domingo, abril 01, 2018
Empregadores (pessoas físicas e
jurídicas) têm sofrido condenações descabidas na Justiça do Trabalho, sob a
acusação de prática de trabalho escravo ou análogo à escravidão.
Essas condenações vêm sendo
aplicadas não apenas a empresas ou empregadores que efetivamente estejam
descumprindo as leis e normas trabalhistas, mas, também, a terceiras empresas
não vinculadas diretamente a essas infrações.
Se uma empresa formaliza contrato
com outra para fabricação sob encomenda, a Justiça do Trabalho exorbita dos
limites legais para estender a essa empresa a responsabilidade de fiscalizar o
contratado, como se a empresa contratante estivesse legalmente obrigada a
fazer as vezes de fiscal do trabalho.
Na seara da Justiça do Trabalho,
se faz descaso, nesse particular, das regras do Código Civil pertinentes aos
contratos, e à responsabilidade civil. E, também, da própria Constituição
Federal, no que pertine à livre iniciativa e à liberdade de contratar.
É certo que o trabalho escravo ou
análogo à escravidão deve ser combatido pelos meios legais e processuais.
Mas não é certo a Justiça do
Trabalho valer-se de conceitos elásticos como o de “subordinação estrutural”,
e de teses como a do “dumping social” para atingir empresas que subcontratem com
terceiras empresas a fabricação de seus produtos ou de parte deles.
Sob a expressão “cegueira
conveniente”, a Justiça do Trabalho trata de impor a quem não seja o autor do
ilícito trabalhista uma responsabilidade
por extensão, como se o contratante de uma terceirizada estivesse
legalmente obrigado a exercer um dever de diligência ou de fiscalizar a
regularidade de situação dessa terceirizada. Ora, se assim pudesse ser,
chegaríamos ao absurdo de se exigir da contratante que fiscalizasse tudo o mais
que, na contratada, pudesse estar em desacordo com as leis vigentes no País. Isso
não compete a quem exerça a livre iniciativa.
Não se pode atribuir
responsabilidade solidária e tampouco responsabilidade subsidiária a quem não
tenha vínculo direto com o ato ilícito praticado no descumprimento das leis e
normas trabalhistas.
Essa responsabilidade por atos
ilícitos deve limitar-se à pessoa (física ou jurídica) do agente. Não se
transmite a quem com ela não haja contribuído. E a simples contratação de
serviços terceirizados não significa compactuação com ilícitos nos quais, por atos
ou por omissões, possa o contratado estar incidindo.
Outro abuso perpetrado pela
Justiça do Trabalho está na imposição de multas (diga-se, extremadas e mesmo
confiscatórias), a recaírem não apenas sobre o autor da alegada infração por
trabalho escravo ou análogo à escravidão. São aplicadas, também, sobre
contratantes como se houvesse entre estes e suas contratadas, mais do que um
mero vínculo de um contrato civil de fornecimento ou de prestação de serviços.
Ora, falta lei determinando o critério de quantificação dessas multas.
Por sua vez, a imposição de multa
por dano moral coletivo não pode ser aplicada com base em responsabilidade
objetiva, sob o argumento de negligência ou imprudência da contratante no
contexto de seu contrato com a contratada, que descumpra preceitos legais. Se a
multa por dano moral coletivo independe do elemento “culpa” – transformando-a
em responsabilidade objetiva – nem por isso pode ela recair a quem ao dano não
tenha dado causa.
O fato de uma terceirizada
produzir para a contratante, produtos personalizados com a marca ou etiqueta da
encomendante não torna, só por isso, essa contratante coautora de atos ilícitos
da contratada ou com a prática, por esta, de qualquer violação às leis e normas
regedoras das relações de trabalho e de direitos de seus empregados.
Já, a questão do tomador de trabalho temporário se vincula
à relação entre o contratante e contratado para esse trabalho.
É preciso distinguir quanto à
contratação de trabalhadores: a) contratação direta sob o regime da CLT; b)contratação
sem vínculo empregatício, no caso de diretores eleitos em assembléias ou
reunião de sócios nas sociedades empresárias e mesmo de procuradores não
empregados; c) contratação direta de autônomos, sem vínculo empregatício
perante o contratante.
Situação diversa ocorre no caso
de contrato que se faça entre uma empresa e outra. Esta outra terá seu próprio
quadro de empregados, que trabalham em nome e por conta de seu empregador. Essa
empresa tanto poderá ser industrial, comercial, de prestação de serviços, ou
mesmo, uma outra, atuando no sistema
financeiro. Ela será a empregadora de seus empregados. Estes, nenhuma
vinculação terão com a contratante (cliente da contratada).
Na contratação sob encomenda,
entre a contratante e a contratada, inexiste vínculo trabalhista entre elas. O
que existe é um contrato civil, regulado pela legislação civil (Código Civil).
O contrato de trabalho temporário
não se estende à empresa que formalize contrato de fabricação ou produção sob encomenda com aquela que irá
efetuar essa fabricação ou produção. A relação entre contratante e contratada
é, como apontado acima, relação contratual de Direito Civil.
