Plínio Gustavo Prado Garcia*
O Projeto de Lei nº 463/2011, de iniciativa dos deputados federais Jaime Martins, Inocêncio Oliveira, Ariosto Holanda, Fernando Ferro, José Linhares, Mauro Benevides e Paulo Teixeira, se aprovado, favorecerá a formação ou o aumento de oligopólios no campo da mineração brasileira. E poderá resultar em prejuízos incalculáveis ao País, aos pesquisadores minerais, aos consumidores e aos brasileiros, em geral.
Sob o pretexto de “atualizar” a legislação relacionada com as atividades minerárias, esse PL pretende alterar dispositivos do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, e da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, isto é, do Código de Mineração.
Segundo seus autores, pelo fato de o Código de Mineração ter sido editado em 1967, portanto há mais de quarenta anos, e mais de 20 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, haveria necessidade de “adequação das disposições do Código às normas constitucionais supervenientes”. Notadamente “no que concerne aos regimes de aproveitamento dos recursos minerais, restritos pelo Texto Constitucional, à concessão e à autorização de lavra, além da autorização de pesquisa.”
Equívocos do PL
Escrevendo aqui como brasileiro, como profissional do Direito (advogado e ex-professor), não pode este comentarista deixa passar em branco os equívocos em que incorrem os autores desse Projeto de Lei.
A primeira prova em favor do vigente Código de Mineração se encontra no fato de que nenhuma de suas disposições contraria a vigente Constituição Federal. Muito pelo contrário. Estão em conformidade com a Carta Federal de 1988, e a melhor prova disso se acha no fato de que, passados 24 anos desde então, nenhuma ação de inconstitucionalidade foi movida contra esse Código ou contra qualquer de suas disposições.
Ao contrário do que afirmam os autores do PL, não é verdade que o Código de Mineração vigente “se ocupa, primordialmente, de resguardar os direitos e interesses particulares.”
É fato que atividade mineraria é atividade de interesse nacional e, portanto, de interesse público. E, por isso mesmo, deve proteger os direitos dos mineradores, pois a mineração envolve elevados riscos patrimoniais para os pesquisadores e mineradores. Basta ver que em muitos outros países, a mineração, inclusive petrolífera, se faz com a menor intervenção possível do Estado na atividade minerária, considerando, ademais, que em muitos deles, nem mesmo o subsolo pertence ao Estado, mas, sim ao proprietário do solo.
Imagine-se se seria possível a exploração mineral no País se viesse a ser executada exclusivamente pelo Estado. Quanto iria custar isso para os contribuintes? Quanto iriam custar os produtos derivados da mineração?
Não há, na legislação ora em vigor, qualquer privilégio para o detentor de “título minerário” ou para o proprietário do solo, ao contrário do que alegam os autores do PL. Há isto sim, o respeito ao direito conquistado pelo empreendedor (pesquisador e minerador) ao assumir o risco do empreendimento, desde a fase inicial de autorização de pesquisa e, subsequentemente, da concessão de lavra. Há a justa remuneração ao proprietário do solo pelos prejuízos e pelas restrições que a mineração impõe e exige sobre sua propriedade.
Assim, o interesse público se encontra no regular aproveitamento de nossas jazidas minerais em que o interesse do Estado não pode consistir em criar condições desfavoráveis ou nada ou pouco atrativas para os vultosos investimentos que esse setor exige de seus empreendedores. Recursos que, não fossem esses empreendedores privados, estariam saindo de nossos bolsos por intermédio dos cofres públicos.
Exposição de Motivos desse Projeto de Lei afirma que “o setor de mineração não propicia à população brasileira benefícios proporcionais ao elevado volume de recursos que o setor movimenta.
