sexta-feira, agosto 11, 2017

Cessão e Transferência de Créditos Acumulados de Tributos na Cisão Parcial




 Plínio Gustavo Prado Garcia

Abordo aqui essa Solução Cosit 2014/SCCosit1 (a que se pode chegar pelo link abaixo) relacionada com a possibilidade de cessão e transferência de créditos acumulados de tributos de empresa cindida para  empresa resultante da cisão parcial,  cuja conclusão passo a reproduzir.

“Conclusão
Com base no exposto, responde-se à consulente que:
A operação societária da cisão parcial sem fim econômico deve ser desconsiderada quando tenha por objetivo o reconhecimento de crédito fiscal de qualquer espécie para fins de desconto, restituição, ressarcimento ou compensação, motivo pelo qual será considerado como de terceiro se utilizado pela cindenda ou por quem incorporá-la posteriormente.

b) Observadas as restrições acima, na sucessão por cisão, os créditos provenientes de pagamento indevido ou a maior de IR PJ e CSLL somente podem ser aproveitados na proporção do patrimônio líquido cindido.

c) Na sucessão por cisão, os créditos fiscais apurados pelo sujeito passivo provenientes da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins em operações de exportação, ou em vendas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência, somente se tornam próprios da cindida se acompanhadas de transferência de unidade produtiva ou outro estabelecimento vinculado ao surgimento desse crédito.

À consideração superior.
Assinado digitalmente
OLÍVIA CARLA CUSTÓDIO DO AMARAL
Auditora-Fiscal da RFB”

Essa Solução da Consulta merece reparos.

É inconstitucional impedir a cessão e transferência de direitos creditórios, ao argumento de que os créditos só possam ser utilizados pelo próprio credor do Fisco contra o Fisco; que só possam ser utilizados na compensação tributária entre ambos (Fisco e contribuinte); ou que, na impossibilidade de aproveitamento por compensação tributária, só possam ser objeto de pedido de restituição pelo credor para si próprio.

Todo crédito e todo débito na relação jurídica entre Fisco e contribuinte tem conteúdo econômico, que se transmudam em natureza financeira quando pagos àquele ou deste para o contribuinte. 

Faz-se o encontro de contas entre ambos, em que haverá relação de crédito e débito reciprocamente falando. Nada haverá a ser pago de um ao outro, quando os valores credores e devedores sejam os mesmos. Inversamente, será o Fisco credor se os valores apurados pelo sujeito passivo evidenciarem o surgimento desse crédito. Na outra ponta, será este o credor do Fisco.

Se o sujeito passivo não tiver como aproveitar seu crédito na compensação tributária; se começar a acumular créditos diante do Fisco, evidentemente, a lei não poderá restringir seu direito sobre o que fazer para recompor seu patrimônio. Assim, essa recomposição não poderá ficar limitada apenas ao direito à compensação tributária junto ao Fisco ou pedido de restituição administrativa ou à repetição judicial do indébito, exatamente porque quem tem esse direito de decisão é o credor (sujeito passivo) perante o Fisco. Nunca o contrário.

Feito o acertamento administrativo ou comprovadas perante o Fisco a existência e a exigibilidade desses créditos junto ao Fisco, passa seu titular à condição de detentor de um direito público subjetivo de decidir se irá buscar o ressarcimento via repetição de indébito ou se irá preferir  ceder e transferir a terceiros esses mesmos créditos.

Essa expressão “direito público subjetivo” pode ser assim explicada: é público esse direito, porque é um direito de todos; e é subjetivo, porque seu titular será sempre aquela pessoa natural ou jurídica que se encontre na posição de exigi-lo.

O Fisco, enquanto devedor diante desse credor, não tem amparo jurídico e constitucional para impedir o exercício desse direito publico subjetivo de opção do credor pela via que a este seja mais favorável para se ressarcir da melhor maneira que lhe aprouver.

O exercício desse direito público subjetivo de opção pelo credor do Fisco não pode ser obstado sob o argumento de que se exija um propósito negocial e não, meramente, um propósito de economia tributária, para a efetivação dessa eventual cessão e transferência de créditos.
Devedor que não paga ao credor não tem o direito de impor restrições ou limitações aos direitos desse mesmo credor na satisfação de seu crédito contra o  devedor.

Portanto, é inconstitucional a exigência de demonstração de substância econômica para validar-se a cessão e transferência de créditos entre a cindida e a resultante da cisão parcial.
Créditos tributários do sujeito passivo que se acumulem em seus livros fiscais são parcelas de seu patrimônio. Não pertencem ao Fisco. São passivos deste diante do seu credor.

Se esse credor não tem como receber seu crédito de imediato junto ao Fisco, não tem este o direito de impedi-lo de cedê-los e transferi-los a terceiros interessados. Ou de cedê-los e transferi-los para a pessoa jurídica que resulte de cisão parcial da empresa a ser cindida.

Advém disso, também, que, obstando o exercício desse direito público subjetivo de decisão sobre como o credor do Fisco irá melhor recompor seu patrimônio pela  conversão desse crédito de natureza econômica em crédito de caráter financeiro, o § 12 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996 evidencia restrição descabida e inconstitucional, ao  considerar não declarada a compensação que se faça de débitos próprios com créditos de terceiros. Principalmente quando os créditos a serem compensados já tenham sido objeto de acertamento fiscal junto à administração tributária.

Ademais, não cabe aplicar-se aí o § 4º do art. 18 da Lei nº 10.833 de 29 de dezembro de 2003 (que determina imposição de multa isolada no valor de 75% do débito indevidamente compensado).

Não menos reprovável é o que dispõe o artigo 68 da IN RFB nº 1.300, de 2012, ao vedar a compensação de débitos do sujeito passivo, relativos a tributo administrado pela RFB, com créditos de terceiros. Se quem o veda é o devedor (Fisco), bastaria que não tardasse a pagar a dívida ao credor ou a restituir-lhe de imediato o valor do indébito. Simples assim.

Se o crédito existe; se seu titular não consegue aproveitá-lo diretamente em compensação tributária; se prefere não aguardar a demora de eventual restituição na via administrativa ou, mais grave ainda, aguardar o trânsito em julgado de uma ação judicial de repetição/compensação tributária, não se lhe pode impedir de ceder e transferir a uma pessoa jurídica já existente, no contexto de uma cisão parcial de sociedades ou mesmo fora desse contexto a qualquer outra pessoa jurídica, o crédito tributário de que seja titular.

Por esses e outros fundamento jurídicos, verifica-se o descabimento e a inconstitucionalidade das limitações e restrições constantes da resposta a essa consulta tributária, as quais, pelos motivos acima apontados, não poderão prevalecer contra o credor do Fisco.