O STF e o problema fundiário na Bahia
Neste artigo comento a recente decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal julgando inconstitucional lei que fixava prazo final para que comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto (grupos tradicionais que vivem de pastoreio comunal em áreas rurais do sertão baiano) protocolassem requerimentos de regularização fundiária de seus territórios.
Conforme noticiado pelo STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5783, a Procuradoria-Geral da República (PGR) argumentava que a data limite para a protocolização do pedido de regularização fundiária (31/12/2018), prevista no parágrafo 2º do artigo 3º da Lei estadual 12.910/2013, atinge o direito à identificação e à proteção dessas comunidades tradicionais, que têm verdadeira relação de ancestralidade com os territórios por elas ocupados.
Identidade
Na avaliação da ministra Rosa Weber, relatora da ação, a norma é incompatível com a proteção territorial devida às comunidades tradicionais. A seu ver, as terras coletivas não são mero bem imóvel, mas parte da existência dessas comunidades e elemento necessário à sua reprodução física e cultural. Dessa forma, negar a garantia às terras tradicionalmente ocupadas é negar a própria identidade dessas comunidades.
Conflitos
A presidente afirmou ainda que a restrição trazida pela lei é inadequada, desnecessária e desproporcional, pois não contribui para a cessação dos conflitos fundiários e a estabilização social. Segundo informações contidas nos autos, a falta de regulamentação gera ainda mais conflitos, além de dar maior espaço à grilagem e à especulação imobiliária. Rosa acrescentou que a pretendida estabilização dos conflitos fundiários pode ser promovida por meios menos restritivos e mais eficazes.
Pergunto: Essa decisão resolve o conflito fundiário? É preciso um marco temporal para solucioná-lo? Há algum outro critério a ser aí aplicado para solucioná-lo? Qual seria?
Essas questões podem ser respondidas pela aplicação analógica do meu anterior artigo sobre o marco temporal das terras índígenas.
Respondo-as:
Essa decisão do STF não resolve esse conflito fundiário.
Não é preciso nenhum marco temporal para a demarcação dessas terras.
Sim, há outro critério a ser aí aplicado: o marco histórico dessas ocupações.
Não basta argumentar com base na tradicionalidade da ocupação das terras. Ora, a tradicionalidade da ocupação pode ser rompida por iniciativa dos próprios ocupantes, ou por fatos de terceiros, como ocorreu com a colonização do Brasil até os dias atuais.
Portanto, terras ainda não demarcadas somente poderão ser aquelas que continuem livres de sua ocupação por terceiros. Essa demarcação caberá ao ente público responsável, quer estadual, quer federal, conforme seja o caso.
Leva-se em conta aí o critério histórico das ocupações: se continuada sem interrupção, a respectiva terra se garante a esses ocupantes; se interrompida, passam aos novos ocupantes as áreas que vieram a ocupar. Uma nova tradição aí se instala.
Pensar de modo diferente, desrespeitando a história da ocupação de terras no Brasil, significa devolvê-las, todas, aos povos originários.
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