Ora, se isso for mesmo verdade, pior será se as alterações propostas neste PL, ao eliminar o direito de prioridade do pesquisador à obtenção da concessão de lavra, vierem a ser aprovadas. Tal aprovação resultaria em espúrio benefício de quem venha a ser “vencedor” de subsequente “licitação” para obter o direito de deitar-se no “berço esplêndido” criado pelos esforços pessoais e financeiros dos pioneiros que se lançam aos árduos trabalhos de pesquisa mineral nas áreas abrangidas por seu direito de prioridade. Direito esse caracterizado pelo fato de haverem formulado junto ao DNPM seu pedido de autorização de pesquisa mineral em áreas livres, tal como essa expressão “área livre” é definida no Código de Mineração.
Argumentos desconexos
Nada tem a ver com a mineração, propriamente dita, o fato de que, segundo essa Exposição de Motivos, “o Brasil ocupe posição de destaque no mercado mundial de mineração” e de que “sua atuação caracteriza-se pela exportação de insumos básicos, com ínfima agregação de valor.” A agregação de valor é atividade complementar à da mineração em si mesma, pois não haverá agregação se antes não houver o produto da extração mineral.
Outro engano dos autores do Projeto de Lei se encontra no pressuposto de que “as expressivas exportações (de minérios)” sejam favorecidas por “isenção tributária”, sabido que País algum exporta tributos quando exportam matérias primas ou quaisquer outros produtos ou mercadorias. Salvo nos casos raros para combater concorrência desleal, quando se impõe o imposto de exportação, de caráter regulatório. Por isso, esses argumentos nada têm a ver com a exploração dos recursos minerais, em si mesma.
Licitação descabida
Ao propor “reformulação do setor minerário, a começar pelo respectivo marco legal” esse nocivo Projeto de Lei determina que a outorga de autorização ou concessão de lavra, seja precedida de licitação, sob o pretexto de que a competição entre os interessados, em última análise, resguardaria o interesse público.
Não! Não é sempre que o interesse público se pode considerar melhor atendido, se para tanto, entender-se que tudo venha a depender de licitação.
No presente caso, a proposta substituição do regime legal de prioridade na pesquisa e na lavra mineral pelo regime licitatório tem o grave efeito de, por um lado, desestimular a pesquisa mineral, e, por outro, de criar situação de nítido enriquecimento sem causa de terceiros, retardatários.
Basta ver que estes não se disporiam a sofrer os riscos econômico-financeiros da pesquisa mineral, e, mesmo assim, surgiriam em cena para, então, virem a tirar proveito do esforço alheio: do pesquisador mineral.
A licitação, nestes casos, conspira contra o interesse nacional, contra o interesse público. Mais ainda quando a pretensa indenização do pesquisador pelo “vencedor da licitação” se evidencia absurdamente baixa, a desestimular o desenvolvimento das próprias atividades minerárias no País.
Licitação é cabível no caso de concorrência pública em que o proponente seja o próprio Estado em atividades que não tenham exigido o prévio concurso de esforços privados.
Sabe-se que no regime licitatório se abre uma concorrência publica, em situação na qual todos os interessados se apresentam ao mesmo tempo, no prazo legal, como concorrentes. Não há como tirar proveito de esforço alheio. Proveito esse que, indevidamente, se tirará em detrimento do pesquisador mineral, se aprovado este PL para substituir o regime de prioridade pelo da exigência de licitação.
Protocolo de requerimento
Segundos os senhores deputados autores desse nocivo Projeto de Lei essa proposta de licitação “contrasta substancialmente com o modelo vigente, no qual a mera protocolização de requerimento de autorização de lavra confere a um particular direito cujo valor pode alcançar alguns bilhões de reais, montante esse muito superior ao auferido pelo Estado, proprietário dos recursos minerais.”
Sabe-se, entretanto, que a “protocolização de requerimento” não produz substancia mineral alguma.
A produção decorrerá, isto sim, das atividades extrativas na mineração.
Ademais, “requerimento de autorização” não é “requerimento de lavra, mas, sim, o passo inicial para se chegar à concessão de lavra.
