Fazenda Pública (o Decreto nº 20.910/32).
O Poder
Público não pode invocar sua omissão ao deixar de normatizar institutos de
direito como o da prescrição intercorrente em processos administrativos
instaurados contra particulares (pessoas naturais e jurídicas de Direito
Privado).
Direito público subjetivo
Na omissão
legislativa estadual ou municipal sobre prescrição intercorrente em processos
administrativos (ambientais e mesmo de outras naturezas) haverá, como há, o direito público subjetivo
de qualquer pessoa valer-se da invocação da analogia e da isonomia, com
respaldo em norma legal vigente no País, ainda que de outro nível federativo,
para, em seu benefício, assim suprir a omissão legal na lei estadual ou
municipal.
Desse modo, o
prazo de prescrição intercorrente nos processos administrativos e nas execuções
movidas pela Fazenda Pública contra pessoas naturais e jurídicas de Direito
Privado só poderá ser de cinco anos, quando assim imposto por lei específica,
prevalecendo prazo menor se assim determinado em qualquer lei (geral ou
especial).
Na ausência de
previsão de prescrição intercorrente em processos administrativos ou judiciais
estaduais e municipais, impõe-se a adoção do prazo constante de lei federal
específica por força do comando constitucional da isonomia e também da analogia
(art. 4º. Parágrafo 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro).
Em
consequência, no âmbito do Direito Ambiental, o prazo de prescrição
intercorrente no processo administrativo, de três anos, da Lei 9.873/99 tem
aplicação por isonomia e analogia, às ações ambientais movidas pelos Estados,
Municípios e Distrito Federal contra qualquer pessoa física ou jurídica de
Direito Privado.
E, na mesma linha de raciocínio, o prazo também trienal do Decreto nº 6.514/08,
federal, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas
ao meio ambiente.
Leia-se o parágrafo 2º de seu artigo 21:
“§2o Incide a prescrição no procedimento de
apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de
julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante
requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade
funcional decorrente da paralisação. (Redação
dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).”
Ora a
grande maioria dos Estados e Municípios recorre a esse Decreto para nele capitularem algumas das infrações
ambientais em autos de infração que são lavrados pelos órgãos ambientais
estaduais e municipais. O que demonstra sua aplicabilidade a esses entes
federativos, por analogia, e a exigência de tratamento isonômico em favor dos
autuados.
Ferem o
princípio constitucional da razoabilidade, valerem-se os Estados e Municípios
desse Decreto Federal no que lhes convém, deixando de aplicá-lo no que pudesse
ser favorável aos autuados em processo administrativos ambientais.
Portanto,
prevalece o prazo de três anos para a configuração da prescrição intercorrente
em todos os processos administrativos relacionados com infrações ambientais, em
quaisquer dos níveis federativos. Sem exceção.
Aplicação restrita
Já, o prazo de cinco anos do Decreto 20.910/32 tem aplicação apenas no caso de
ações movidas por particulares para a cobrança de dívidas passivas da União,
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Nada mais do que isso.