domingo, abril 14, 2013

Considerações sobre a igualdade e a isonomia


Rui Barbosa, ao paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, pronunciou sua Oração aos Moços, onde se referiu ao princípio da igualdade nestes termos:

"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".

Mais do que referir-se propriamente ao princípio da igualdade, como a igualdade de todos perante a lei, Rui, na verdade cuidou aí de explicitar os limites e alcances do princípio da isonomia.

Temos afirmado que a isonomia consiste na aplicação do princípio da igualdade por classes ou categorias.

Como regra geral, o princípio da igualdade se acha amparado no artigo 5º, “caput” da vigente Constituição Federal de 1988: a igualdade de todos perante a lei, sem distinção...

Já, a isonomia, como aplicação do princípio da igualdade por classes, categorias ou situações é uma decorrência lógica desse mesmo princípio, aplicado em sentido específico, restrito.

Como princípio de direito, de justiça, constitucionalmente recepcionado pela atual Constituição da República, esse princípio não carece de lei específica para ser regulamentado e aplicado.

Isso não impede, entretanto, que venha a ser explicitado em qualquer ato normativo.

Tanto isso é verdade que o princípio da isonomia é expressamente garantido no artigo 150, II, da Constituição Federal, em matéria tributária, ao vedar-se tratamento diferenciado e discriminatório em detrimento de contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

Capacidade contributiva

Contribuintes com a mesma capacidade contributiva não podem ser tributados diferenciadamente.

A capacidade contributiva ter a ver com a condição econômica de cada contribuinte.

Assim, os que se encontrem em condição econômica equivalente haverão de ser tratados pela mesma regra de imposição tributária.

Isso nos leva a considerar a questão da aplicação de alíquotas progressivas no campo tributário, de modo a verificar, em cada caso, se o princípio da capacidade contributiva está ou não sendo violado.

É fato que a Constituição Federal autoriza a tributação progressiva no caso dos denominados impostos pessoais, diferenciadamente do que ocorre com os impostos ditos reais.

Caso típico de progressividade de alíquotas se encontra no âmbito do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a denominada Tabela Progressiva.

Note-se que a Tabela Progressiva de IRPF tem como base de cálculo a renda ou os proventos recebidos pelo contribuinte, ou postos à sua disposição. Em termos numéricos de valor, não há discrepância entre os contribuintes que sejam aquinhoados com igual renda, calculada por faixas de valor tributável. Há, aí, respeito à isonomia tributária.

Todavia, esse respeito não ocorre naquelas hipóteses em que a capacidade contributiva específica entre dois ou mais contribuintes seja equivalente e acabe algum deles por ser mais tributariamente onerado do que o outro.

Distorção e inconstitucionalidade

Caso típico dessa distorção se encontra naquela que consideramos uma inconstitucional emenda à Constituição, relacionada especificamente com a imposição de alíquotas progresssivas no âmbito do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

A Emenda Constitucional 29/2000 alterou o artigo 156 da Constituição de modo a autorizar o legislador municipal a tributar com progressividade de alíquotas os imóveis urbanos em função de seu valor venal.

Consideramos materialmente inconstitucional essa EC 29, exatamente porque resulta em nítida ofensa ao princípio da isonomia tributária, quando se conjuga a esse princípio a ofensa ao princípio da capacidade contributiva no campo econômico.

Desdobramento

É correto dizer que a capacidade contributiva com seu substrato econômico pode ser desdobrada em capacidade contributiva geral ou ampla e capacidade contributiva restrita ou específica.

Nesse sentido, podemos afirmar que, inobstante um contribuinte tenha capacidade contributiva geral ou ampla, pode ele estar sendo afetado na sua capacidade contributiva restrita ou específica.

É facil demonstrar isso.

Vendas a prazo

Caso típico de contribuinte prejudicado na sua capacidade contributiva específica se verifica na aplicação do regime contábil de competência em negócios, como vendas a prazo, nas quais seja compelido a recolher impostos sobre a operação, antes mesmo de poder exigir do comprador o preço nela avençado.

