Economia fiscal nas vendas a prazo
Se a isonomia consiste em tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade, e, inversamente, os iguais, na medida de sua igualdade, o que se verifica é uma interpretação incompleta dessa garantia constitucional.
Por isso mesmo, muitos juristas e julgadores incorrem em equivocos ao darem à isonomia um alcance e uma aplicação restritivas, ao argumento de que o tratamento isonômico só se refere a pessoas. Essa interpretação permitira, por exemplo, dizer que há tratamento isonômico quando todas as pessoas sejam lançadas ao inferno e que seria anti-isonômico alguém pretender não ter esse mesmo destino.
Na realidade, a isonomia implica, também, uma aplicação por classes ou por categorias, ou, mesmo, por situações. Isso decorre do fato de que nem toda discriminação deve ser evitada, pois haverá situações nas quais igualar o que é diferente acarreta suma injustiça ou gera privilégios a alguém em detrimento de outrem.
No campo econômico-tributário, destacamos com ênfase o fato de o fisco tirar indevido proveito, em prejuízo do contribuinte, no caso das empresas que, por contingências do mercado, realizam vendas a prazo. O que faz o fisco (federal e estadual)? Tributa essas operações como se fossem operações de venda à vista. Isso significa obrigar o vendedor (denominado contribuinte de direito) a recolher os tributos incidentes sobre essas vendas antes mesmo de esse vendedor ter o direito de exigir do comprador (denominado contribuinte de fato) o valor do tributo que deverá repassar aos cofres públicos.
Sobre essa discrepância já escrevi em 1984 e, desde então, a tenho combatido na Justiça, em várias ações. Primeiramente, para afastar a incidência do ICMS e do IPI sobre os denominados acréscimos financeiros nas vendas a prazo. E, mais recentemente, para garantir aos contribuintes de direito (empresas) a possibilidade de retardarem o repasse do valor desses tributos, pois ninguém pode repassar o que ainda não tenha recebido daquele sobre quem esse tributo finalmente esteja a recair. E mais, o direito de compensar com o valor de tributos a vencer, os valores correspondentes à perda financeira sofrida por força desse recolhimento feito antes do vencimento ou recebimento das duplicatas de cada operação tributada.
Apesar de árdua essa longa batalha judicial contra o arbítrio na tributação, o fato é que os frutos já começam a ser colhidos, com várias decisões do Superior Tribunal de Justiça dando razão aos contribuintes.
De fato, situações entre si distintas não podem ser tratadas por ninguém, e muito menos pelo fisco, como se fossem situações entre si iguais. Vendas a prazo não são vendas à vista, tanto quanto um elefante não é um camelo, por mais que o intérprete assim interprete, ou que o juiz assim venha a julgar.
Logo, a isonomia se aplica também à vedação de igual tratamento jurídico, econômico ou financeiro, a situações entre si desiguais. Cada classe de situação deverá ser tratada diferentemente uma da outra.
Consequentemente, o fisco só há de ter direito ao repasse do tributo quando o valor desse tributo seja passado (pago) ao contribuinte de direito (empresa) pelo contribuinte de fato (adquirenteque deve arcar com o peso do tributo).
Como auxiliar involuntário de arrecadação tributária, que nenhuma remuneração aufere nesse mister, o contribuinte de direito não pode ter seu patrimônio afetado nessas operações relacionadas com os denominados tributos indiretos. Ele atua como mero repassador.
Assim, para evitar essas indevidas perdas e recuperar as do passado, só mesmo com o auxílio de uma ação judicial.
No Estado Democrático de Direito, não há espaço para tributação injusta.
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