quinta-feira, maio 31, 2018

A FUNAI e seu procedimento kafkaniano contra os não-índios


                                                                                                                     Plínio Gustavo Prado Garcia
Josef K., n a sua luta para descobrir por que o acusam, por quem é acusado e que lei ampara a acusação, se defronta permanentemente com a impossibilidade de escolher um caminho que lhe pareça sensato ou lógico, pois o processo de que é vítima segue leis próprias: as leis do arbítrio.

Pode-se dizer que vítimas de processos semelhantes, iniciados no âmbito da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) são aquelas pessoas que, possuidoras ou proprietárias de terras, de repente, sem ao menos haverem sido intimadas, se defrontam com um fato consumado: decisão administrativa declarando se tratar de terra indígena, que esses “ocupantes” deverão desocupar.

O Decreto governamental que estabelece o rito do procedimento objetivando a demarcação de terra indígena nem mesmo prevê a intimação dos não-índios para oferecerem o contraditório e a ampla defesa de seus direitos. 

O pior é que nem mesmo chegam a ser acusados de ocupar “terra indígena”, pois o procedimento administrativo para  o  reconhecimento como terra indígena  corre, como que, secretamente, no âmbito da FUNAI,  à revelia dos não-índios.  

Josef K,  ao menos soube que era um acusado. Já os não-índios se veem em situação ainda pior, porque, sem  terem tido a oportunidade de  participar do procedimento administrativo instaurado pela FUNAI, são notificados apenas do seu resultado, e, assim, já condenados a desocupar o que a FUNAI veio a considerar como “terra indígena”. 

Não-índio merece ao menos a mesma consideração que se dá ao indígena. Todos são (ou pelo menos deveriam ser) iguais perante a lei.

Os critérios adotados pela FUNAI para a declaração de determinadas áreas do território nacional como “terra indígena” são revestidos de nítida parcialidade, de laudos unilaterais e de excesso de discricionariedade.

O que é “terra tradicionalmente ocupada por indígenas”, ainda que assim considerada segundo os seus costumes e independentemente de sua presença física no local? Que extensão deve ter?  Que proporcionalidade deve ser considerada na relação do número de indígenas com a área que se deva considerar “terra indígena”? 

Pela Constituição de 1988, seria admissível demarcar como  “terra indígena” aquela ou aquelas áreas já consolidadas como de não-índios? Seria admissível dar elasticidade conceitual ao que se possa denominar como “terra indígena”, e, com isso, autorizar-se uma situação de insegurança jurídica em detrimento de todos aqueles que, não sendo indígenas, venham a ser expulsos de suas terras não-indígenas?  

O drama de Josef K passou a ser também o drama dos não-índios nos processos instaurados pela FUNAI. Ficam sujeitos à lei do arbítrio.