Ora, de vez que – como no brocardo popular, “do couro se tira a correia” – a “correia”, no caso, o valor do imposto incluso na operação ou a ela acrescido, ainda não estará em poder do vendedor para que possa entregá-la ao Fisco. Como não terá ele, vendedor, ainda recebido o valor da venda a prazo.

Assim, a aplicação do regime contábil de competência no âmbito das vendas a prazo acaba por ofender a capacidade contributiva específica do vendedor. Pouco importa que, nesses casos, tenha o vendedor capacidade contributiva geral ou genérica.

Progressividade de aliquotas do IPTU

No caso da progressividade de alíquotas do IPTU, é também fácil constatar a ofensa à capacidade contributiva específica de cada proprietário com igual patrimônio imobiliário em um mesmo município.

Como a progressividade de alíquotas do IPTU tem por base o valor venal de cada imóvel urbano, crescendo a alíquota na proporção em que aumenta esse valor, nenhum problema haveria se todos os contribuintes fossem proprietários de imóveis urbanos do mesmo valor venal.

Entretanto, essa hipótese não pode senão ser considerada meramente cerebrina, para simples demonstração da distorção tributária, já que os valores venais dos imóveis em qualquer município variam entre si, por motivos óbvios, decorrentes de sua área, localização, idade e qualidade da construção, etc.

Mas como o princípio da isonomia tributária conjugado com o princípio da capacidade econômica e contributiva específica não admite discriminações na lei ou na aplicação da lei, sobressai a impropriedade e inconstitucionalidade das alíquotas progressivas de IPTU.

Desse modo, essa inconstitucionalidade da progressividade de alíquotas fica evidenciada quando se compara o patrimônio imobiliário de um contribuinte com o de outro no mesmo município. Se a soma do valor venal das propriedades urbanas de um deles for igual à do outro, é evidente que não poderão sofrer carga tributária senão igual entre si.

Ocorre que a aplicação de alíquotas progressivas no campo de um imposto real deixa de considerar, inconstitucionalmente, a capacidade contributiva específica de cada proprietário urbano.

Uma regra tributária de aplicação no âmbito dos denominados impostos pessoais contrabandeada para o campo dos impostos reais só pode resultar nisso mesmo: tratamento anti-isonômico entre contribuintes com igual capacidade contributiva específica: o contribuinte Fulano de Tal, proprietário de um único imóvel no valor venal, digamos, de R$ 1.000.000,00 sendo submetido a uma alíquota, digamos de 2% sobre esse valor venal, enquanto seu vizinho, Beltrano, proprietário de 10 imóveis de R$ 100.000,00 cada um, sendo tributado em 1% sobre o valor venal de cada uma dessas unidades imobiliárias.

Sobressai, daí, a inequívoca ofensa ao artigo 150, II da Constituição Federal, ou seja, o princípio constitucional da isonomia tributária.

Conclusão

Como a Constituição Federal tem embasamento nos fundamentos e princípios por ela enunciados ou encampados, sobressai o direito público subjetivo, ou seja, o direito de qualquer pessoa (física ou jurídica) buscar o amparo do Poder Judiciário contra qualquer ato normativo violador de quaisquer desses princípios e garantias constitucionais.

Nesse sentido, nem mesmo uma Emenda Constitucional escapa da possibilidade de vir a ser declarada nula, inválida, inconstitucional.

Todavia, o Judiciário não age senão pela provocação de cada um de nós, pela via do devido processo legal.

Assim, a garantia de nossos direitos está na proporção direta das iniciativas que venhamos a tomar, no devido tempo, para sua sustentabilidade e para o afastamento do arbítrio.

A busca da igualdade e do tratamento isonômico é parte inafastável da garantia de nossos direitos constitucionais e legais, sob o Estado Democrático de Direito.

Que não sejamos, portanto, omissos.

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Plínio Gustavo Prado Garcia
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