Apenas depois de deferida a autorização de pesquisa se passa à concessão do direito de lavra em favor do pesquisador ou de quem venha ele a ceder seu direito. Quem haja assumido esse risco da pesquisa deve ser o beneficiário do direito de lavra em razão de sua prioridade. Sabe-se, mais, que em regime que está dando certo há tantos anos e décadas, não é preciso inovar nem modificar. Mais ainda quando o critério de prioridade é consentâneo com os princípios constitucionais da moralidade da Administração Pública (art. 37 da Constituição Federal) e da vedação do enriquecimento sem causa (art. 840 do Código Civil).
Ao pesquisador, a esmola
O Projeto de Lei concederia esmola ao pesquisador mineral. Assim, argumenta que “Se, por um lado, ao se determinar a realização de licitação, suprimi-se (sic) o caráter de exclusividade do direito à obtenção da outorga por parte do autor do relatório de pesquisa minerária, assegura-se a esse último, em contrapartida, não apenas a preferência na licitação para outorga da lavra, mas também participação nos resultados da lavra caso ele, embora participando da licitação, nela seja vencido. Mantém-se, assim, o estímulo à pesquisa de novas jazidas.”
Veja-se a falácia e a armadilha contida nessa linha de raciocínio: O pesquisador investe seus recursos financeiros e seus esforços fazendo pesquisa mineral no País com base em sua iniciativa pioneira na área livre objeto do pedido de autorização de pesquisa junto ao Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM). Esse pedido é hoje protegido pelo regime legal e constitucionalmente válido, de prioridade. Quem antes requer, torna a área livre indisponível a terceiros retardatários. Isso dá segurança jurídica ao pioneiro.
Ora, qual o estímulo, qual a recompensa a ser dada a esse pioneiro se, na hora de conseguir os resultados de seus esforços e dos dispêndios financeiros na fase de autorização de pesquisa mineral vir surgir ali terceiros retardatários com intenção de retirá-lo do campo, sob a alegação de que hajam vencido a subsequente licitação pelo direito de outorga de concessão de lavra?
Quem tem o direito de prioridade na fase de pesquisa mineral há de manter, por consequência, essa prioridade no direito de exploração mineral da jazida pesquisada. A lei não autoriza o enriquecimento sem causa e é esse um dos nocivos efeitos desse Projeto de Lei: favorece retardatários e até mesmo induz a formação de oligopólios no campo da mineração, pelo abuso do poder econômico.
A substituição do regime de prioridade pelo de licitação na fase de concessão de lavra poderá ensejar até mesmo arguição de inconstitucionalidade.
Interesse público
Pondere-se que a mineração é de interesse público e não, meramente, do interesse do Estado. Motivo pelo qual o Estado não pode criar óbices ou restrições descabidas ao desenvolvimento desse relevante segmento empresarial.
Dessa maneira, a previsão nesse Projeto de Lei de que seja incluída no Código de Mineração a possibilidade de a União reservar áreas específicas para a formação de reservas estratégicas de determinados recursos minerais nada tem de razoável. Esse propósito conflita com a Constituição Federal, pois não há ali situações restritivas do direito de mineração, à exceção das hipóteses de monopólio da União nos caos em que explicita, como de minérios radioativos entre outros. Ademais, com que critério se decidirá o que deva ser “reserva estratégica” e como se definirá quais os “determinados recursos minerais”? Isso ficará a cargo do burocrata?
Na verdade, não há um setor da mineração que não seja estratégico. Há uns que possam ser mais estratégicos do que outros. Mas esses mais estratégicos já não se encontram no âmbito do setor privado para exploração, porquanto amparados constitucionalmente por monopólio da União.
Logo, o interesse público se encontra em não criar tais “áreas de reserva mineral estratégica”, mesmo porque o atual Código de Mineração já contempla as hipóteses de concessão de lavra e de autorização de lavra, a depender da natureza da substância mineral a ser explorada.
Tampouco se justifica impor limites temporais às concessões e autorizações de lavra, pois a regra lógica e legal é o termino da lavra pela exaustão da mina.
