sábado, agosto 19, 2017
Plínio Gustavo Prado-Garcia
Introdução
Em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal
proferiu decisões ajustando seus efeitos sob o que, no direito, tem sido
denominado de “modulação”.
Essa “modulação” teria por objetivo dar interpretação
conforme a constituição a certos dispositivos normativos.
Em 1999, sobreveio a Lei 9.868, de 1999 dispondo
sobre esse tema, e outorgando poder ao
Supremo para assim fazer.
O artigo 27 da referida lei estabeleceu que:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado.
O interessante é que esse
artigo 27 também clama por interpretação conforme a Constituição, para que não
se possa tê-lo por inteiramente inconstitucional.
É certo ser direito de
todos – pessoas naturais e pessoas jurídicas – recompor seu patrimônio pelas
perdas sofridas, seja em razão de pagamento maior do que o devido ou de
pagamento indevido, devendo considerar-se indevido não só o que se pagou a
mais, involuntariamente, como o que se pagou com base em lei, em ato normativo
ou em dispositivo de lei inconstitucionais, ou mesmo com base em equivocada interpretação
de lei válida e constitucional.
É certo, também, que, em
matéria tributária e perante as fazendas públicas, a legislação estabelece um
prazo para o exercício do direito à repetição ou à compensação. E esse prazo é de
cinco anos, como assegurado pelo artigo 168 do Código Tributário Nacional.
Ademais, os direitos
individuais e coletivos constitucionalmente garantidos sempre se interpretam,
na dúvida, a favor de seus titulares. E mais ainda, quando inexistente a dúvida.
E essa dúvida inexiste no
sentido de que o prazo prescricional para a repetição ou a compensação do
indébito (aí incluídos os valores inconstitucionalmente recolhidos ao Erário) é
de cinco anos.
Se assim é, como o é, cabe
indagar se o artigo 27 acima reproduzido
pode servir de base e de fundamento para afastar a aplicabilidade do
prazo prescricional de cinco anos, nas hipóteses de declaração de
inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal.
A rigor, não há distinção
entre a decisão do Supremo, que julgue inconstitucional dispositivo de lei em
ações individuais ou coletivas, no contexto do chamado controle difuso de
constitucionalidade –beneficiando somente seus autores–, e aquelas decisões
adotadas no mesmo sentido no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade
(caso de controle concentrado de
constitucionalidade).
Ora, não pode haver
tratamento diferenciado diante de situações entre si equivalentes, pois a declaração
de inconstitucionalidade parte de uma arguição de inconstitucionalidade tanto
no controle difuso, quanto no concentrado. Em nenhum desses casos se poderá
admitir a “modulação” dos efeitos da decisão que declare a
inconstitucionalidade da norma, do dispositivo de lei ou de uma lei inteira,
para se negar a quem quer que seja o direito à repetição ou à compensação do
indébito decorrente de pagamentos indevidos, efetuados dentro do prazo
prescricional de cinco anos, contados retroativamente, da data do ajuizamento
da ação pertinente.
Nesse sentido, jamais
poderá ocorrer o que podemos qualificar de “modulatio
in pejus”, ou modulação que resulte em eliminar ou restringir direitos
individuais e coletivos em face da Fazenda Pública.
Interpretação
conforme e sem redução de texto
Dessa maneira, o artigo 27,
acima reproduzido, exige uma interpretação conforme a Constituição e sem
redução de texto. Em outras palavras, uma interpretação que, mantendo
inalterada sua redação, indique em que situações a modulação poderá ser
adotada, sem que isso implique em ofensa à Constituição.
Pressupostos
Vejamos os pressupostos do
mencionado artigo 27 da Lei 9.868, de
1999.
O primeiro deles tem a ver
com “razões de segurança jurídica”. E o segundo, com “excepcional interesse
social”.
Evidentemente, a segurança
jurídica diz com a garantia dos direitos individuais e coletivos no confronto
com o Poder Público, especialmente com as Fazendas Públicas.
Lei alguma poderá
restringir, limitar ou eliminar esse requisito de segurança jurídica sob o
Estado Democrático de Direito, base da vigente Constituição Federal de 1988.
O artigo 168 do Código
Tributário Nacional, quanto ao prazo prescricional de cinco anos para a
repetição ou pedido de compensação do indébito, é norma asseguradora de
direitos do contribuinte. Não pode ser objeto de modulação “ in pejus”.
É também de “excepcional
interesse social” que os direitos individuais e coletivos sejam respeitados em
face da lei e da Constituição. Motivo pelo qual nenhuma decisão do Supremo
Tribunal Federal pode ser modulada para restringir ou eliminar esses direitos.
Resta, portanto, que
poderá o Supremo modular os efeitos de suas declarações de
inconstitucionalidade de lei,de dispositivo de lei ou de atos normativos em
situações outras que não aquelas envolvendo o direito dos contribuintes à
repetição/compensação de indébitos. Mesmo porque nem se poderia admitir a
desconsideração da garantia do prazo de cinco anos do artigo 168 do Código
Tributário Nacional para a parte lesada vir a reclamar a repetição ou a compensação
do indébito tributário.
Quebra
de isonomia
Além disso, haveria quebra
do princípio constitucional da isonomia tributária, pois igualaria as distintas
situações em que se encontrariam quem houvesse, de longa data, ingressado em juízo
contra lei ou norma arguida de inconstitucional e quem o fizesse apenas após a
declaração de inconstitucionalidade exarada posteriormente pelo Supremo no caso
concreto. Ora, como negar a qualquer deles o direito garantido pelo artigo 168
do Código Tributário Nacional, determinando que ficarão privados do
ressarcimento referente aos indevidos pagamentos do período não prescrito?
Pondere-se que o referido
artigo 27 nenhuma referência faz a que se deva privilegiar a arrecadação
tributária, mediante a não devolução do indébito, por meio de modulação das
decisões do Supremo.
Ademais, o prazo de
prescrição do direito à repetição de indébito combina com as garantias de
direitos individuais e coletivos, sob pena de assegurar-se por vias
inconstitucionais, o enriquecimento sem causa do Erário (vedado pelo
artigo 884 do Código Civil) e a própria
desconsideração da vedação constitucional à exigência de tributo com efeito de
confisco. Sem falar que os Poderes Públicos (como as Fazenda Públicas) sempre
ficariam tentados a promover e editar leis tributárias inconstitucionais para
impulsionar inconstitucionalmente sua arrecadação de impostos taxas e contribuições
sociais.
Arguição
de inconstitucionalidade
Dessa maneira, fica aqui arguida
a inconstitucionalidade sem redução de texto desse artigo 27, cuja interpretação
conforme a Constituição não deve ser outra senão de que esse artigo não tem
aplicação para afastar o direito do sujeito passivo da obrigação tributária ao
ressarcimento de valores recolhidos ao Erário no período não prescrito do
artigo 168 do Código Tributário Nacional.
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