sexta-feira, novembro 04, 2016
O Supremo Tribunal
Federal começou em 3 de novembro corrente a votar se é constitucional o
protesto extrajudicial, em cartório, da dívida ativa tributária representada
por Certidão de Dívida Ativa (CDA).
Trata-se de
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.135) promovida pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI), que – diga-se, acertadamente – considera o protesto extrajudicial é uma
medida política de coação de devedores que fere o princípio da livre iniciativa
e impõe constrangimentos desproporcionais a quem tem débitos tributários.
Relatada pelo
ministro Luís Roberto Barroso, a ação tem, por enquanto, cinco votos contrários,
por sua improcedência e dois, pela procedência.
Barroso foi a favor
da constitucionalidade de a Fazenda Pública cobrar seus créditos fiscais em
cartório, sem passar pelo Judiciário. Acompanharam-no nesse voto os ministros
Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli. Já, os ministros Luiz
Edson Fachin e Marco Aurélio votaram pela inconstitucionalidade do protesto
extrajudicial por entender que se trata de sanção ilegítima, e de coação
política de devedores.
Faltam ainda votar
os ministros Ricardo Lewadowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Ao votar, Barroso
concordou com a tese da União, segundo a qual a Constituição não veda o
protesto extrajudicial.
Considero
equivocado esse fundamento, pois a Fazenda Pública só pode agir nos termos e
limites autorizados expressamente pela Constituição Federal. Se a Constituição
não autoriza – como, de fato, não autoriza o protesto extrajudicial de uma CDA,
título esse que se submete a um procedimento de cobrança previsto em lei
especial – não há nem justificativa nem autorização constitucional para se
aceitar esse meio coercitivo de cobrança.
Do mesmo modo, não
podemos concordar com a advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes
Mendonça, segundo quem as empresas da indústria reclamam porque o protesto
extrajudicial seja hoje a maneira mais eficiente de cobrança de dívidas fiscais.
Irrelevante, também os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
segundo os quais, enquanto a execução fiscal, sempre judicial, demora em média
oito anos e custa R$ 7 mil, o protesto resulta no pagamento da dívida em três dias.
Também não é
jurídico nem constitucional seu argumento segundo o qual caso o Supremo declare
o protesto extrajudicial de CDA inconstitucional, cerca de 80 mil débitos hoje
já em processo de pagamento vão virar execuções fiscais. E, segundo ela, a Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional tem cerca de cinco milhões de títulos a ser protestados
que, a depender da decisão do STF, desaguarão no Judiciário “sem necessidade”.
O fato de que as
execuções fiscais sejam o grande entrave do número de processos pendentes de
julgamento também não pode servir de pretexto para justificar o protesto de CDA.
Pouco importa que, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho
Nacional de Justiça, 40% de todas as ações em trâmite sejam execuções fiscais.
E mais de 30% delas sejam de responsabilidade da União, contando a Fazenda
Nacional, INSS e outras autarquias.
Também não se
justifica o protesto de CDA o fato de especialistas considerarem que o
principal empecilho à execução fiscal esteja em encontrar bens dos devedores.
Ou que, quando a cobrança passe pelo
Judiciário, e o juiz possa determinar o bloqueio de contas e bens, essa
estratégia raramente tenha sucesso.
O argumento da AGU,
de que a principal vantagem do protesto de CDA seja uma forma menos invasiva de
cobrança, mas de muito mais sucesso é de todo descabida. Muito pelo contrário.
Esse protesto causa mais lesividade ao “protestado”, pois pode até mesmo
dificultar seus negócios, seu crédito e sua lucratividade. Pode levá-lo até
mesmo à falência. Além disso, o sucesso de uma cobrança não pode estar amparado
no meio pelo qual ela se realize. Deve estar amparada, isto sim, na sua
legitimidade e na procedência, legalidade ou mesmo constitucionalidade do que
seja o objeto da cobrança.
Incorre em grave
equívoco, também, o ministro Teori Zavasck, ao acompanhar o voto do ministro
Barroso. Pouco importa, nesse particular, seja “a estatística estarrecedora”,. Tampouco vale sua afirmação
de que o protesto esteja sendo atacado por sua eficiência. A
constitucionalidade de uma lei não se mede por fatores estatísticos nem por sua
eficiência na arrecadação tributária.
Afirma o ministro
Teori: “O Estado tem não apenas a faculdade, mas o dever de cobrar suas
dívidas. Por que esse meio de cobrança seria ilegítimo para o Estado e
ilegítimo para o particular?”
Ninguém nega o
dever de o Estado cobrar suas dívidas. Mas a cobrança via protesto de CDA é,
sim, ilegítima, porque o Estado não necessita desse meio coercitivo de cobrar o
que nem sempre lhe seja devido. Já dispõe da via executiva direta, em que o
direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa podem ser
exercidos sem os ônus adicionais de um protesto extrajudicial contra o suposto
devedor.
Equivoca-se,
também, o ministro Luiz Fux, segundo quem “A grande inconstitucionalidade é a
eficiência do protesto extrajudicial”. Pouco importa, nesse particular, sua
observação segundo a qual o Banco Mundial tenha um ranking dos países de acordo
com seus sistemas processuais, e um dos critérios de “análise econômica
processual” seja como uma nação resolve seus litígios por meios extrajudiciais.
Não é isso que
está aqui em jogo. Mesmo porque a supremacia do interesse público se encontra
na necessidade de resguardo dos direitos individuais e coletivos e não,
necessariamente, nos meros interesses arrecadatórios do erário. Nem sempre o
interesse da administração está em consonância com o interesse público.
A eficiência do
procedimento arrecadatório não se sobrepõe a essas garantias inerentes ao
Estado Democrático de Direito.
Corretos, nesse
julgamento, estão, por enquanto, os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, com
os quais esperamos venham a votar os demais ministros.
De fato. Segundo
Marco Aurélio, o que estava em jogo não eram os interesses primários da
administração pública, “do respeito à coletividade, à sociedade em geral”. “No
caso temos em jogo apenas o interesse secundário da administração pública, de
induzir, mediante coerção, para mim política a mais não poder, o devedor a
satisfazer o débito.”
Nesse seu
entendimento – com o qual concordamos –“o protesto é algo muito nefasto,
que alcança a credibilidade, no mercado, de quem tem o título protestado”.
“O Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção. E aqui se tem um
meio que passa a ser até direto: ‘Ou paga, ou levo a CDA a protesto, escancarando
a sua inadimplência’”, votou.
Marco Aurélio
também chamou atenção para o fato de o protesto extrajudicial estar previsto em
lei desde 1997, mas só ter começado a ser usada pela União em 2012, “num passe
de mágica”.
Ademais, nem o
Código Tributário Nacional autoriza esse meio coercitivo de cobrança de uma CDA
pela via extrajudicial.
Acrescente-se aos
argumentos contrários a essa via alternativa de cobrança meus seguintes
argumentos.
Sua
presunção de liquidez e certeza é relativa.
Que
dizer de uma CDA calcada em decisão administrativa fundada em dispositivo
contrário à Constituição, dado que a autoridade administrativa não decide sobre
a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou de dispositivo legal?
Essa
CDA deve servir para um protesto em cartório?
Se
a execução judicial ainda não estiver instaurada, pode a Fazenda Pública deixar
de instaurá-la? No aguardo de eventual pagamento indevido em cartório, ou na
falta desse pagamento? Deve o sujeito
passivo ficar no limbo?
Fica,
pois, evidente o abuso de poder da Fazenda Pública no levar a protesto qualquer
CDA. É coagir o sujeito passivo a pagar o que nem sempre seja devido.
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