STF e terras indígenas - Como evitar seus efeitos deletérios
O artigo 231 da vigente Constituição Federal afirma serem reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Com base nessa expressão "terras que tradicionalmente ocupam" essa questão está sendo discutida e decidida no Supremo Tribunal Federal no âmbito do chamado processo do marco temporal para sua demarcação.
Até agora, o que ali vemos é o Supremo invadindo competência legislativa do Congresso Nacional, com consequente nulidade da decisão que está sendo adotada.
Caminha essa decisão no sentido de que as terras ainda não demarcadas como tradicionalmente ocupadas por indígenas devam a eles ser preservadas, indenizando-se os não-índios por sua ocupação.
O erro aí é evidente.
Está em atribuir ao ato administrativo da demarcação efeitos jurídicos que não tem. Isso porque a demarcação, como ato administrativo que é, tem efeitos meramente declaratórios. Não tem efeitos constitutivos.
Prevalece no Direito o brocardo latino "ex facto oritur jus". Ou seja, o direito decorre do fato que o anteceda.
Disso se extraem algumas consequências: o fato histórico antecedente a cada demarcação, e como tratar juridicamente esses efeitos.
Erra o Supremo ao ignorar o fato histórico de cada terra a ser demarcada como tradicionalmente ocupada por indígenas. Parte do equivocado entendimento que toda terra antes indígena aos índios deve reverter.
Entretanto, a linha divisória entre a terra demarcável e a não demarcável depende de uma exclusiva situação de fato histórico: se foi ou passou a ser ocupada por não-índios.
Nesse caso, a ocupação tradicional foi interrompida por fatos de terceiros. A par do fato de que pode ser ou ter sido por ato dos próprios indígenas.
Como "ex facto oritur jus", devem ser mantidos em antigas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas os não-índios que passaram a ocupá-las.
E, por consequência, somente as terras livres dessa ocupação por não-índios poderão ser demarcadas como tradicionalmente ocupadas por indígenas.
Em suma, é isso que cabe ao Supremo decidir. Desalojar os não-índios de terras ainda não demarcadas pela União constitui evidente esbulho possessório. Mesmo que assegure aos não-índios direito de indenização.
Por esses motivos, incorre também em equívoco a tentativa do Congresso de aprovar projeto de lei sobre o tema, admitindo o desrespeito ao fato histórico de cada ocupação por não-índios, de antigas terras tradicionalmente ocupadas por índios. E ao atribuir ao ato administrativo da demarcação efeito constitutivo de direitos aos indígenas. Bastaria constar do projeto de lei que o marco temporal para definição de qualquer terra como indígena ou não mais indígenas seria aquele em que se iniciasse sua ocupação por não-indios. Como tem acontecido na história do Brasil desde a chegada dos colonizadores portugueses. A evidenciar que antigas terras indígenas já se acham tradicionalmente ocupadas por não-índios.
Terra não demarcada como indígena é terra livre para ocupação por não-índios. O ônus da demarcação recai sobre a União. E nisso, deve prevalecer o fato histórico: continuam demarcáveis como tradicionalmente ocupadas por indígenas as terras livres de ocupação por não-índígenas.
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