Outro ponto a considerar, na
terceirização de mão de obra, é o local em que o obreiro irá trabalhar em nome
e por conta de seu empregador (empresa terceirizada). Assim, será necessário
distinguir se esse trabalho será exercido no próprio estabelecimento de seu
empregador, ou se no da empresa que contrate a terceirização.
Essa distinção é importante,
porque se as condições de trabalho no estabelecimento da contratante se
equipararem às de trabalho escravo ou análogo à escravidão, evidentemente
haverá de ser diretamente responsabilizada essa contratante por esses atos
ilícitos. Ela, empresa, será, portanto, agente e responsável por descumprimento
da lei, nesse particular.
Todavia, se as condições
degradantes do trabalho estiverem ocorrendo no estabelecimento da contratada, é
esta que deverá por isso responder, não se justificando expandir essa
responsabilidade para recair, também, sobre a contratante (encomendante).
Auferir lucro por meio de
desconcentração ou descentralização não é crime nem delito algum. É ato de
gestão do administrador. É meio legítimo de exercer a atividade produtiva no
contexto da livre iniciativa.
Não podemos chegar ao ponto de
desestimular a contratação de uma empresa por outra, ao argumento de que isso
poderá resultar em lesão de direitos trabalhistas de empregados. A lesão deve ser combatida onde
ocorra e contra quem dela seja o causador. Nesse particular, é preciso
respeitar o que determina o Código Civil em matéria de responsabilidade por
atos ilícitos.
E exatamente por isso, a
responsabilidade por atos ilícitos não se estende a quem a eles não haja dado
causa. A responsabilidade recai sobre o agente. Não sobre quem assim não o
seja.
Também não se pode falar em
responsabilidade objetiva, onde a responsabilidade possa ser determinada em
relação à sua autoria.
Ademais, não há lei que imponha,
automaticamente, responsabilidade objetiva e mesmo responsabilidade subsidiária
nos casos em que estas não possam se aplicar.
A responsabilidade objetiva em
matéria de atos ilícitos pressupõe relação fática e mesmo jurídica entre o
agente e o terceiro contra o qual se pretenda impor a responsabilidade.
Pegar a cadeia toda de empresas
porque uma contrate outra para fabricação sob encomenda (o que não é
terceirização de mão de obra) objetivando com esse encadeamento atribuir
responsabilidade objetiva ou subsidiária à contratante é ir longe demais nesse
intento de punir.
Repito: auferir lucro é o objeto
de todos nas suas atividades legais. Nada de errado nisso. Buscar maior
lucratividade também o é. Comprar por preços mais baratos é direito de todos,
inclusive entre empresas e consumidores. Contratar serviços por preços menos
elevados é parte de todo negócio lícito. Não se pode obrigar a ninguém, no
contexto da livre iniciativa e da livre concorrência, que venha a contratar o
fornecimento de bens ou a prestação de serviços pelos preços mais elevados.
Aliás, na concorrência pública, vence o menor preço.
Logo, a lógica do capitalismo é a
realização do lucro. O que não significa o exercício de práticas ilegais para
alcançar esse objetivo. Mas a prática ilegal deve ser comprovada, e, uma vez
comprovada, ser a pena aplicada ao agente causador do ato ilícito. Nunca a
terceiro sob o simples argumento de que mantenha com o agente um vínculo
meramente contratual de fornecimento ou de prestação de serviços.
Ademais, a extensão da
responsabilidade para recair sobre um terceiro nessa relação jurídica só se
justificaria quando contratante e contratada pudessem ter algum vínculo
societário (grupo de empresas) ou serem empresas de um mesmo grupo econômico
por terem entre si os mesmos sócios ou acionistas. Mas, aí, não se estaria a
aplicar incidente de desconsideração da pessoa jurídica, mas o que, no meu caso
envolvendo direito do consumidor contra a Panasonic (em que fui vencedor),
chamei de “teoria da integração de personalidades jurídicas, entre si”, por
fazerem parte de um mesmo grupo societário.
Em suma, se duas empresas não são
integrantes do mesmo grupo societário ou econômico, sendo uma delas contratante
de serviços ou de fornecimentos a lhe serem prestados pela outra, contratada,
não se pode impor responsabilidade objetiva à contratante pelos ilícitos que
pratique a contratada, como nos casos de condenação por práticas escravagistas
ou análogas à escravidão.
Que os infratores, sejam eles
todos, devidamente punidos, porque a escravidão e a desconsideração da pessoa
humana (trabalhador ou não) não têm amparo constitucional nem legal nem moral.
Desse modo, há fundamentos
constitucionais, legais e jurídicos que devem ser empregados não só pelos
acusados por trabalho escravo ou análogo à escravidão, como, e principalmente,
por aquelas empresas que contratem outras para fabricação sob encomenda, ainda
que os objetos dessa fabricação se destinem à revenda, pela própria
contratante, ao mercado distribuidor ou consumidor de seus produtos e
mercadorias
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