segunda-feira, agosto 18, 2025

Bolsonaro pode evitar condenação no STF

Sim, o presidente Jair Messias Bolsonaro pode evitar sua condenação no Supremo Tribunal Federal!

Ainda há essa possibilidade. Basta juntar aos autos da ação penal uma petição intercorrente, com fortes fundamentos jurídicos ainda não submetidos ao crivo do Tribunal.

Movido pelo meu profundo senso de justiça e sem qualquer intuito de buscar remuneração por essa iniciativa, espero que essa minha petição possa ser juntada aos autos da ação penal.

Para que isso possa ocorrer,  é preciso apenas Bolsonaro autorizar seus atuais advogados a firmarem substabelecimento à minha pessoa, com reserva, dos poderes a eles outorgados.

Para conhecimento público, reproduzo aqui a íntegra dessa petição intercorrente, como segue:

"

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR ALEXANDRE DE MORAES - PRIMEIRA TURMA DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ação Penal 2668

Petição intermediária de arguição de nulidade absoluta de foro

JAIR MESSIAS BOLSONARO, por seu advogado infra-assinado, nos autos desta Ação Penal 2668 em que é um dos réus, vem, por meio desta petição intermediária:

a)   juntar aos autos o substabelecimento de poderes com reserva de direitos ao substabelecente, e

b)  com base no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal (direito de petição), e artigo 277 do Código de Processo Civil, arguir nulidade absoluta dessa Ação Penal, ao menos em relação à sua pessoa, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

 

I – DOS FATOS

O réu responde a essa Ação Penal nesse Excelso Supremo Tribunal como se fosse titular do direito a foro por prerrogativa de função, a que se refere o artigo 102.1,”b” da Constituição Federal.

Ainda que, em tese o fosse, jamais poderia estar sendo processado diretamente perante esta Suprema Corte. Muito menos a ser aqui julgado e condenado.

Como se passa a demonstrar, é caso de incompetência absoluta de foro para a instauração, processamento e julgamento desta Ação Penal contra sua pessoa.

Exatamente por isso, esta questão em nada é prejudicada pela discussão e decisão desse Excelso Supremo Tribunal sobre se o foro por prerrogativa de função vincula-se ao exercício atual do cargo. Ou se subsiste mesmo após o término do mandato, mas desde que o crime tenha sido cometido durante o exercício das funções públicas. Tema da Questão de Ordem na Ação Penal 937.

Acrescente-se que esta arguição intercorrente de nulidade absoluta de foro nada tem a ver, também, com a inclusão de ex-mandatários no polo passivo dessas ações penais, como se no cumprimento do mandato ainda estivesse.

 

Do dano irreparável

Mantido esse foro por prerrogativa de função, o réu sofre dano irreparável por privado ficar do incontestável direito ao foro comum, à ampla defesa, ao contraditório e a recursos às instâncias superiores.

Não terá a quem recorrer.

Não há justiça em foro único, sem direito de recurso às instâncias superiores.

Assim, descabe alegar que o réu esteja exercendo ampla defesa e o contraditório nessa única instância judicial. Inicial e, ao mesmo tempo, final.

 

A história do foro por prerrogativa de função

 

Saliente-se que o foro dito privilegiado é uma inovação no Direito Constitucional brasileiro.

Como se pode ler na página do Senado Federal, artigo assinado por Milena Galdino:

“Ainda no período da escravidão e apenas dois anos após a independência da coroa portuguesa, a prática de foro especial já estava proibida: a Constituição de 1824 dizia que à exceção de causas próprias dos juízos particulares não haveria foro privilegiado nem comissões especiais nas causas cíveis e nos crimes (artigo 179, inciso XVII).

 

As constituições que vieram em seguida mantiveram a mesma linha. A de 1891, que marcou o início da República, teve texto semelhante ao do império: “À exceção das causas que, por sua natureza, pertencem a juízos especiais, não haverá foro privilegiado”, instruiu o artigo 72, § 23. A de 1934 acrescentou que, além de não haver foro privilegiado, não haveria tribunais de exceção, mas continuou admitindo juízos especiais em razão da natureza das causas (artigo 113 § 25).

