sexta-feira, novembro 11, 2016
Protesto! Fico a pensar se
estamos, efetivamente, sob um Estado de Direito ou sob o direito do Estado.
Diz a Constituição que o poder
emana do povo e no seu nome deve ser exercido. Tudo bem se assim for. Mas será
que, na prática, isso ocorre mesmo? Tenho mais do que dúvidas sobre isso.
Se o poder, efetivamente, emana
do povo, este não poderá ser colocado em uma situação de jugo, de submissão ao
poder estatal. O poder não pode ser exercido em nome do Estado, mas, sim, em nome
do povo e no interesse do povo por intermédio do Estado.
Os interesses meramente
arrecadatórios não podem se sobrepor aos interesses da coletividade e da
individualidade de cada um de nós. De nossos direitos individuais e coletivos. Onde
está o Estatuto do Contribuinte, que já deveria ter sido votado e aprovado no
Congresso?
Ninguém nega o dever das Fazendas
Públicas de buscar receber os créditos fiscais. Para isso, o ordenamento
jurídico vigente prevê o procedimento fiscal de constituição do crédito
tributário ou não tributário, via lançamento pela autoridade competente.
Nenhum procedimento
administrativo que possa resultar em constituição de crédito da Fazenda Pública
dispensa a regular intimação desse sujeito passivo. Intimado, este poderá
defender-se ou não se defender na via administrativa. Nessa via, não tem a
autoridade administrativa poder de decidir sobre constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da lei ou do dispositivo legal em que se apóie o
lançamento fiscal.
Só isso basta para que o nome do
sujeito passivo não seja, automaticamente, levado a protesto em Cartórios de
Protestos. Mais ainda quando se sabe que uma CDA carece de presunção absoluta
de liquidez e certeza. Se essa presunção já fosse absoluta, que em direito não
admite prova em contrário, teríamos manifesta ofensa ao direito constitucional de
cada um de nós ou de nossas empresas de, até mesmo, questionar em juízo esse
título extrajudicial ou os fatos que lhe tenham dado causa.
Intimado o interessado na via
administrativa, da sua omissão ou da rejeição de seus argumentos de defesa
resultará a inscrição em dívida ativa do suposto crédito fiscal, com base na
qual se expedirá a CDA (Certidão de Dívida Ativa).
Essa CDA é o documento com base
no qual se inicia a cobrança do suposto crédito por ela representado.
Essa cobrança se faz pela via da
execução fiscal, quando seu valor não tenha sido, antes disso, pago pelo
sujeito passivo. Aceitando pagá-lo, fica implícito que o sujeito passivo
considerou-se, efetivamente, devedor do valor cobrado. Ou pagou mesmo
sabendo-se não devedor, para evitar os ônus e os aborrecimento de um processo
judicial. E pode até mesmo não ter sido
devedor, se, antes disso, o suposto crédito representado pela CDA já estivesse
prescrito ou o lançamento houvesse já sido atingido por caducidade. Casos em
que o pagamento efetuado em cartório ou fora dele constitui pagamento de um indébito,
de um crédito já indevido.
Como título executivo extrajudicial
assim reconhecido pelo Código Tributário Nacional, a CDA embasa a cobrança
judicial.
Iniciada a execução e citado o
executado, tem ele estas possibilidades de conduta: a) pagar seu valor em
juízo; b) defender-se nos autos da própria execução por meio do que se denomina
exceção de pré-executividade, sem necessidade de nomear bens à penhora; c) fazer essa nomeação ou vir a sofrer a
penhora; d) defender-se ou não por meio de embargos à execução.
Antes de instaurada a execução,
poderá até mesmo propor ação de sustação de protesto cumulada com pedido de anulação
da suposta dívida.
O erro do Supremo
Errou o Plenário do Supremo Tribunal
Federal ao negar provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), promovida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio da
qual entendia ser inconstitucional a permissão contida em artigo introduzido em
lei sobre tema diverso, artigo esse que incluiu no rol dos títulos executivos
extrajudiciais a possibilidade de protesto de CDA em cartórios de protesto.
Baseado no voto do ministro
Barroso, como relator, e seguido nesse voto por outros seis ministros,
prevaleceu a improcedência dessa ADIn. Deveria ter prevalecido, no entanto, o
posicionamento dos outros três ministros divergentes do relator.
Verifica-se, nas razões de
decidir do relator e dos ministros que o acompanharam, uma fundamentação nada
jurídica, por levar em conta, antes de tudo, que o protesto cartorário de uma
CDA abreviaria a cobrança dos créditos fiscais. Seria um meio mais eficaz de
aumentar a arrecadação das Fazendas Públicas.
