sábado, janeiro 27, 2018
Plínio Gustavo Prado Garcia
Vamos aqui analisar as situações
envolvendo relações de débitos e créditos entre um credor e um devedor. No âmbito civil e no campo tributário.
Cabe destacar, de início, que,
nesse contexto, todo crédito e todo
débito diz respeito a um direito de conteúdo econômico-financeiro. Como
tal, se enquadra entre os direitos
passíveis de cessão e transferência, a critério do titular do crédito.
Em outras palavras, o credor tem
amplo direito de cobrar seu crédito pelo valor integral, uma vez vencido e
quando sobre sua causa, seu valor e exigibilidade não haja qualquer dúvida.
Isso significará que se trata crédito líquido, certo e exigível.
Dessa maneira, esse credor se
pode dizer detentor de um direito público subjetivo de crédito contra o
devedor. E esse devedor tanto poderá ser uma pessoa física, uma pessoa jurídica
de Direito Privado ou um ente público. Diz-se direito público subjetivo por ser
um direito de todos quantos na condição de credor se encontrem. E, como tal,
por ele poderá ser exercido diretamente com o devedor, ou, indiretamente,
contra ele, chamando o devedor a juízo em ação ordinária de cobrança de crédito
ou em ação executiva também no âmbito judicial.
É de se notar que, em encontro de
contas entre credores e devedores recíprocos, seus valores se compensam quando
os respectivos créditos sejam líquidos, certos e vencidos, assim como quando
não vencidos, passem a sê-lo, porquanto se tornem exigíveis.
Portanto, a compensação é um
instituto jurídico de Direito Privado, previsto no artigo 386 do Código Civil,
que assim dispõe:
“Art. 368. Se duas
pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações
extinguem-se, até onde se compensarem.”
Esse direito
de compensação se acha garantido também no artigo 170 do Código Tributário
Nacional (CTN):
“Art. 170. A lei
pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em
cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de
créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do
sujeito passivo contra a Fazenda pública.
Por sua vez,
o artigo 110 do CTN determina que os institutos de Direito Privado (como é o
caso da compensação) devem ter sua natureza jurídica respeitada no âmbito do
Direito Tributário.
E, nesse
sentido, o artigo 156, II, do CTN prevê e determina que a compensação extingue
o crédito tributário.
É sabido e
certo que o
sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em
julgado, relativo a tributo ou contribuição administrados pela Receita Federal
do Brasil (RFB), passíveis de restituição ou de ressarcimento, poderá
utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e
contribuições administrados pelo respectivo órgão.
Débitos próprios são os débitos por obrigação própria e os decorrentes
de responsabilidade tributária apurados por todos os estabelecimentos da pessoa
jurídica. Dado que filiais não têm personalidade jurídica própria, vinculadas
que são à sua matriz, pode-se compensar um débito tributário da matriz com um
crédito tributário da filial.
Nenhum problema deverá existir para viabilizar-se a compensação de
créditos e débitos tributários, uma vez reconhecidos sua causa, sua origem, seu
valor e sua exigibilidade entre os sujeitos ativos e passivos da obrigação
tributária.
Temos, assim, o que podemos chamar de compensação sistêmica inerente aos
impostos indiretos, como o IPI e o ICMS, para o que não se exige a participação
do sujeito ativo da obrigação tributária (a Fazenda Pública). Seus cálculos são
feitos pelo próprio sujeito passivo, na sua contabilidade fiscal.
De outra parte, poderá ocorrer que os créditos a serem compensados na
relação fisco-contribuinte dependam de acertamento, que se faz no âmbito
administrativo-fiscal.
Assim, a
restituição, o ressarcimento ou a compensação de tributos federais será
requerida pelo contribuinte mediante utilização do programa Pedido de
Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP)
constante da IN RFB 1.1717/2017.
Do direito à cessão de créditos
Como acima
afirmado, o direito de crédito é um direito pessoal, de conteúdo e natureza
econômico-financeira, e, portanto, passível de ser executado por seu titular
contra seu devedor, sem depender de anuência deste.
Corolário
dessa condição de direito pessoal de natureza econômico-financeira, está o
direito de seu titular dispor desse direito como melhor lhe aprouver. Poderá
perdoar a dívida no seu todo ou em parte, como poderá decidir ceder seu direito
de crédito a terceiros.
Na relação
do particular com o Poder Público, com a Fazenda Pública, esse crédito do
particular poderá resultar de pagamento
a maior tanto quanto de pagamento indevido. Tanto no campo tributário, como
fora dele. Poderá resultar, também, de ressarcimento por desapropriações ou mesmo
de direitos indenizatórios de outras origens.
As
restituições ou indenizações podem advir de ações judiciais que resultem na
expedição de precatórios contra o devedor público.
No caso
específico de precatórios já expedidos, é admitido e admissível o direito do
credor de ceder e transferir a terceiros seus créditos, no todo ou em parte, a
critério dele, credor.