 

A Constituição de 1937 nem chega a mencionar foro especial, e a de 1946 reitera que “não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção” (artigo 141, § 26). Trinta anos depois a mesma orientação foi repetida pela Constituição militar, de 1967, em seu artigo 150, § 15.

 

Ao promulgar a Constituição de 1988, a Assembléia Nacional Constituinte manteve nos direitos e garantias fundamentais a proibição de juízo ou tribunal de exceção (artigo 5º, inciso XXXVII), porém abriu as várias possibilidades de foro especial já mencionadas.” 

(Fonte:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/10/10/       foro-especial-comecou-na-constituicao-de-1988)

 

Desde a Constituição do Império, de 1824, passando pela Constituição Republicana de 1891, pela Carta Política de 1934, pela Constituição de 1946, e no regime militar de 1964, como, na leitura do artigo 150, §15, da Constituição de 1967:

 

“A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção”.

 

Esse texto permaneceu inalterado pela Emenda Constitucional 1 de 1969.

Não consta que os constituintes de 1988, ao produzirem a Constituição Cidadã, instituindo esse foro por prerrogativa de função, pretendessem contrariar qualquer cláusula pétrea da própria Constituição, negando ao acusado ou réu o direito de optar por ser processado e julgado perante o juiz natural, com direito à ampla defesa e a recurso às instâncias superiores.

Basta constatar a inexistência na Constituição vigente de qualquer disposição vedando ao acusado o direito de opção pelo foro comum, natural. Se houvesse, seria contraditória e inválida.

A possível explicação do foro por prerrogativa de função estaria em impedir que esses “privilegiados” ficassem sujeitos a ações judiciais instauradas contra eles em quaisquer foros e instâncias deste nosso Brasil. Ou mesmo à perseguição política.

        Ademais, não se confunde a pessoa com sua função. Esta é apenas a “conditio sine qua non” para seu titular ter o direito ao foro “privilegiado”. Vale dizer, um direito só cabível a quem a função exerça.

Mesmo sendo esse foro “prerrogativa” do acusado, essa prerrogativa não tem força cogente para negar ao investigado, acusado ou réu o direito de optar pelo foro comum.

A prerrogativa de foro especial como direito do investigado, acusado ou réu não se convola em dever de se submeter a um foro que seja ao mesmo tempo instância inicial e final, ou seja, instância única. Sem direito de recurso às instâncias superiores.

 

II - DO DIREITO

A vigente Constituição Federal fundamenta-se no Estado de Direito embasado nos seus princípios e na garantia de todos contra o arbítrio.

Os direitos fundamentais que acolhe e protege são a base do ordenamento jurídico vigente no País.

Na hierarquia das leis, é a lei fundamental, que se projeta ao topo da sua pirâmide.

Não admite a prevalência da forma sobre a essência.

Da norma sobre o direito.

No embate entre o direito material, substantivo, e o direito processual, adjetivo, este àquele se submete.

O artigo 5º, inciso LV, da Constituição garante que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Temos aí um norteador a ser seguido não apenas pelo intérprete, porque o óbvio está no fato de que ao julgador não será lícito nem admissível subtrair-se de aplicar a lei e o ordenamento jurídico no exercício do múnus decorrente do cargo judiciário que ocupe. Cargo esse que lhe impõe o dever de julgar sem se desviar do ordenamento jurídico.

O artigo 92 da Constituição, que trata da competência dos tribunais, evidencia o cabimento do direito de recurso às instâncias superiores.

Sobressai daí ser esse um direito substantivo, a prevalecer sobre o adjetivo, processual.

Esse direito de recurso é garantido também pela Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, no seu artigo 8.2.h:

“2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.”

 

A República Federativa do Brasil é uma das suas signatárias.

Essa Convenção se insere no ordenamento jurídico pátrio por força do que dispõe o artigo 5º, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988. Tem força cogente. E, por isso os direitos nela enunciados têm natureza de norma constitucional de aplicação imediata.

Assim, o direito ao juiz natural, à ampla defesa e aos recursos a ela inerentes, como cláusula pétrea na Constituição, desautoriza a prevalência de foro privilegiado e de tribunais de exceção.

E, nesse particular, essa Suprema Corte seria um tribunal de exceção em sendo instância única para julgar quaisquer acusados, diretamente.

