terça-feira, janeiro 23, 2018

O ICMS e os saldos credores acumulados




Direito a atualização monetária, recuperação  e transferência

Plínio Gustavo Prado Garcia

Já escrevi que todo crédito e débito na relação fisco-contribuinte tem natureza econômico-financeira, a evidenciar a impropriedade da assertiva segundo a qual o crédito de ICMS  (ou de qualquer outro tributo) seja meramente escritural.
Apontei que inexiste crédito escritural, pois não é sua escrituração contábil que lhe dá  origem, mas, sim, um fato jurídico anterior capaz de gerar uma relação de crédito e débito entre sujeito passivo e sujeito ativo da obrigação tributária.
Na sistemática da tributação, sempre se há de verificar a existência ou a inexistência de créditos ou débitos, podendo em qualquer caso o credor ser o sujeito passivo da obrigação tributária ou o sujeito ativo.
A sujeição ativa ocorrerá sempre que a Fazenda Pública se apresente na condição de titular do direito e do dever de reclamar, cobrar e receber o crédito tributário. O inverso também poderá ocorrer, tanto em razão de pagamento a maior de tributo devido, como de pagamento indevido de tributo, seja este ocasionado por erro do sujeito passivo no seu recolhimento, seja por ter sido efetuado com base exigência ilegal ou inconstitucional.
Questão interessante
Na sistemática dos impostos não cumulativos, como o ICMS, surge uma questão interessante, no que pertine ao cabimento ou não cabimento de correção monetária dos valores envolvidos nas suas apurações.
Nesse sentido, este articulista tem argumentado sobre a necessidade de se distinguir entre caber ou não correção monetária a cada período de apuração, e caber ou não caber a atualização monetária dos saldos que sobejam ao termino de cada tal período.
Sabemos da existência de lei desautorizando a atualização monetária dos créditos pelas entradas e dos débitos pelas saídas tributadas, dentro de cada período de apuração  do ICMS.  Entendimento esse pela ausência de atualização monetária pacífico na jurisprudência dos tribunais.
Todavia, esse entendimento e essa jurisprudência não podem ter aplicação quando se trata de saldos credores, quer do Fisco, quer do sujeito passivo da obrigação tributária.
Basta lembrar que, sendo credor o Fisco, este tem seu crédito monetariamente atualizado até a data em que venha a ocorrer seu pagamento, além de fazer jus ao recebimento de juros e multas legais.
Isonomia
Tendo natureza econômico-financeira o crédito e o débito na relação fisco-contribuinte, é evidente que o crédito do sujeito passivo diante do Fisco deva merecer tratamento isonômico, com pleno direito de ser monetariamente atualizado até a data de sua restituição ou compensação tributária.
O crédito do sujeito passivo perante o sujeito ativo da obrigação tributária é elemento de seu ativo, como propriedade desse mesmo sujeito passivo.
Não é por menos que sua cobrança pode até mesmo ser objeto de precatórios judiciais.
Saldos credores
Voltando ao caso dos saldos credores de ICMS na titularidade do sujeito passivo da obrigação tributária, esses saldos credores poderão estar representados por créditos resultantes de entradas tributadas ainda não compensadas no período de apuração, como poderão ser o resultado de saídas tributadas cujos valores ainda não tenham superado os créditos do período anterior de apuração. Ou seja, sempre que os créditos pelas entradas superem os débitos pelas saídas do período.
Sabemos da existência de empresas que acumulam créditos nas operações de entrada, aguardando, por sua sazonalidade, o momento de iniciar as saídas tributadas.
Créditos ao encerramento de atividades
Outra possibilidade pode ocorrer quando a empresa cesse as atividades sujeitas à incidência do ICMS, ou mesmo venha a encerrar todas as suas atividades. Poderá aí acontecer de sobrarem a seu favor créditos acumulados de ICMS que não mais irá nem poderá utilizar. No entendimento fiscal, esse seu crédito simplesmente evaporaria, desapareceria, porque seria um crédito “meramente escritural”.
Ora, como acima assinalamos, esse crédito é crédito da pessoa jurídica como elemento do ativo que pode e deve a ela ser restituído pela Fazenda Pública, sob pena de efeito confiscatório e de enriquecimento sem causa dela, Fazenda Pública, em detrimento da empresa (sujeito passivo da obrigação tributária) ou de seus sócios ou acionistas.
Temos argumentado que o devedor não tem nem o poder nem o direito de determinar como  o credor irá reclamar seu direito ao recebimento do crédito, ou se dependerá ou não da decisão ou da autorização do devedor (Fazenda Pública) na eventualidade de pretender ceder e transferir esse crédito de origem tributária a terceiros contribuintes do mesmo tributo.
O Fisco que não restitui ao sujeito passivo crédito deste perante a Fazenda Pública não tem o direito de impedir esse mesmo sujeito passivo de ceder e transferir seu crédito a terceiras empresas. Reconhecido como válido, correto e exigível esse crédito contra a Fazenda Pública, inclusive quando por ela já homologado, tem esse credor um direito público subjetivo ao recebimento de seu valor, monetariamente atualizado, ou de ceder, no todo ou em parte, esse crédito a terceiros.
“Crédito extemporâneo”
Outro ponto a considerar: Não existe “crédito extemporâneo”. O que existe é lançamento  extemporâneo de crédito. Tira-se disso uma consequência: Da data em que o crédito já  podia ter sido escriturado e a data em que isso venha a ocorrer,  há um transcurso de tempo, um hiato temporal. A passagem do tempo produz efeitos jurídicos nas relações humanas, tanto no campo do Direito Privado, quanto do Direito Público. Isso não é diferente na relação fisco-contribuinte.
Logo, não há justificativa nem fundamento válidos para se impedir a atualização monetária do valor dos créditos do sujeito passivo da obrigação tributária, lançados extemporaneamente em seus livros fiscais. E dos créditos acumulados ao longo do tempo. Aplica-se aí a isonomia a seu favor, para a adoção dos mesmos índices e critérios de atualização do crédito tributário do sujeito ativo (Fazenda Pública), não sendo cabível apenas vir este a pleitear a imposição de multa contra a Fazenda.
Ademais, a atualização monetária do valor dos créditos lançados extemporaneamente e dos créditos acumulados não constitui majoração desse crédito, apenas a manutenção de seu valor ao longo do tempo. A ausência de atualização indicará que seu ressarcimento  continuará incompleto e, a se manter essa situação, haverá aí efeito de confisco e paralelo enriquecimento sem causa da Fazenda Pública.
Direito a reconhecimento
Desse modo, os saldos credores da pessoa jurídica perante a Fazenda Pública reclamam seu reconhecimento por valores atualizáveis pelos mesmos índices por ela aplicados quando credora do sujeito passivo da obrigação tributária.
Não se justifica que créditos acumulados e saldos credores permaneçam nos seus valores históricos.
Ação judicial
Diante disso, cabe ação judicial para garantir esse direito à atualização monetária e de homologação administrativa de seus valores objetivando a liquidez e certeza desses créditos e até mesmo o exercício do direito de cedê-los ou transferi-los a terceiros contribuintes, quando não seja o caso de compensação administrativa ou de recebimento de seus valores em repetição de indébito.
Temos aí, portanto, esses argumentos e fundamentos jurídicos a serem empregados na defesa dos contribuintes.