domingo, abril 01, 2018

O TST e a desconsideração da personalidade jurídica




Em recente decisão, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a inclusão do nome do sócio de uma editora de São Paulo na ação ajuizada por um ex-diretor financeiro demitido da empresa. E declarou também a responsabilidade subsidiária do sócio pelos direitos do empregado reconhecidos no processo.
Para atingir a pessoa do sócio, o Tribunal amparou-se na teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.
No caso, a ação trabalhista foi movida pelo ex-diretor contra a empresa e seu sócio, pretendendo este a reversão da justa causa e o recebimento de diversas parcelas.
Segundo seu relato, ele era o responsável por gerenciar contas pessoais do empresário e, pelo estreito vínculo entre eles, autorizava o uso de suas contas pessoais para transações financeiras, bancárias e comerciais em nome da editora e do sócio.
Na primeira e na segunda instância trabalhistas, essa inclusão não foi aceita, vindo a sê-lo apenas no acolhimento do recurso de revista do reclamante junto ao TST.
Tanto o juízo da 20ª Vara do Trabalho de São Paulo quanto o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) rejeitaram a inclusão do empresário como parte na demanda com o entendimento de que a pessoa física do sócio não se confunde com a pessoa jurídica da empresa.
Conforme o TRT, a inclusão só poderia ocorrer na fase de execução, uma vez que os sócios respondem pelos créditos dos empregados caso a empresa não disponha de bens para garantir a execução. “Ainda que existam atos que envolvam o sócio e fatos ocorridos durante e após o pacto, a relação de trabalho do demandante deu-se com a pessoa jurídica”, registra o acórdão.
No recurso de revista ao TST, o ex-diretor da editora insistiu na inclusão do sócio na fase de conhecimento por ser incontroversa a vinculação jurídica direta entre eles, “conforme se observa dos fatos relatados pela própria empresa como originadores da justa causa”. Alegou também ser incontroverso que recebia diretamente do sócio indicado, além de pagamentos, imóveis e automóveis.
O relator, ministro Walmir Oliveira da Costa, assinalou que a jurisprudência do TST é diferente da conclusão do TRT. “O tribunal superior é firme ao adotar o entendimento de que é possível a inclusão de sócio no polo passivo da reclamação trabalhista na fase de conhecimento mediante a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade”, afirmou, citando diversos julgados nesse sentido.
Na avaliação do ministro, a legitimidade da parte deve ser extraída da discussão posta em juízo. “Não pode subsistir a decisão regional que excluiu o sócio da lide quando as alegações contidas na petição inicial a ele se referem em alusão a relação de trabalho distinta e simultânea daquela existente entre o diretor financeiro e a empresa”, frisou, lembrando que essa discussão não se confunde com a certeza quanto ao direito que se pretende ver reconhecido.
PONTOS DISCUTÍVEIS NESSA DECISÃO
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para manter-se o sócio no pólo passivo da ação trabalhista é, aí, equivocada. A 1ª. Turma do TST, nesse particular, desborda dos limites traçados pelo artigo 50 do Código Civil.
Admitido que o atual Código de Processo Civil (art. 133) autoriza a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em qualquer fase do processo em que se pretenda suscitá-lo, mistér será, entretanto, concluir que esse incidente não deverá prosperar se estiverem ausentes as hipóteses de cabimento dessa desconsideração. Ou seja, abuso de personalidade jurídica, desvio de finalidade e confusão patrimonial. O que sempre dependerá de prova.
E não se vê, nesse caso, a presença desses requisitos legais.
Desse modo, e quando muito, esse sócio não poderia ser incluído no polo passivo dessa ação trabalhista com base na teoria da desconsideração da pessoa jurídica,  estando ausentes as hipóteses contempladas no artigo 50 do Código Civil.
Cabe notar que não se trata aqui de relação jurídica de consumo, motivo pelo qual regras do Código de Defesa do Consumidor não podem ser aplicadas a esse caso.
No máximo, ante a alegação do autor da ação, de que prestava também serviços ao sócio em questão, o que poderia ter feito seria ajuizar ação separada contra esse mesmo sócio para reclamar contra ele eventuais direitos decorrentes da alegada relação pessoal de trabalho.
Não se pode ver, aí, também, a aplicação do litisconsórcio passivo voluntário e muito menos do litisconsórcio passivo necessário. Ora, não haverá conexão entre as causas de pedir, dos fundamentos do pedido e dos pedidos que se apresentem contra a empresa, e aqueles voltados conta o sócio incluído no polo passivo da ação trabalhista.
Por último, este comentarista entende que a aplicação, na Justiça do Trabalho, de teorias do Direito Civil, em contrariedade ao direito posto (caso do artigo 50 do C.C.), devem ensejar ali embargos de divergência no TST e até mesmo o direito de postular sua anulação perante o Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do que ocorre com recursos para o Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional.
Decisões do Tribunal Superior do Trabalho que contrariem dispositivos da lei civil não podem prevalecer sob pena de o Tribunal atuar como legislador, o que não é autorizado sob o vigente Estado Democrático de Direito e no contexto da separação dos Poderes da República.