Destaque-se, como exemplo, que a competência para julgar crimes contra o Estado Democrático de Direito, previstos na Lei 14.197/2021, é da Justiça Federal. Vale dizer: Não é da competência originária dessa Suprema Corte.

Essa competência da Justiça Federal decorre do artigo 109, inciso IV, da Constituição para crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar.

 

II.I - Da jurisprudência superada ou inaplicável

 

Vejamos:  

1.         A jurisprudência desse Excelso Tribunal sobre a impositividade do foro por prerrogativa de função; do entendimento de que sua lógica seria a de garantir a imparcialidade e independência no julgamento, considerando a relevância dos cargos, e sobre a impossibilidade de o réu renunciar a esse foro, não prevalece sobre os fundamentos de direito desta petição intercorrente.

2.         Como se julga a pessoa e não a função que ocupe, o foro por prerrogativa de função é um fator meramente circunstancial. Entretanto, a toda pessoa (autoridade ou não) é constitucionalmente assegurado o direito ao juiz natural, ao foro competente e aos recursos às instâncias superiores. O que não lhe oferece o foro único nesse Supremo Tribunal Federal.

3.         Ademais, deveria essa jurisprudência considerar o implícito direito de opção do réu pelo foro comum e o direito de sempre poder arguir a incompetência absoluta desse foro dito privilegiado, em qualquer fase da ação penal. Inclusive por consequência de renúncia ao cargo ou por não mais exercê-lo.

 

4.         Esta petição intercorrente e seu pedido final não são afetados nem prejudicados pelo decidido por essa Suprema Corte na Ação Penal 937/218, restringindo o alcance do foro privilegiado a deputados federais e senadores, determinando que esse foro se aplica apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

 

5.         Para os efeitos do pedido formulado ao final desta petição esse precedente é inaplicável e ineficaz ao fixar que, após o fim da instrução processual (com a intimação para alegações finais), a competência não é mais afetada por mudanças no cargo. E que essa decisão não permite declínio voluntário, ou mesmo que sirva para definir limites objetivos para a manutenção do foro.

 

6.         Também não prevalece sobre os fundamentos de direito e o pedido constantes desta petição intercorrente a recente decisão de março deste ano de 2025, em que essa Suprema Corte decidiu, por 7 votos a 4, que o foro privilegiado para deputados e senadores pode ser mantido mesmo sido cometidos durante o exercício do cargo e em razão dele. Essa decisão reforçaria, equivocadamente, a ideia de que o foro seja impositivo e não possa ser simplesmente renunciado para manipular a competência jurisdicional.

 

7.         Pondere-se que cargo ou função são situações ocasionais e não pessoas. Não se processa cargo nem função exatamente por não serem pessoas. O óbvio nem sempre é evidente para quem não queira vê-lo.

8.         Acrescente-se a isso que normas sobre foro não se sobrepõem ao direito público subjetivo inerente à supremacia do direito material sobre normas meramente processuais.

 

II.II – Da interpretação conforme e suas consequências

Como não pode haver desarmonia nem conflito entre as disposições da vigente Constituição Federal, temos de passar a uma interpretação que afaste aí qualquer incongruência. Ou seja, o que no jargão jurídico se denomina “interpretação conforme e sem redução de texto”. Ou apenas “interpretação conforme”.

Essa interpretação conforme, no presente caso, se materializa no implícito reconhecimento do direito do investigado, acusado ou réu, enquanto “favorecido” pelo foro por prerrogativa de função, de renunciar a esse direito. Assim, poderá fazê-lo a qualquer tempo no curso da ação penal nessa Excelsa Corte. Mormente diante do fato de não lhe ter sido oferecida essa opção pelo foro comum.

Decorre disso que a todo acusado diretamente junto a essa Suprema Corte cabe o implícito direito de declinar desse foro, optando por outro, de instância inferior, menos gravoso.

Assim, o foro por prerrogativa de função junto a esse Excelso Supremo Tribunal Federal deve ser reconhecido – repita-se - como um direito do acusado. Não como uma imposição inarredável.

Esse inquérito ou ação penal seria distribuída a uma das varas de primeira instância da Justiça Federal, que seria a do juiz natural, ficando assegurado ao investigado, acusado ou réu a ampla defesa e os recursos a ela inerentes. Como é de direito a todos os não “contemplados” com o foro por prerrogativa de função.