Um dos principais erros desse
julgamento se encontra no fato de que os senhores ministros contrários ao
pedido formulado pela CNI ignoraram que a
relação jurídica entre a Fazenda Pública e as pessoas naturais ou jurídicas de
direito privado se manifesta verticalmente. Isso porque a Fazenda Pública
age a partir de uma posição de poder-dever; submete essas pessoas a uma relação
de sujeição e não de coordenação.
Exatamente por isso, uma CDA,
como título executivo extrajudicial advindo de um órgão público, não necessita
de ser levada a cartório de protesto, devendo, isto sim, ser o documento que
instruirá a instauração da execução judicial.
Já, entre particulares, há uma relação jurídica horizontal entre
partes em conflito (suposto credor e suposto devedor) em que o título
representativo de um crédito pode ser – mas não precisa ser – levado a
protesto.
É evidente que o suposto devedor
poderá ou não pagar o título em cartório, após seu apontamento, ou mesmo depois
de protestado. É uma opção sua. Poderá, também, buscar sua anulação.
O protesto tem por finalidade,
antes de tudo, noticiar a terceiros eventualmente interessados que, contra o
suposto devedor há, da parte do suposto credor, uma pretensão ao recebimento do
título em questão. E, também, advertir do risco que esses terceiros poderão
sofrer em negócios outros relacionados com o suposto devedor. Mas é também um
fator de restrição de direitos em detrimento do “protestado” na sua vida em
sociedade.
Nessa relação jurídica de
coordenação, levar a protesto o título é uma faculdade do suposto credor, o
qual espera, com isso, venha o suposto devedor a pagá-lo e, assim, ficarem
quites um com o outro. Muitas vezes, o protesto acaba por complicar ainda mais a vida do suposto devedor e, assim, até mesmo a inviabilizar o pagamento da suposta dívida deste perante o pretenso credor.
Mais do que curial, é de lei que
um título executivo extrajudicial privado não depende de protesto para instruir
eventual execução judicial.
Sendo assim, como o é, mais grave
se torna o expediente de levar-se a protesto uma CDA contra o suposto devedor
de um suposto crédito fiscal.
Isonomia e poder estatal
A relação entre o Estado e as
pessoas naturais e jurídicas se pauta, como apontado acima, numa linha vertical
de poder. O poder estatal.
Entretanto, o Estado não pode
invocar, a seu favor, tratamento isonômico
nas suas relações com os particulares.
A isonomia nada mais é do que a
aplicação do princípio da igualdade por classes, entre pessoas ou situações. É
uma garantia constitucional da cidadania. Opera-se numa relação jurídica
horizontal entre essas pessoas.
O tratamento isonômico não
depende de disposição legal. Decorre do princípio constitucional da igualdade.
Exatamente por isso, não pode o
Estado descer ao nível das relações privadas para, nelas intervindo, valer-se
do expediente de levar a protesto uma CDA.
Evidencia-se, assim, expediente
desnecessário e um meio coercitivo de forçar o suposto devedor a pagar o que, nem sempre, seja devido.
Note-se que o protesto de CDA não
constitui garantia do recebimento do valor nela expresso. Torna-se uma nuisance, um embaraço, um incômodo a atazanar a vida, os negócios e
a imagem da pessoa ou da empresa por ele atingido, em detrimento de suas atividades
civis e operacionais, podendo, até mesmo, conduzi-las a maiores inadimplências,
quando não à própria falência.
Basta ver que, muitos negócios da
vida privada dependem de certidões negativas de protestos como requisito
indispensável à sua efetivação. Até mesmo conseguir empregos em certas áreas
profissionais. Representa, para essas vítimas do protesto uma verdadeira capitis deminutio, levando-as a uma verdadeira
condição de pária social.
O Supremo se diminuiu
Lamentavelmente, o Supremo, nesse
julgamento, desceu do excelso pretório para dar prevalência ao interesse do
Estado em detrimento da cidadania.
Os donos de cartórios de protesto agradecem, penhoradamente, aos ministros que votaram pela improcedência da ADIn da CNI.
Recomendação
Se não sobrevier lei nova
revogando o implante por meio do qual se introduziu em lei de natureza e
objetivo diverso, o monstrengo da autorização do protesto de CDA, ou mesmo uma
Emenda Constitucional garantindo a todos o direito de não serem objeto de
protesto de CDA em cartórios de protestos de títulos, logo teremos no Brasil um amplo “cemitério de protestados”. Que, se
protestantes por seus direitos fossem, não iriam permitir que seus
representantes no Congresso viessem a criar esse monstrengo jurídico, de
elevado índice de autoritarismo.
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