Lei alguma
pode impedir o exercício desse direito de disposição, inerente à pessoa do
credor, (enquanto titular de crédito já homologado na via judicial ou na via
administrativa) porque seu crédito é parte integrante de seu patrimônio, de sua
propriedade, e, portanto, passível de
cessão e transferência a terceiros.
Sendo assim,
como o é, não deveria haver impedimento algum para a cessão de créditos no
campo tributário, de um credor do Fisco para outra pessoa jurídica interessada
na aquisição desses créditos.
Note-se que
essa possibilidade existe nas compensações sistêmicas e não poderia ser
impedida nas compensações assistêmicas, como aquelas dependentes de utilização
do programa Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de
Compensação (PER/DECOMP), objeto da IN RFB 1.717/2017.
Ora, uma vez
feito pela autoridade fiscal o
acertamento do crédito do sujeito passivo contra a Fazenda Nacional, vale
dizer, homologado o crédito, não terá o sujeito ativo (Fazenda Nacional)
direito algum de se opor à cessão e transferência desse crédito a terceiro
interessado com o qual assim decida o titular do crédito.
Como
apontado acima, esse crédito passa a ser parte integrante do patrimônio de seu
titular e, assim, plenamente disponível por este, conforme melhor lhe aprouver.
Ademais,
homologado o crédito pela autoridade administrativa, torna-se ele imediatamente exigível. E, como tal,
imediatamente deveria ser pago pela Fazenda Pública ao seu titular, por seu
valor integral, ou pelo saldo que viesse a sobejar em consequência de
compensação tributária assistêmica.
No entanto, o artigo 75, I, da IN RFB 1.717/2017, constante da Seção III
(Da Compensação Não Declarada), dispõe ser vedada e considerada não declarada a
compensação na hipótese (entre outras) em que o crédito seja de terceiros.
Conclui-se,
assim, que, no âmbito dos tributos administrados pela RFB, a compensação de débitos
tributários próprios com créditos tributários de terceiros, e vice-versa, por
meio de cessão de crédito tributário, não pode sofrer qualquer impedimento que
desrespeite a natureza desse crédito como elemento integrante do patrimônio do
titular que opte por cedê-lo a terceiros. Quem pode o mais, pode o menos.
Portanto,
cabe ação judicial para garantir-se o direito à cessão e transferência de
créditos tributários já homologados pela RFB, a terceiras empresas, sempre que
o credor originário, e por isso mesmo, titular desses créditos não tiver como
aproveitá-los de imediato na compensação tributária. Ou não queira esperar por
longo tempo a sua restituição.
terça-feira, janeiro 23, 2018
O ICMS e os saldos credores acumulados
Direito a atualização monetária, recuperação e transferência
Plínio Gustavo Prado Garcia
Já escrevi
que todo crédito e débito na relação fisco-contribuinte tem natureza
econômico-financeira, a evidenciar a impropriedade da assertiva segundo a qual
o crédito de ICMS (ou de qualquer outro
tributo) seja meramente escritural.
Apontei que
inexiste crédito escritural, pois não é sua escrituração contábil que lhe
dá origem, mas, sim, um fato jurídico
anterior capaz de gerar uma relação de crédito e débito entre sujeito passivo e
sujeito ativo da obrigação tributária.
Na
sistemática da tributação, sempre se há de verificar a existência ou a
inexistência de créditos ou débitos, podendo em qualquer caso o credor ser o
sujeito passivo da obrigação tributária ou o sujeito ativo.
A sujeição
ativa ocorrerá sempre que a Fazenda Pública se apresente na condição de titular
do direito e do dever de reclamar, cobrar e receber o crédito tributário. O
inverso também poderá ocorrer, tanto em razão de pagamento a maior de tributo
devido, como de pagamento indevido de tributo, seja este ocasionado por erro do
sujeito passivo no seu recolhimento, seja por ter sido efetuado com base
exigência ilegal ou inconstitucional.
Questão interessante
Na sistemática
dos impostos não cumulativos, como o ICMS, surge uma questão interessante, no
que pertine ao cabimento ou não cabimento de correção monetária dos valores envolvidos
nas suas apurações.
Nesse
sentido, este articulista tem argumentado sobre a necessidade de se distinguir
entre caber ou não correção monetária a cada período de apuração, e caber ou
não caber a atualização monetária dos saldos que sobejam ao termino de cada tal
período.
Sabemos da
existência de lei desautorizando a atualização monetária dos créditos pelas
entradas e dos débitos pelas saídas tributadas, dentro de cada período de
apuração do ICMS. Entendimento esse pela ausência de
atualização monetária pacífico na jurisprudência dos tribunais.
Todavia, esse
entendimento e essa jurisprudência não podem ter aplicação quando se trata de
saldos credores, quer do Fisco, quer do sujeito passivo da obrigação
tributária.
Basta lembrar
que, sendo credor o Fisco, este tem seu crédito monetariamente atualizado até a
data em que venha a ocorrer seu pagamento, além de fazer jus ao recebimento de
juros e multas legais.
