sexta-feira, novembro 04, 2016
Como já foi
noticiado em dezembro de 2013, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
decisão unânime no Recurso Especial 1.126.515, de que foi relator o ministro
Herman Benjamin, admitiu o protesto de Certidão da Dívida Ativa (CDA), título
executivo extrajudicial da Fazenda Pública utilizado para o ajuizamento de
execução fiscal.
Inobstante tenha a
Lei 9.492/97 ampliado as espécies de documentos de dívida que poderiam ser
levadas a protesto, somente com a edição da Lei 12.767/12 o protesto de CDA em
cartórios passou a ser admitido.
Assim, por essa Lei
12.767/12, passaram a constar expressamente entre os títulos sujeitos a
protesto as Certidões de Dívida Ativa da União, dos estados, do Distrito
Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
Vejamos os
argumentos do ministro Herman, com os meus comentários neste artigo.
Segundo o
ministro, a permissão de protesto da CDA está de acordo com os objetivos do “II
Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e
efetivo”, publicado em 2009.
Não aceito essa
argumentação, pois um “sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo” há de
ser aquele que favoreça a cada um de nós e não, necessariamente, a
administração fiscal.
É certo que
interessa ao fisco que tributos efetivamente devidos e não pagos venham a ser
recebidos o quanto antes pelo erário.
Mas isso não pode
ser feito por meio de expedientes desnecessários à obtenção desses resultados. O
protesto de CDA não é garantia de que o título protestado será pago pelo
suposto devedor. Mas poderá, em muito, atrapalhar sua vida e seus negócios, em
detrimento do próprio e do titular da CDA.
Afirmou o
ministro, também, que o Conselho Nacional de Justiça houvera considerado legais atos normativos das
corregedorias dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de Goiás que
permitiram a inclusão da CDA entre os títulos passíveis de protesto.
Entretanto, o
julgamento de legalidade ou de ilegalidade desses atos normativos pelo CNJ não
se aplica a hipóteses relacionadas com legalidade ou constitucionalidade de
meios de cobrança de tributos.
Não negamos o
entendimento do ministro Herman Benjamin de que, na disciplina jurídica em
vigor, o protesto possua dupla natureza:
além de tradicional meio de prova da inadimplência do devedor, constitui
relevante instrumento de cobrança extrajudicial.
Todavia, a CDA já
é, em si mesma, um título executivo extrajudicial cuja execução se faz no
âmbito da relação jurídica entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da
obrigação tributária, em que as partes em conflito se encontram em patamares
distintos. A CDA se verifica no contexto do poder do Estado em confronto com o
contribuinte. Diferentemente do que ocorre no caso dos demais títulos
executivos extrajudiciais entre particulares.
Ainda segundo o
ministro, a Lei 6.830/80 apenas regulamenta a atividade judicial de recuperação
dos créditos públicos, e não veda a adoção de mecanismos extrajudiciais para
essa finalidade.
Na verdade, o
Código Tributário Nacional, recepcionado como Lei Complementar à Constituição
Federal, dispensa o protesto da CDA pelo simples fato de que sua existência já
viabiliza a execução judicial direta em face do suposto devedor.
O ministro
esclareceu que a CDA não pode ser comparada à constituição do crédito
tributário, pois não surge por ação unilateral da administração. Segundo ele, a
inscrição em dívida ativa, que justifica a emissão da CDA, pressupõe a
participação do devedor, seja por meio de impugnação e recurso administrativo
contra o lançamento de ofício, seja pela entrega de documento de confissão de
dívida.
Discordo dessa
linha de argumentação, pois nem mesmo a participação do suposto devedor por
meio de impugnação e de recurso contra o lançamento de ofício na via
administrativa será motivo para prevalecer uma CDA, a qual não se reveste de
presunção absoluta de validade e exigibilidade. Basta lembrar que uma execução
judicial de título já prescrito não poderia nem mesmo ser instaurada. Quanto
mais ser esse título levado a protesto.
Ademais, o envio
de uma CDA a cartório de protesto impõe ao suposto devedor ônus que não se
exige em face do simples ajuizamento direto da execução judicial da CDA.
Ver-se-á
involuntariamente compelido a promover ação anulatória da dívida ativa
inscrita, cumulada com o cancelamento do protesto, mesmo porque protesto
cartorário não significa garantia de que o valor da CDA será ali pago pelo
sujeito passivo.
Ademais, a falta
de pagamento em cartório não exclui o dever legal de o sujeito ativo promover a
execução judicial da CDA. Caso em que o executado (com seu nome “sujo”, como
inadimplente em razão do protesto da CDA) não poderá ser privado do direito de
defesa em juízo, seja por meio de exceção de pré-executividade, seja pelos
embargos à execução.
Desse modo, o
protesto de CDA não passa de meio indireto de forçar o sujeito passivo a pagar
tributo ou dívida nem sempre exigível.
É um mecanismo
excelente para o Fisco, que nem sempre tem razão nessas cobranças, e para os
cartórios de protesto que passam a ter mais uma fonte de renda em detrimento da
cidadania.
Quanto à opção
política da administração pelo protesto como ferramenta de cobrança
extrajudicial, Herman Benjamin afirmou que o Poder Judiciário deve se ater a
verificar sua conformação ao ordenamento jurídico, pois não lhe cabe analisar o
mérito da escolha.
No entanto, não se
trata, aqui, de opção política da administração pelo protesto como ferramenta
de cobrança extrajudicial, mas, sim, da necessidade de resguardar-se o direito
do contribuinte ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório,
para o que basta a regular instauração da execução judicial. E também de não
ser intimidado por ameaça de protesto em cartório a pagar antecipadamente o que
nem sempre será dele exigível ou cobrável.
Em suma, estando a
questão do protesto de CDA em julgamento, nestes dias, no Supremo Tribunal
Federal, espera-se que esse meio coercitivo de cobrança tributária por vias
indiretas venha a ser julgado manifestamente inconstitucional.
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