quarta-feira, fevereiro 19, 2025

A insubsistência da denúncia da PGR contra Bolsonaro

Considero insubsistente a denúncia que o Procurador Geral da República,  Paulo Gonet, acaba de apresentar contra o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro  e outros mais de 30 denunciados.

A PGR os acusa pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. 

A primeira irregularidade nesse processo é de nível constitucional.

A rigor, nenhum dos denunciados deveria estar sendo processado diretamente perante o Supremo Tribunal Federal. Quando muito, o foro competente teria de ser o da Justiça Federal Criminal de Primeira Instância de Brasília. Para assegurar aos denunciados o devido processo legal no foro penal, o direito à ampla defesa, ao contraditório e aos recursos às instâncias superiores.

Sob o aspecto fático, não consta que Bolsonaro ou outros denunciados tenham praticado abolição do Estado Democrático de Direito. Mais ainda com emprego de violência. Luis Inácio Lula da Silva não foi impedido de assumir a Presidência da República.

Golpe de Estado não pode ser presumido. E a posse de Lula confirma a inocorrência de qualquer golpe.

Na denúncia,  Gonet sustenta que golpe não precisa ser consumado para configurar crime, salientando que  os crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado referem-se a crimes tentados, que dispensam o resultado naturalistico para se consumar.

Ou seja, Gonet se faz de legislador para incluir na lei penal sua distorcida interpretação dos fatos objeto da denúncia. Não é admissível ao intérprete nem ao julgador pôr na lei o que nela não esteja.

Também a tipificação do crime de organização criminosa não admite nela incluir o que incluído não possa ser.

Nesse sentido: "Diferentemente da organização criminosa - onde não é exigida a estabilidade e a permanência -, sedimentou-se o entendimento de que a estabilidade e a permanência são requisitos intrínsecos da associação criminosa, e a ausência de qualquer dessas condições de procedibilidade acusatória é suficiente para que a denúncia seja declarada inepta. Confira trechos da ementa do RHC n. 71.502/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/12/16, DJe de 1/2/17:

A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que a estabilidade e a permanência são circunstâncias indispensáveis para a configuração do crime de quadrilha ou bando (atual associação criminosa). Precedentes. " (Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/396470/a-organizacao-criminosa-e-a-associacao-criminosa.)

Ora, a pretendida prática de um único ato alegadamente ilícito não se coaduna com o tipo penal de organização criminosa por falta da condição de estabilidade e permanência dessa mesma organização. Não tem continuidade temporal.

Em matéria de lógica e de Direito Penal, não pode o acusador ignorar os fatos ou contra eles argumentar.

É preciso distinguir entre os pressupostos de qualquer ação penal, seguindo o brocardo romano da mihi facto, dabo tibi jus. Ou seja, dê-me o fato, dar-te-ei o direito.

Outro ponto a considerar: o crime maior encampa o menor. Segundo o princípio da consunção, também chamado de princípio da absorção. E isso poderá ocorrer se a soma da pena de reclusão acrescida da pena correspondente à violência (Art. 359-L do Código Penal) superar a da organização criminosa. 

Um dos tipos em que a violência ou a grave ameaça se fazem presentes é o artigo 359-L, que diz: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência”.

Assim, não sendo provada contra quaisquer dos denunciados a prática de abolição violenta do Estado Democrático de Direito nem de golpe de Estado, tem-se ipso facto que nenhum deles poderá ser condenado sob a imputação de integar organização criminosa. 

Já, a imputação de  dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado depende de prova material e de individualização da conduta de cada indiciado.

É sempre necessário distinguir entre pretensão (planejamento ou intenção), tentativa e a execução, principamente no campo do Direito Penal e mesmo fora dele.

A pretensão ou planejamento são fatos anteriores tanto à tentativa quanto à execução do que seja planejado. A rigor, o mero planejamento não pode ser configurado como delito ou crime. Sem ato criminoso, crime não existirá. Se tentado, deixará de ser mera tentativa ao passar para fato consumado.

Em suma e diante desses fatos, considero insubsistente essa denuncia da PGR.