Distinção entre jazidas
O Projeto de Lei também incorre no absurdo de pretender discriminar jazidas em função do grau de seu potencial econômico, na fixação do prazo de seu aproveitamento.
Aumento da oneração financeira sobre o minerador
Outro desestímulo ao desenvolvimento da mineração no País se acha na proposta de alteração na participação do Estado na renda do setor mineral, que os autores do Projeto de Lei consideram “baixíssima quando comparada com outros países e com o setor petrolífero.”
Se aprovada, essa proposta poderá desestimular a arriscada empreitada no campo da extração mineral no País. Acabaria também por repercutir no “custo Brasil” em detrimento de todos os brasileiros, de todos os consumidores.
De nada vale comparar a “compensação financeira gerada pelo setor mineral” com a compensação financeira para a União, Estados e Municípios, produzida pelo setor petrolífero. O petróleo se insere em área de atividade preponderante da empresa brasileira de economia mista (Petrobrás S.A.), Já, as demais atividades minerárias são exercidas por uma profusão empresas privadas de variados portes. E de ganhos nem sempre tão grandes, dados os custos da mineração e dos riscos econômico-financeiros que acarreta aos empreendedores privados.
Por isso mesmo, é totalmente descabida a proposta, no Projeto de Lei, de “criação de uma participação especial no setor mineral equivalente a, no mínimo, 20% da receita líquida advinda da exploração de grandes jazidas”.
Tampouco é verdade que “apenas as grandes empresas são afetadas”, pouco importando que “Os recursos da participação especial serão destinados a Estados, Municípios e órgãos da administração direta federal.”
O fato é que grandes jazidas não significa grandes empresas de mineração. Pois a jazida sem exploração não é considerada mina, jazida em lavra mineral. Ademais, se grandes empresas serão afetadas, afetados serão também os preços de seus produtos minerais, em detrimento do interesse público. Interesse público que não se confunde com o interesse da Administração Pública, da mera arrecadação tributária.
Conclusão
Quando os próprios autores do projeto de lei aqui comentado reconhecem a já longa vigência do atual Código de Mineração, que até hoje não foi alvo nem objeto de qualquer alegação ou ação de inconstitucionalidade, só se pode chegar a uma conclusão: Não há fato novo que justifique uma alteração tão substancial desse marco legal. Não há aqui, sob esse Código e sob a atual Constituição Federal, nada que dê base à alegação desses senhores deputados federais de que seja preciso “resgatar a necessária primazia do interesse público sobre os interesses particulares.”
O Código de Mineração foi recepcionado pela Constituição Federal vigente por nada haver nele de contrário a essa Constituição. Não cabe falar-se em “primazia do interesse público sobre os interesses particulares” no caso das atividades minerárias no país, pois nesse particular, o interesse público está isto sim, em criar menos dificuldades e menos ônus à mineração.
O PL aqui comentado desestimulará as atividades minerárias no País e encarecerá os produtos minerais em detrimento do consumidor brasileiro e das próprias exportações nacionais de minérios.
Ademais, repita-se que a substituição do regime legal de prioridade na pesquisa mineral (do qual resulta a outorga de concessão de lavra ao pesquisador), pelo regime de licitação só tenderá a produzir o enriquecimento sem causa de determinadas empresas do setor mineral. Retardatárias que, valendo-se do abuso do poder econômico, porão de lado quem haja assumido o risco econômico-financeiro da iniciativa de efetuar a pesquisa mineral na área de que virá a ser dela alijado, posteriormente, pelo vencedor na licitação da concessão de lavra.
Tudo quanto se propõe nesse Projeto de Lei conspira contra o interesse nacional. É, no mínimo, imoral.
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*Advogado em São Paulo; ex-professor de Direito Civil e Tributário; Consultor e Assessor Jurídico. Sócio fundador e titular de Prado Garcia Advogados: www.prdogarcia.com.br
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