quarta-feira, dezembro 07, 2016
Pessoas físicas e jurídicas costumam enfrentar
dificuldades para se defenderem em execuções fiscais, por falta de nomeação de
bens à penhora, após sua citação judicial.
Enquanto não ocorra a penhora de bens suficientes
para garantir o suposto crédito exigido na execução fiscal, o executado se vê
sob a inusitada situação de esperar por vários anos eventual prescrição
intercorrente e final arquivamento dos autos do processo.
O simples fato de pender contra o executado a
execução judicial de qualquer Certidão da Dívida Ativa (CDA) - ainda mais agora
que passou a ser praxe o protesto cartorário dessas mesmas certidões - abala seu
crédito na praça, colocando-o, por assim dizer, numa situação de limbo existencial.
Cabe notar que, na execução judicial comum, a
apresentação de embargos sem prévia penhora é admitida pelo artigo 914 do
Código de Processo Civil de 2015, como já o era sob o artigo 735 do CPC de 1973.
Desse modo, a legislação processual civil está em
perfeita consonância com a garantia constitucional insculpida no art. 5º,
inciso XXXV da vigente Constituição Federal de 1988. Trata-se, aí, do direito a
todos garantido de acesso à justiça.
No entanto, sob o argumento de que a Lei de Execuções
Fiscais (Lei nº 6.830/80) é lei
especial, a qual – diga-se – em regra prevalece sobre a lei geral, o parágrafo
primeiro do seu artigo 16 exige a formalização de penhora como condição para o
executado vir a oferecer seus embargos à execução.
Cabe ai e então indagar o que justificaria essa
disparidade de tratamento do suposto devedor, conforme seja o credor um credor
privado ou a Fazenda Pública. Será que, sob o ponto de vista constitucional,
essa disparidade de tratamento legal pode prevalecer?
No entender deste articulista, a resposta há de
ser pela negativa.
Há, no Direito, uma expressão latina que fala em
“jus postulandi”, ou seja, o direito de postular em juízo, de buscar seus
direitos junto ao Poder Judiciário e, também, de ali se defender quando esteja
no pólo passivo de qualquer ação.
O direito de ingressar em juízo é, pois, uma cláusula pétrea sob a vigente
Constituição Federal. A ninguém pode ser negado. O exercício do “jus
postulandi” pressupõe que as portas do Poder Judiciário estejam abertas a todos
quantos necessitem de buscar a solução de divergências por essa via judicial,
ou a se defenderem nas ações contra eles ou elas já instauradas ou que
instauradas venham a ser.
Note-se que ninguém poderá valer-se da garantia
constitucional à ampla defesa e ao contraditório se encontrar fechadas as
portas de acesso ao Poder Judiciário. Há uma condição precedente para que esse
direito seja exercido. E essa condição precedente se encontra, exatamente, no
direito de todos e de cada um (direito público subjetivo) de acesso ao Poder
Judiciário independentemente de oferecimento de bens à penhora.
Logo, é de manifesta inconstitucionalidade a exigência
contida no parágrafo primeiro do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais ao
submeter o direito de acesso ao suposto devedor ao prévio oferecimento de bens à
penhora, impedindo-o, sem isso, de defender-se na execução fiscal contra ele
promovida. Sendo esse parágrafo primeiro dispositivo de lei anterior à atual Constituição Federal, e com ela conflitante, não foi ele recepcionado pela nova ordem constitucional.
Ora, esse direito de defesa não pode ser obstado.
Tanto assim que o executado se pode defender por meio de simples petição, nos
próprios autos da execução fiscal, quando essa defesa envolva apenas matéria de
direito relacionada com questão de ordem pública, como as arguições de decadência
ou de prescrição do crédito fiscal, sem necessidade de ingressar na discussão e
no exame de matéria probatória. Defesa essa que se faz por meio da denominada
exceção de pré-executividade. Se assim é, diferente não pode ser quando essa
defesa, por envolver matérias não abrangidas no âmbito de uma exceção de pré-executividade,
depender do oferecimento de embargos à execução, por meio de autos dela
apartados.
Destaque-se que o ajuizamento dos embargos à
execução sem prévia penhora de bens do executado não impede o exequente de
buscar a penhora de bens dele, suficientes para quitar o suposto crédito fiscal.
Se assim é no âmbito do Código de Processo Civil, nada impede que o seja, também,
no âmbito da execução calcada em Certidões de Dívida Ativa.
Ademais, a CDA é um título extrajudicial de crédito fiscal dotado de presunção meramente relativa de liquidez e certeza. Daí porque pode ser enfrentada pelo executado para dela se defender.
O consagrado direito de acesso à Justiça é,
portanto, decorrente de cláusula pétrea, que não pode ser submisso ao mero
interesse arrecadatório do Erário. Por isso mesmo, a inconstitucionalidade do parágrafo
primeiro do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais. Não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Nenhuma lei, por melhor que seja a intenção do
legislador ou do erário, se sobreporá aos princípios, às cláusulas e às
garantias expressas e implícitas da Constituição Federal.
Logo, temos aí uma linha de argumentação de fundo
meramente constitucional que, em última instância competirá apenas ao Supremo
Tribunal Federal dirimir. O que não impede a imediata defesa de executados em
quaisquer execuções fiscais de dívida ativa.
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