domingo, junho 30, 2019

Aproveitamento de créditos contra a Fazenda Nacional na extinção da empresa




Plínio Gustavo Prado Garcia – OAB/SP 15.422

A Constituição Federal não admite a tributação de prejuízos, apenas a dos lucros, por estes representarem acréscimo patrimonial.

Na tributação pelo lucro presumido, aplica-se o regime financeiro de caixa, de modo que não se haverá de recolher IRPJ nem CSLL na ausência de receita a cada período de apuração.

Já, no caso das pessoas jurídicas submetidas à tributação pelo lucro real, poderá haver a ocorrência de prejuízos do exercício, na ausência do lucro tributável no âmbito do IRPJ e da CSLL.

Já argumentei que o prejuízo fiscal da empresa constitui um crédito financeiro dela contra o Erário Federal.

Significa que a empresa teve de absorver parte de seu patrimônio, de seu capital social para manter sua atividade. E esse resultado negativo precisa ser sanado.

Que fazer com o crédito decorrente de prejuízos? Vejamos as hipóteses:

     Numa primeira hipótese, esse crédito deverá ser aproveitado em compensação tributária no primeiro exercício fiscal em que suas contas fechem com resultado positivo.
      Numa segunda, poderá ter ocorrido a extinção da empresa.

Casos de extinção da pessoa jurídica: três hipóteses:
1a)  Sociedade ou empresa constituída com prazo certo de duração.
2a) Extinção por deliberação dos sócios ou acionistas
3a) Extinção por decretação de falência.

Em quaisquer dessas hipóteses de extinção da pessoa jurídica tributada pelo lucro real  haverá crédito financeiro a ser exigido da Fazenda Nacional que decorram da apuração de prejuízos fiscais do exercício de encerramento ou de exercícios anteriores acumulados até o fim de seu encerramento.

Isso se explica porque os  prejuízos fiscais, representando crédito financeiro da empresa diante da Fazenda Nacional não evaporam, não desaparecem. Tem natureza financeira e devem ser ressarcidos ao seu credor ou a quem dele seja sucessor.

Quem pode reclamar os créditos

Na extinção da pessoa jurídica pelo advento do termo previsto em seus atos constitutivos, habilitado para exigir da Fazenda Nacional o ressarcimento pelo valor dos prejuízos fiscais que não puderam ser objeto de compensação haverá de ser aquela pessoa que, no documento societário, seja responsável pela guarda dos livros e registros fiscais, com poder, portanto, de representar os interesses de todos os ex-sócios ou ex-acionistas nessa reivindicação patrimonial.

O mesmo se pode afirmar no caso de extinção da pessoa jurídica por deliberação de seus sócios ou acionistas, nos casos de duração dela por prazo indeterminado. Quem tem poder para constituir pessoa jurídica o tem também para deliberar sobre sua extinção. Tal como na hipótese anterior, legitimado para representar os direitos e interesses da pessoa jurídica extinta por deliberação de seus sócios ou acionistas será aquela pessoa designada no ato de extinção.

Elementos do Ativo

Dado que prejuízos fiscais no contexto das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real são créditos financeiros dela perante a Fazenda Nacional, decorre disso que esses créditos devem ser considerados elemento do ativo dessa pessoa jurídica, inclusive na hipótese de decretação de sua falência. Caberá, aí, ao síndico da falida buscar junto à Fazenda Nacional o recebimento desse crédito financeiro em favor da massa falida.

Cerceamentos inconstitucionais.

São inconstitucionais todos os atos legais e administrativos que busquem limitar ou impossibilitar o aproveitamento dos valores resultantes de prejuízos fiscais no âmbito das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

O crédito financeiro decorrente  da apuração desses prejuízos não é favor legal algum. É consequência apenas da sistemática de apuração anual dos resultados do exercício. Havendo lucro do exercício, é ele tributado pelo IRPJ e pela CSLL. Inocorrendo esse lucro, o prejuízo do exercício é carreado para os exercícios subsequentes como crédito financeiro a reduzir o imposto a pagar, tão logo o resultado do exercício se apresente positivamente.

Do direito de dispor do crédito derivado de prejuízos fiscais - Direito Creditório

Como o valor dos prejuízos fiscais no âmbito das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real tem natureza financeira, insere-se seu valor no campo dos direitos creditórios. Um direito de crédito da pessoa jurídica ou de seus sucessores perante e contra a Fazenda Nacional.

Note-se que, como direito de crédito, é exclusivamente de seu titular o destino a ser dado a esse crédito. Pode, assim, dele abrir mão; aproveitá-lo ele próprio em compensação tributária ou mesmo cedê-lo e transferi-lo a terceiros, cabendo à Fazenda Nacional (Receita Federal) apenas a certificação da procedência desses créditos, quanto à sua liquidez, exatidão, certeza e exigibilidade..

Pondere-se que o direito creditório decorrente de um precatório judicial é passível de cessão e transferência a terceiros  por exclusiva concordância entre esse titular e esse terceiro, vedado ao devedor impor restrições ou limitação a esse direito.

A partir do advento da Emenda Constitucional nº 30/2000, a própria Constituição Federal autoriza ao titular o exercício desse direito de assim dispor de seu crédito, ao determinar que as prestações anuais decorrentes dos precatórios sujeitos a parcelamento (art. 78 do ADCT), e que não forem liquidadas até o final do exercício a que se referem, têm, a critério do credor ou de seu cessionário, poder liberatório dos tributos da entidade devedora.

Da inconstitucionalidade do art. 33 do Decreto-Lei de nº  2.341/87  

Exatamente por esses motivos de fato e de direito, sobressai a inconstitucionalidade do artigo 33 do Decreto-Lei de nº 2.341, de 1987: 

Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.”

O argumento de que esse artigo tem por propósito instituir uma norma antielisiva, a impedir planejamento tributário não convence. E não convence também porque fazer planejamento para evitar a ocorrência de fatos geradores da incidência de tributos e contribuições sociais é direito de todos. Ninguém pode ser obrigado a praticar atos que ocasionem essas incidências. Muito menos seguir a trilha fiscal que mais venha a onerá-lo.

Do exercício do direito

Ademais, quem tem direitos, os exerce. Não precisa pedir autorização ao devedor.   Assim, faz perante a Receita Federal do Brasil a declaração de compensação, cabendo a esta homologá-la na inexistência de motivos para seu indeferimento.

Cabe até mesmo argumentar pela inconstitucionalidade de todas as normas antielisivas por ofensa ao legítimo direito de todos na busca de meios jurídicos que melhor protejam seu patrimônio contra a sanha arrecadatória.

Do planejamento tributário

Faz parte do universo jurídico empresarial a busca da menor carga tributária possível sobre os seus negócios. E, nisso, não há nada de inconstitucional, ilegal ou imoral. Assim o “tax avoidance” (elisão fiscal) não se confunde com o “tax evasion” (sonegação fiscal).  O lucro é o objetivo de todo empreendimento econômico e resultado também de adequado planejamento tributário.

É ato de gestão do sócio ou administrador das pessoas jurídicas de direito privado e de suas diretorias decidir por meios legais ou não vedados em lei, que conduzam à redução da carga tributária sobre seus negócios e empresas. Não cabe aí a ingerência da Administração Tributária.

Assim, o planejamento tributário se insere no âmbito dos direitos individuais inerentes à livre iniciativa e à defesa do patrimônio individual e empresarial. Nada mais, nada menos.