segunda-feira, novembro 21, 2016
Afirma-se, equivocadamente, que os institutos da decadência e
da prescrição não têm cabimento no campo do Direito Ambiental.
Ouso discordar desse entendimento.
É sabido que a decadência diz com a perda do direito de agir
pelo decurso do prazo legal para a administração pública (entre outras pessoas)
praticar o ato dela esperado, permitido ou exigido em lei.
Já, a prescrição pressupõe a perda do direito de propor uma
ação ou de nela prosseguir, em face do decurso do prazo para nela agir.
O pressuposto, portanto, da prescrição se encontra na inércia
da autoridade administrativa que – quando não esteja seu ato atingido por
decadência – deixa o prazo prescricional decorrer in albis.
Na decadência, o ato administrativo não chega a ser praticado
no prazo legal.
Na prescrição, o ato administrativo, tempestivamente
praticado, se mostra tardio quando o sujeito passivo seja regularmente instado
na via administrativa ou na via judicial a cumprir o que nele seja exigido ou
determinado.
Temos, assim, as hipóteses de prescrição antes de instaurado
o processo judicial que tenha por objetivo a execução da decisão
administrativa, e a da prescrição intercorrente, que se opera no curso do
processo judicial por inércia do autor da ação.
DOS PRAZOS
Todo ato administrativo há de ser praticado com observância
dos prazos legais.
Nesse sentido, cuidando-se de relação jurídica de Direito
Público, entre a administração pública e qualquer pessoa de Direito Privado,
física ou jurídica, não pode ela invocar a seu favor quaisquer dos prazos
previstos no Código Civil em matéria de decadência ou de prescrição.
Assim, temos para nós que, inexistindo prazo específico em
lei que disponha sobre o prazo decadencial para prática do ato administrativo,
o prazo aplicável haverá de ser, no máximo, o quinquenal. Nesse passo, é lícito
ao sujeito passivo invocar a seu favor a analogia
e a isonomia, quando menor não seja, o prazo de cinco anos do Código
Tributário Nacional e do Decreto nº 20.910 de 1932, na sua arguição de
decadência do ato administrativo e também de prescrição, quando tardiamente
exigido seu cumprimento na via judicial.
Veja-se outra hipótese legal de aplicação do prazo quinquenal:
“Após
a Lei nº 9.784/99, passou-se a entender que a administração tem o prazo de cinco
anos para anular atos administrativos ilegais, inclusive os anteriores à sua
vigência e que ainda permanecem irradiando seus efeitos, sendo que tal prazo
deve ser contado a partir da sua entrada em vigor, ou seja 1º.02.99.
Precedentes da Corte Especial (MS nºs 9.112/DF, 9.115/DF e 9.157/DF)."
DO FATOR TEMPO SOBRE OS
FATOS DA VIDA E DA NATUREZA
Na vida tudo passa. A natureza, por sua vez, tem suas
próprias leis. O que o homem faz, a natureza pode desfazer. O que o homem
desfaz, a natureza pode também refazer.
Assim, o fator tempo não pode ser desconsiderado nas relações
entre o homem e o meio ambiente.
No âmbito do Direito Ambiental, busca-se, por um lado, a
preservação do meio ambiente. Por outro, sua recuperação.
Todavia, se o ato ou a omissão que pudesse dar ensejo à
lavratura de um Auto de Infração Ambiental já não mais subsiste, porque
reparado voluntariamente por seu agente ou qualquer terceiro antes de qualquer
autuação administrativa, cessa, evidentemente, a própria razão da lavratura
desse auto.
Cessa, igualmente, pelo próprio passar do tempo, quando a
recuperação ambiental haja sido resultado da própria ação da natureza.
Pode alguém ser validamente autuado administrativamente por
fato passado há 100 anos, a 500 anos, a 1.000 anos? Ocorrida a lavratura desse AIA,
poderá ele subsistir? Evidentemente que não. Vê-se, aí,
a ocorrência de um prazo decadencial acoplado ao princípio
constitucional da razoabilidade, ao qual se submete, também, a administração
pública.
Dessa maneira, todo Auto de Infração Ambiental há de se
basear no “status quo” constatado na data de sua lavratura. Em outras palavras, deve corresponder a uma
fotografia do que se possa configurar na sua ocorrência.