Isonomia
Tendo
natureza econômico-financeira o crédito e o débito na relação
fisco-contribuinte, é evidente que o crédito do sujeito passivo diante do Fisco
deva merecer tratamento isonômico, com pleno direito de ser monetariamente
atualizado até a data de sua restituição ou compensação tributária.
O crédito do
sujeito passivo perante o sujeito ativo da obrigação tributária é elemento de
seu ativo, como propriedade desse mesmo sujeito passivo.
Não é por
menos que sua cobrança pode até mesmo ser objeto de precatórios judiciais.
Saldos credores
Voltando ao
caso dos saldos credores de ICMS na titularidade do sujeito passivo da
obrigação tributária, esses saldos credores poderão estar representados por
créditos resultantes de entradas tributadas ainda não compensadas no período de
apuração, como poderão ser o resultado de saídas tributadas cujos valores ainda
não tenham superado os créditos do período anterior de apuração. Ou seja,
sempre que os créditos pelas entradas superem os débitos pelas saídas do
período.
Sabemos da
existência de empresas que acumulam créditos nas operações de entrada,
aguardando, por sua sazonalidade, o momento de iniciar as saídas tributadas.
Créditos ao encerramento de
atividades
Outra
possibilidade pode ocorrer quando a empresa cesse as atividades sujeitas à
incidência do ICMS, ou mesmo
venha a encerrar todas as suas atividades. Poderá aí acontecer de sobrarem a
seu favor créditos acumulados de ICMS que não mais irá nem poderá utilizar. No
entendimento fiscal, esse seu crédito simplesmente evaporaria, desapareceria,
porque seria um crédito “meramente escritural”.
Ora, como
acima assinalamos, esse crédito é crédito da pessoa jurídica como elemento do
ativo que pode e deve a ela ser restituído pela Fazenda Pública, sob pena de
efeito confiscatório e de enriquecimento sem causa dela, Fazenda Pública, em
detrimento da empresa (sujeito passivo da obrigação tributária) ou de seus
sócios ou acionistas.
Temos
argumentado que o devedor não tem nem o poder nem o direito de determinar
como o credor irá reclamar seu direito
ao recebimento do crédito, ou se dependerá ou não da decisão ou da autorização
do devedor (Fazenda Pública) na eventualidade de pretender ceder e transferir
esse crédito de origem tributária a terceiros contribuintes do mesmo tributo.
O Fisco que
não restitui ao sujeito passivo crédito deste perante a Fazenda Pública não tem
o direito de impedir esse mesmo sujeito passivo de ceder e transferir seu crédito
a terceiras empresas. Reconhecido como válido, correto e exigível esse crédito
contra a Fazenda Pública, inclusive quando por ela já homologado, tem esse
credor um direito público subjetivo ao recebimento de seu valor, monetariamente
atualizado, ou de ceder, no todo ou em parte, esse crédito a terceiros.
“Crédito extemporâneo”
Outro ponto
a considerar: Não existe “crédito extemporâneo”. O que existe é lançamento extemporâneo de crédito. Tira-se disso uma
consequência: Da data em que o crédito já
podia ter sido escriturado e a data em que isso venha a ocorrer, há um transcurso de tempo, um hiato temporal.
A passagem do tempo produz efeitos jurídicos nas relações humanas, tanto no
campo do Direito Privado, quanto do Direito Público. Isso não é diferente na
relação fisco-contribuinte.
Logo, não há
justificativa nem fundamento válidos para se impedir a atualização monetária do
valor dos créditos do sujeito passivo da obrigação tributária, lançados
extemporaneamente em seus livros fiscais. E dos créditos acumulados ao longo do
tempo. Aplica-se aí a isonomia a seu favor, para a adoção dos mesmos índices e
critérios de atualização do crédito tributário do sujeito ativo (Fazenda
Pública), não sendo cabível apenas vir este a pleitear a imposição de multa
contra a Fazenda.
Ademais, a
atualização monetária do valor dos créditos lançados extemporaneamente e dos
créditos acumulados não constitui majoração desse crédito, apenas a manutenção
de seu valor ao longo do tempo. A ausência de atualização indicará que seu
ressarcimento continuará incompleto e, a
se manter essa situação, haverá aí efeito de confisco e paralelo enriquecimento
sem causa da Fazenda Pública.
Direito a reconhecimento
Desse modo,
os saldos credores da pessoa jurídica perante a Fazenda Pública reclamam seu
reconhecimento por valores atualizáveis pelos mesmos índices por ela aplicados
quando credora do sujeito passivo da obrigação tributária.
Não se
justifica que créditos acumulados e saldos credores permaneçam nos seus valores
históricos.
Ação judicial
Diante
disso, cabe ação judicial para garantir esse direito à atualização monetária e
de homologação administrativa de seus valores objetivando a liquidez e certeza
desses créditos e até mesmo o exercício do direito de cedê-los ou transferi-los
a terceiros contribuintes, quando não seja o caso de compensação administrativa
ou de recebimento de seus valores em repetição de indébito.
Temos aí,
portanto, esses argumentos e fundamentos jurídicos a serem empregados na defesa
dos contribuintes.