Plínio Gustavo Prado Garcia – OAB/SP
15.422
Já escrevi que empresas sujeitas à
tributação pelo lucro real serão sempre credoras da Fazenda Nacional quando
apurem prejuízos fiscais em seu balanço anual.
A ocorrência de prejuízo fiscal em um
dado exercício anual significa ausência de base para a exigência de IRPJ e de
pagamento de CSLL. Significa que a empresa teve de absorver parte de seu
patrimônio, de seu capital social para manter sua atividade. E esse prejuízo
deve ser recomposto na primeira oportunidade, tão logo sobrevenham lucros líquidos
no âmbito do IRPJ e da base de cálculo da CSLL, com cujos valores se fará a compensação tributária.
Inexiste distinção quanto à natureza
dos créditos na relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte. São créditos
essencialmente financeiros, como decorre, aliás, do estabelecido no próprio Código
Tributário Nacional, ao conceituar a figura do imposto como prestação pecuniária,
isto é, a ser paga em dinheiro.
Assim, tanto será credor o Fisco por
valor financeiro diante do contribuinte, como o será este em relação àquele,
por tributos e contribuições que este àquele tenha pagado, acima dos limites
legais ou por exigência baseada em ato normativo, norma, dispositivo de lei ou
em lei julgados inconstitucionais. E também no caso de pagamento a maior por
erro de cálculo de tributo devido.
O crédito do contribuinte contra o
Fisco não se evapora, não some, não desaparece. No máximo, poderá incidir em
prescrição temporal, quando não exigido no prazo legal.
Direito
creditório
Esse crédito evidencia um direito
creditório. Como direito de crédito, é ele um componente do ativo da pessoa física
tanto quanto da pessoa jurídica. É componente do patrimônio, da propriedade de
seu titular. E, assim, tem amparo em garantia constitucional (art. 170, II), para não
ser tributado, eis que não se trata de acréscimo patrimonial.
Como direito creditório do particular,
os créditos financeiros representados pelo valor dos prejuízos fiscais da
empresa na apuração de seu lucro real são em tudo equiparáveis aos créditos
decorrentes de precatórios judiciais, na sua natureza, ainda que oriundos de causas distintas.
A partir do advento da Emenda
Constitucional nº 30/2000, a própria Constituição Federal autoriza ao titular o
exercício desse direito de assim dispor de seu crédito, ao determinar que as
prestações anuais decorrentes dos precatórios sujeitos a parcelamento (art. 78
do ADCT), e que não forem liquidadas até o final do exercício a que se referem,
têm, a critério do credor
ou de seu cessionário,
poder liberatório dos tributos da entidade devedora.
Se a própria Constituição Federal assim
admite, como não poderia deixar de admitir, o direito do credor de um precatório ceder e transferir a terceiros, no
todo ou em parte o valor de seu crédito, não poderá lei alguma impedir o exercício
desse direito a qualquer pessoa jurídica perante o Erário.
Quem pode o mais, pode o menos. Ceder
no todo ou apenas em parte um direito creditório é decisão que se insere apenas
no âmbito do direito do credor em face do devedor.
O adquirente desses créditos passará a
ter, perante o devedor, os mesmos direitos
atribuídos ao seu antecessor, no contexto do contrato de cessão e transferência
de créditos. E o devedor, o dever de respeitar os efeitos jurídicos dessa decisão
contratual.
Assim, se encerrada a pessoa jurídica
titular de direitos creditórios decorrentes da apuração de prejuízos fiscais de
IRPJ e da base negativa da CSLL, estas distintas situações se apresentarão:
a).
Esses créditos serão integralmente
compensados com tributos e contribuições sociais porventura devidos ao
encerramento da pessoa jurídica.
2 b)
Se sobejarem créditos da pessoa jurídica em
encerramento de atividades, com sua extinção, esses créditos continuarão a
representar direito creditório da pessoa jurídica, exigível da Fazenda
Nacional, tal como os créditos objeto de precatórios judiciais, em benefício de
seus antigos sócios ou acionistas, como restituição de capital.
c c) Sendo direito creditório, seu titular poderá,
a seu critério, cedê-los e transferi-los a qualquer outra pessoa jurídica, cabendo
à Receita Federal apenas apurar a origem, os valores, a liquidez e a certeza
desses mesmos créditos, no procedimento homologatório da compensação tributária
a ser instaurada por declaração de compensação apresentada pelo cessionário, na
via administrativa fiscal.
Vedação
inconstitucional
É manifestamente inconstitucional impedir-se
o exercício do direito de cessão e transferência de direitos creditórios.
Assim, o direito creditório oriundo da
apuração de prejuízos fiscais da pessoa jurídica tributada com base no lucro
real terá o destino que lhe seja conferido por seu titular. Nunca pelo que
pretenda o Fisco devedor ou mesmo a lei. Esta,
a lei, deverá, isto sim, garantir o exercício desse direito e, no máximo,
estabelecer como se deverá proceder para que esses créditos sejam aproveitados
por seu titular original ou pela pessoa jurídica que se apresente como
sucessora desse titular.
A partir do advento da Emenda
Constitucional nº 30/2000, a própria Constituição Federal autoriza ao titular o
exercício desse direito de assim dispor de seu crédito, ao determinar que as
prestações anuais decorrentes dos precatórios sujeitos a parcelamento (art. 78
do ADCT), e que não forem liquidadas até o final do exercício a que se referem,
têm, a critério do credor ou
de seu cessionário, poder liberatório dos tributos da entidade devedora.
Da
inconstitucionalidade do art. 33 do Decreto-Lei de nº 2.341/87
Exatamente por esses motivos de fato e
de direito, sobressai a inconstitucionalidade do artigo 33 do Decreto-Lei de nº
2.341, de 1987:
“Art. 33.
A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá
compensar prejuízos fiscais da sucedida.”
Não se pode aceitar o argumento de que esse artigo tenha
por propósito instituir uma norma antielisiva, a impedir planejamento
tributário.
Sendo o prejuízo fiscal valor financeiro de um débito da
Fazenda Nacional diante de seu credor – um direito creditório – a cessão e
transferência desse crédito na incorporação de sua titular pela incorporadora,
sua sucessora, se equipara à cessão e transferência de direito creditório do
titular de um precatório a quem se apresente como sucessor do credor original.
Em ambos os casos, se está diante de um crédito de valor
financeiro oponível à Fazenda Nacional.
Norma antielisiva
não pode impedir o exercício de um direito constitucionalmente amparado.
Como na incorporação, a incorporadora sucede a
incorporada em todos os seus direitos e obrigações, a teor do disposto no
artigo 227 da Lei 6.404./76 (Lei das
Sociedades Anônimas, aplicável a outras formas societárias, nesse e noutros
particulares), e a prevalecer a vedação desse artigo 33 do DL 2.341, chega-se, lógica e forçosamente,
à conclusão de que a Fazenda Nacional deverá pagar à incorporadora o valor do
direito creditório que, pela incorporação, se transfere da incorporada à
incorporadora, sob pena de efeito confiscatório, vedado pela Constituição
Federal.
Repetindo: esse direito de crédito, esse direito creditório
não se evapora nem desaparece pelo passe
de mágica de uma norma dita antielisiva.
Sobressai,portanto, a manifesta inconstitucionalidade
dessa vedação legal ao aproveitamento de prejuízos fiscais de incorporadas para
abater IRPJ e CSLL que tenha a incorporadora a pagar à Fazenda Nacional.
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