O AIA será tardio e
nulo, caso se
reporte a situação pretérita que, enquanto pudesse caracterizar algum ilícito
ambiental, este já não mais exista.
Repetindo, AIA algum poderá exigir do autuado reparação
ambiental, onde essa reparação já tenha ocorrido por força da ação saneadora da
própria natureza sobre o meio ambiente. Mormente quando a pretendida “recuperação”
puder, ela própria, vir a causar dano ambiental superveniente.
Justificar-se-ia um AIA na hipótese de persistência da lesão ao
meio ambiente, caso em que não se poderia acolher eventual alegação do autuado,
arguindo ocorrência de decadência para a sua lavratura.
Em respeito à verdade material, não pode o AIA falsear os
fatos em que se apoie e tampouco colocar o autuado na posição de fazer prova
negativa. De provar o que não fez; de provar que inexista a alegada intervenção
ambiental sancionada por lei. Nada impede, entretanto, que em face das
alegações contidas no AIA demonstre sua intempestividade, a decadência de sua
lavratura, peça a realização de prova pericial “in loco”, junte aos autos
provas fotográficas, e mesmo venha a invocar qualquer fato ou lei superveniente
que desobrigue o autuado de cumprir o exigido no AIA.
Notificação intempestiva
Tal como o Código Tributário Nacional exige tempestivo
lançamento notificado ao sujeito passivo da obrigação, sob pena de decadência, tempestiva haverá de ser, também, a
notificação do autuado no Auto de Infração Ambiental contra ele lavrado.
Tanto quanto o lançamento tributário regularmente notificado
ao sujeito passivo será inválido se
efetuado após o decurso do prazo de cinco anos,
o mesmo se pode dizer e validamente sustentar em relação ao AIA tardio,
lavrado quando já não mais existentes os motivos de fato que pudessem ensejar
sua lavratura.
Nulidade do AIA
Desse modo, é nulo de pleno direito o AIA atingido caducidade
quinquenal sempre que não se trate de alegação comprovada de dano continuado ao
meio ambiente, ou, em se tratando de lesão ambiental sanável, esta já tenha
sido sanada pelo autor ou qualquer terceiro que não o autor, ou pela simples
força do passar do tempo e da ação da natureza.
Em suma, AIA nenhum pode apresentar senão uma fotografia que demonstre o “status” físico-ambiental da área
geográfica a que se refira, de modo a espelhar sua real situação em termos de
meio ambiente local.
Desse modo, impõe-se distinguir entre uma intervenção
ambiental que se protraia no tempo e aquela outra cujos efeitos já tenham
cessado à data da lavratura do AIA.
No primeiro caso, não se falará em hipótese de decadência do
poder-dever de lavrar o AIA. No segundo, o AIA não se justificará, por falta de
objeto, sendo “ïpso facto” nulo de pleno direito. Ainda que não tenha sido
atingido pela decadência temporal.
Já, se lavrado tempestivamente, ainda assim o AIA poderá ser
invalidado e cessar sua exigibilidade no caso de ocorrência de prescrição por
ajuizamento tardio da ação judicial pertinente, ou, ainda que não tardia esta, se
sobrevier a prescrição intercorrente, observado sempre, nessas duas hipóteses o
prazo legal de cinco anos, como prazo decadencial e prescricional máximo.
DA MULTA AMBIENTAL
Destaque-se, por último, que nenhuma multa ambiental
decorrente da lavratura de um AIA atingido por decadência ou por prescrição
haverá de subsistir. Principalmente quando eventual reparação ambiental
superveniente já tenha ocorrido por ato humano espontâneo, ou pela própria
força da natureza, antes da lavratura desse AIA.
Basta lembrar que a própria legislação ambiental prevê, quando sustentável o AIA e sua
exigibilidade, o direito do autuado de optar por pedido de redução da multa
mediante a adoção de medidas reparadoras do meio ambiente afetado.
CONCLUSÃO
Em suma. Não há campo no direito brasileiro para a inadmissão
de decadência do ato administrativo. E também para a sua imprescritibilidade.
O ato administrativo que resulte em um AIA, é ato de lançamento tal como ocorre no
lançamento tributário. Apenas diferem no objeto.
A decadência atinge o lançamento tardio. Invalida o AIA. A
prescrição, que pressupõe AIA válido e exigível, produz a inexigibilidade de
seu objeto e a extinção da ação por meio da qual venha a ser cobrado.
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