Perda do direito dos índios às suas terras e o marco temporal do art. 231 da CF
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
É o que dispõe o artigo 231 da Constituição Federal.
Chama nossa atenção o trecho “terras que tradicionalmente ocupam”. E não que tradicionalmente ocuparam. Ou que venham a ocupar. Que “ocupem”.
O verbo ocupar se
apresenta ali no tempo presente. Nem ao passado, nem ao futuro. Presente,
portanto, à data da promulgação da Constituição de 1988.
Ora, esse artigo 231
estabelece um marco temporal para a sua aplicação: as terras em questão devem
ser, comprovadamente, aquelas tradicionalmente ocupadas por índios à data da
promulgação da Constituição Federal de 1988.
A expressão “ocupação
tradicional” nos conduz ao direito costumeiro, que não se confunde com o
direito posto, positivo ou positivado.
Assim, tradição
significa a continuidade dos costumes ao longo das gerações humanas.
Não se confunde com o
conceito de posse do direito civil. Mas tanto quanto se perde a posse por seu
abandono, é possível o rompimento da tradição.
A posse e a ocupação
tradicional têm, todavia, um ponto comum. A presença humana nas respectivas
áreas, nas respectivas terras.
Desse modo, como se
perde a posse civil por seu abandono, a ocupação tradicional deixa de existir
por abandono da tradição.
Cessa a tradição quando
cessam os atos e fatos costumeiros que a fundamentem.
A tradição pode ser
rompida pelos seus próprios exercentes, como em consequência de atos ou fatos
de terceiros.
Assim, a ocupação de
terras indígenas por fatos de terceiros começou a ocorrer a partir da chegada
dos navegantes portugueses à “Terra Brasilis”. Onde ocorreu, essas terras
passaram ao domínio desses invasores, em nome da Coroa Portuguesa, transformando-se no que hoje é a República
Federativa do Brasil.
Mas esse rompimento da
ocupação tradicional da terra indígena não ocorreu apenas nesses primórdios da
colonização portuguesa. Prosseguiu ao longo dos anos como provado
historicamente. Pela ocupação rural com fins agro-pecuários e para a
implantação de zonas urbanas no território brasileiro.
Isso significa que a
tradição pode ser rompida. E, no tocante às terras ditas indígenas, que sua
ocupação não seja abandonada, por quebra da tradição. A tradição consiste num
elo contínuo entre o passado e o presente.
Cuidando-se,
especificamente do significado constitucional de ocupação tradicional das
terras por indígenas, isso exige a prova de que essa continuidade não foi
interrompida. Por atos próprios ou por fatos de terceiros.
Enquanto a posse civil
possa decorrer da simples ocupação da terra abandonada ou usurpada, o
rompimento da tradição será motivo para a perda do direito consuetudinário à
terra em questão.
Vale dizer que terras
indígenas, para assim serem consideradas, exigem a comprovação da ocorrência de
atos de sua continuada ocupação ao longo do tempo.
Ou que terras antes
consideradas como terras indígenas podem perder essa qualidade pelo abandono do
exercício dos atos consuetudinários nelas próprias.
Entre os atos
consuetudinários temos os decorrentes das atividades pesqueiras, agrícolas,
extrativistas; da caça, da colheita de frutas, etc., em áreas determinadas.
A ocupação tradicional
não prescinde, assim, desses atos presenciais nas respectivas terras, indígenas
ou mesmo não indígenas. E de sua prova.
Assim, “ocupação
tradicional” exige fato presente. Nunca apenas ocupações do passado.
Tanto isso é verdade,
que nem todo o que hoje é o território brasileiro se pode dizer
“tradicionalmente ocupado” por indígenas. Áreas desse território foram originalmente
ocupadas por tribos diversas, até mesmo conflitantes.
Com a chegada a estas
terras do colonizador português e de outros estrangeiros, verificou-se a
ocupação do território nacional por esses forasteiros, que passaram a conviver
amigável ou inamistosamente com os “aborígenes”.
Consolidou-se, ao longo
dos anos, essa convivência.
Desse modo, qualquer
pretensão de tribos indígenas de ter como sua qualquer pedaço do território
nacional como “terra indígena” haverá de estar amparada na prova da
continuidade de sua “ocupação tradicional.” Na data da promulgação da Constituição.
O abandono da tradição
materializa-se na ausência de prova de “ocupação tradicional”.
A antropologia nos dá
um retrato da passagem do ser humano no planeta Terra. Busca, assim, as
relíquias que o passado nos trouxe.
Já, a tradição,
evidencia a continuidade da ação humana, com seus costumes, transmitida ao
longo do tempo, na sucessividade das gerações humanas.
Portanto, a
antropologia tem a ver com o passado, enquanto as tradições com a continuidade
dos costumes até o momento presente.
Assim, laudos
antropológicos não servem de prova de ocupação presente de terra alguma.
O artigo 231 da
Constituição Federal é um fator que delimita no tempo o direito do índio a ter
como sua apenas as terras que, na data da promulgação da Constituição,
estivessem ocupando tradicionalmente.
Assim, não se aplica a
terras que abandonaram ou às que foram ocupadas por não-índios, nem às que eles,
índios, venham, a partir daí, a ocupar.
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