quarta-feira, setembro 06, 2023

Índios - Terras - Ocupação Tradicional - Um conceito fluido

 

A questão da ocupação humana das áreas deste nosso planeta Terra é imemorial.
Isso nos leva a analisar o alcance da expressão contida no artigo 231 da vigente Constituição Federal, ao afirmar serem reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Historicamente, antes da chegada dos conquistadores europeus ao novo continente que batizaram de América, sua população era formada apenas por distintas tribos e etnias.
Esses povos originais ocupavam tradicionalmente essas terras, mas nem sempre nos mesmos lugares, deslocando-se de um lugar para outro por vontade própria ou por fatores alheios às suas vontades.
Entre esses fatores estavam os climáticos e mesmo os produzidos por conflitos tribais.
Rompimento da tradição
Significa isso que a tradicionalidade dessa ocupação das respectivas terras podia ser rompida por vontade própria ou por fatos de terceiros.
Com a chegada dos conquistadores europeus houve forçado rompimento dessa ocupação tradicional dessas terras por seus povos originais. Não foi diferente o ocorrido nestas nossas plagas, do país hoje conhecido como Brasil.
Portanto, o rompimento da ocupação tradicional de terras por povos originais foi causada aí, por fatores e fatos externos à vontade desses povos.
Persistência
Podemos sustentar a tese de que essa possibilidade de rompimento da ocupação tradicional de terras tidas como indígenas ainda persiste. E que uma nova situação de fato consumado passa, aí, a prevalecer: a ocupação por não-indígenas e o direito de esses novos ocupantes serem mantidos na posse dessas terras.
Pensar ou querer solução diversa para garantir a índios direitos originários sobre essas terras perdidas a esses novos ocupantes seria o mesmo que pretender anular a própria conquista territorial dos novos colonizadores europeus no solo das Américas.

Exigência de prova
Logo, a expressão “terras que tradicionalmente ocupam” exige prova de que essa tradição não tenha sido interrompida a qualquer tempo. Seja por atos ou omissões dos próprios indígenas, seja por ocupação de partes dessas terras por não-índios, quer por meios pacíficos, quer com o emprego de violência.
Ora, tanto foi por meios pacíficos que a ocupação portuguesa da Terra Brasilis se deu por intermédio da catequese de índios por missionários jesuítas, como não pacíficos, com forças militares da Coroa portuguesa. 
O dever da União
Não é novidade a atribuição de competência à União Federal para a demarcação de terras indígenas.
Significa isso que todas as terras indígenas permaneceram passíveis de ocupação por não-índios, e assim ainda permanecem, enquanto não demarcadas pela União.
Se assim não for, a totalidade do território brasileiro deverá voltar à ocupação apenas por povos indígenas.
Efeitos da omissão
A omissão da União Federal no deixar de promover a demarcação das terras consideradas como tradicionalmente ocupadas por índios deve acarretar à União o dever de repará-los financeiramente ou de outro modo, com novas terras públicas, as perdas territoriais impingidas aos indígenas. 
Não se justifica que mais de quinhentos anos se passaram desde o início da “descoberta” do Brasil para ainda esse dever de demarcação não ter sido concluído pela União. 
Paz social
Como exigência de paz social, impõe-se o respeito ao direito adquirido dos não-índios a continuarem ocupando essas antigas terras indígenas, sem sujeição a qualquer ordem de reintegração delas aos povos originais. Principalmente em favor dos ocupantes de boa-fé, e até mesmo no caso de ocupações conflituosas consolidadas com o passar do tempo.
Ignorar esses fatos supervenientes é gerar terrível crise social, política e econômica no País, em consequente prejuízo à totalidade da nação brasileira.  E isso ninguém no seu pleno juízo poderá admitir.

Conclusão
Em conclusão, “terras que tradicionalmente ocupam” não são as terras que passaram à ocupação por não-índios, nem as em que a tradição foi abandonada pelos próprios índios. São apenas aquelas terras livres, que continuam ocupando segundo os seus costumes e tradições, já demarcadas ou ainda demarcáveis pela União Federal. 
Tradição também se interrompe, por fatos próprios e mesmo de terceiros. Que o diga a história de nossa existência humana.