Como isso não vem ocorrendo quanto ao foro privilegiado, têm-se as seguintes consequências:

1.   Todo investigado, acusado ou réu diretamente junto a essa Suprema Corte tem o implícito direito de declinar desse “privilégio”.

2.   A Constituição não veda seu direito de renúncia. Nem autoriza essa Corte a indeferi-lo.

3.   Também não impõe a perda do cargo ou do mandato na renúncia ao foro “privilegiado”.

4.    Cabe a esse Excelso Tribunal, ao início do processo, oferecer ao investigado, acusado ou réu a opção por ser julgado perante foro de instância inferior.

5.    Esse direito do investigado, acusado ou réu não precisa estar expresso na Constituição. É implícito.

6.   Se já ocorrida, só será válida, aí, nessa Suprema Corte, em benefício a qualquer deles, a decisão final que lhe tenha sido favorável.

7.    Será nula e de nenhum efeito jurídico contra qualquer deles a decisão restritiva de direitos ou condenatória, quando tenha declinado desse foro especial, ou mesmo quando, sem dele ter declinado, não lhe tenha esse Excelso Tribunal oferecido a opção de julgamento em foro que lhes garanta o direito à ampla defesa e aos recursos cabíveis.

8.   Essa nulidade pode ser arguida a qualquer tempo no curso do processo ou mesmo após o seu encerramento. Nesse último caso, por revisão criminal.

9.   Saliente-se que não se processa nem se condena o cargo, mas seu ocupante. Nem o mandato, mas o mandatário.

10.  O direito ao juiz natural, ao foro competente, à ampla defesa e aos recursos a ele inerentes são do investigado, acusado ou réu. Não do cargo, nem do mandato.

11. Uma norma de competência de foro, mesmo constante da Constituição, não prevalece nem pode prevalecer sobre quaisquer direitos fundamentais do acusado ou réu.

12. Exige-se apenas uma interpretação conforme à Constituição nesse embate jurídico, a sobrepor o direito material, substantivo, ao direito adjetivo, processual, meramente procedimental.

Assim, verifica-se no presente caso que:

1.   O réu nem mais é detentor do direito ao foro por prerrogativa de função.

2.   Esse direito não pode ser convolado em dever de ser aí mantido para ser processado e julgado diretamente perante essa Suprema Corte.

3.   Mesmo se continuasse sendo detentor desse direito ao foro por prerrogativa de função ou como mandatário, teria de lhe ter sido oferecida a opção de ser julgado perante o juiz natural no foro criminal competente em primeira instância da Justiça Federal.

4.   O dever de esse Supremo Tribunal Federal oferecer essa opção ao investigado, acusado ou réu não precisa estar expresso na Constituição. Está nela implícito.

5.   Não consta que essa opção tenha sido oferecida ao réu.

6.   A ausência desse oferecimento evidencia ofensa direta ao direito ao juiz natural, à ampla defesa e aos recursos às instâncias superiores, amparados em cláusulas pétreas da Constituição.

7.   Esse dever se impõe por força da interpretação conforme e sem redução de texto do artigo 102, 1, “b” da Constituição Federal no confronto com as referidas garantias de direito material.

8.   Isso decorre do fato de que nenhuma disposição constitucional tratando de foro judicial pode se contrapor a quaisquer dos direitos que a Carta Magna elege como fundamentais. Como cláusulas pétreas, que nem o Congresso Nacional pode alterar ou ofender.

9.   Essa linha de argumentação faz cair por terra os precedentes dessa Suprema Corte no sentido da impositividade desse foro e da impossibilidade de sua renúncia pelo investigado, acusado ou réu.

 III – DO PEDIDO

 ISSO POSTO, pede seja reconhecida e declarada aqui essa incompetência absoluta de foro, com a consequente nulidade das medidas punitivas e restritivas de direito impostas a réu, e o consequente arquivamento dos autos ou a sua baixa para redistribuição a uma das Varas de Direto Penal de Primeira Instância da Justiça Federal de Brasília, Distrito Federal.

J U S T I Ç A!

Brasília. 

Plínio Gustavo Prado Garcia

OAB/SP 15.422