sexta-feira, setembro 22, 2023

Laudos Antropológicos e Terras Indígenas

    A antropologia é uma ciência que traz aos dias presentes a história do ser humano neste nosso planeta Terra.

    Não ressuscita o passado, por ser dele, digamos, apenas uma fotografia.

    Os laudos antropológicos vêm sendo utilizados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nos processos de demarcação de terras indígenas.

    Todavia, o critério a ser adotado para demarcação de qualquer terra (indígena ou não indígena) não pode lastrear-se em nenhum laudo antropológico. 

  A antropologia não se sobrepõe aos fatos históricos. E dos fatos históricos sobrevêm suas consequências.

    Essas consequências poderão resultar de fatos da natureza ou de fatos humanos. Entre estes últimos se apresentam os decorrentes de ocupações pacíficas de terras em qualquer país, como aquelas resultantes de conquistas bélicas.

Da imprestabilidade desses laudos antropológicos

    A ocupação territorial no Brasil (como nos demais países do continente americano) tem uma linha temporal divisória: a “descoberta” da America pelos navegadores portugueses e espanhois no século XVI.

    A partir daí, começou a colonização de suas terras por esses invasores ou “conquistadores”.

  Essas conquistas provocaram a interrupção da ocupação tradicional dessas terras por seus povos originários.

O marco temporal histórico

    Desse modo, o que define a titularidade dessas terras por seus ocupantes é o marco temporal histórico relacionado com a ocupação de cada área geográfica, individualizadamente considerada.

    Isso se explica quando se considera que essas ocupações por não índios ocorreu, desde os idos de 1500, em distintos locais e em distintos momentos ao longo da passagem do tempo. E ocorre até nos dias de hoje.

Uma nova realidade temporal ocupacional

    Essa nova realidade temporal se evidencia no surgimento de cidades e zonas rurais no extenso território brasileiro, onde, em relevante parte, habitavam seus povos originários.

    Essas históricas ocupações podem ser confirmadas inclusive por laudos antropológicos. E a esses laudos nenhum valor jurídico se pode a eles emprestar. Porque não fazem o passado renascer.

O STF e o marco temporal

    Não ignoramos o fato de que, consoante o voto do ministro Fachin, muitas tribos não têm meios de comprovar que estavam, em 1988,nas terras que pleiteiam, e das quais teriam sido expulsas posteriormente.

    Mas isso não autoriza a desconsideração do fato histórico, no sentido de que essas ocupações ocorreram em terras não antes demarcadas pela FUNAI, consoante seu dever constitucional.

    Esse fato histórico temporal é o que deve aí prevalecer. Não poderá prevalecer apenas no caso de terras indígenas demarcadas pela FUNAI. Terra não demarcada sujeita-se a ocupação por quaisquer pessoas, índios ou não índios.

    Assim, se alguma indenização deva ser paga pela União, deverá ter como indenizada a tribo afetada por omissão da FUNAI.    

    Por sua vez, deverão ser mantidos nessas terras ainda não demarcadas pela União (via FUNAI) todos os produtores rurais e proprietários que nelas se estabeleceram.

    Este autor entende que a decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal contrária à fixação da data promulgação da Constituição Federal de 1988 como “marco temporal” não afasta o direito dos não-índios de continuarem na posse de terras reclamadas por indígenas, sob o argumento destes de que se trate de terras “tradicionalmente ocupadas” por eles.

    Ora, a tradicionalidade de cada ocupação está intimamente ligada a cada caso específico. Onde a tradição foi rompida (voluntariamente ou por ocupação por terceiros), há, aí, um fato novo superveniente.

    Se esse fato novo superveniente for desconsiderado para devolver a indígenas terras que antes ocupassem tradicionalmente, teríamos, exemplificadamente, de devolver-lhes a totalidade do território brasileiro. Bastaria que a FUNAI viesse a se louvar em qualquer laudo antropológico confirmando que nela habitaram povos indígenas com sua tradicionalidade.

    Em suma, laudos antropológicos não se sobrepõem aos fatos históricos de antigas ocupações tradicionais de terras por indígenas, em que o fato novo superveniente se materializou por via de sua subsequente ocupação por não-índios.

        E esse fato novo superveniente não pode ser desconsiderado por decisão judicial alguma, ainda que seja essa – como é – a pretensão da FUNAI. Deve ser respeitado para a garantia da ordem e da paz sociais. 

    Como esse novo argumento não foi submetido ao STF, poderá ser suscitado por não-indios em defesa das terras que vieram a ocupar antes de qualquer demarcação pela FUNAI.