segunda-feira, setembro 14, 2015

O Uber e os privilégios de classe


Já escrevi que não somos (ainda) uma nação de direitos conquistados, mas de direitos concedidos ou negados pelos detentores do poder.
Historicamente, a livre iniciativa jamais foi efetivamente livre desde o “descobrimento” do Brasil, na medida em que, a rigor, todo empreendimento no campo econômico sempre esteve a depender de algum alvará governamental.
Os privilégios de classe sempre foram concedidos aos amigos do “rei”, quer na monarquia, quer na república.
Nesse sentido, sobressai a convergência entre o poder político e o poder financeiro. Quem tem, manda. Que não tem, pede. Quem pede, deve fazer concessões a quem decide. Disso resulta o casamento de interesses e a necessidade de pagar propinas.
Logo, onde o Estado manda, quem não manda tem de sujeitar-se aos desmandos e ao pagamento do preço para conseguir o que, na livre iniciativa, dependeria apenas da vontade de empreender e de por em prática seus talentos e meios necessários à realização de seu objetivo.
A vigente Constituição Federal, inúmeras vezes já emendada desde 1988, consagra como fundamento o Estado Democrático de Direito e destaca como um de seus princípios a livre iniciativa.
Na prática, entretanto, verificamos a intervenção do Estado no campo econômico, com as inúmeras empresas estatais, onde o Estado não deveria nem precisaria estar atuando.
Resulta disso, um estado de compadrismo entre seus dirigentes e certos grupos empresariais privados, como se tudo que se faça, mesmo por meio de licitação,  esteja a atender aos interesses da população em geral e, portanto, dos contribuintes submetidos a uma sempre crescente carga tributária.
Passa o País por grave crise que, sendo antes de natureza política e ideológica, descambou no campo econômico e financeiro.
Nenhuma solução será suficiente para reduzir-se o deficit das contas públicas enquanto perdurar a excessiva intervenção governamental em atividades inerentes ao setor privado.
Essas contas necessitam de cortes nas suas origens, o que exigirá a redução do tamanho do Estado para que possa o País ser autossuficiente. E isso exigirá, necessariamente, a privatização de inúmeras empresas estatais ou  ao menos que o Estado reduza ou elimine sua participação em sociedades de economia mista.
É sabido que aos governantes sempre convém a existência de empresas estatais, pelo simples fato de que propiciam a oportunidade de emprego aos “companheiros” ou amigos do “rei”. Todavia, o inchaço desse setor que em nada contribui para o desenvolvimento da livre iniciativa, passa a ter um peso insustentável para a nação, em detrimento de todos que tenham de suportar essas contas.
Verificamos, entretanto, que essa aversão à livre iniciativa não se limita ao campo governamental, sempre que constatamos a ferrenha defesa de interesses de grupos avessos a abrir mão de privilégios “conquistados” por meio de pressão sobre seus eleitos, a quem compete legislar neste País.
Não é por menos que a lei de defesa da concorrência, que veda privilégios e o “fechamento” do mercado para os que ainda não hajam logrado nele entrar, veio a ser editada, já, de longa data, para coibir esses abusos.
Veda o abuso do poder econômico e a concentração de empresas, que possam conduzir à inibição da livre concorrência.
Entretanto, a livre concorrência se vê coartada não apenas quando afetada por atos de alguns ou muitos grupos empresariais.
Casos típicos de cerceamento da livre iniciativa e da livre concorrência ocorrem sempre que determinadas classes laborais restringem o acesso de novos competidores nos mercados em que atuem.
O recente “Caso Uber” nos dá um exemplo dessas  objeções. Objeções obviamente descabidas.
Fica ali evidente a defesa do corporativismo, da parte dos taxistas.
Há, entretanto, um terceiro interessado que ficou esquecido nessa contenda entre os elementos em conflito: o usuário dos serviços e seu direito de escolha, de optar por ser transportado por um taxi ou por um veículo particular vinculado à plataforma do Uber.
Esse direito de opção há de prevalecer em qualquer caso. É o direito de consumidor, na acepção ampla que se dá, atualmente, a essa palavra, desde o advento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990.
Não se nega que os serviços prestados alternativamente por condutores de veículos vinculados à plataforma do Uber devem ser regulados por lei. Todavia, enquanto assim não o sejam, livres estarão para assim serem prestados a quem deles necessitem.
Prevalece no País o princípio constitucional segundo o qual ninguém pode ser proibido de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Entretanto, isso não significa que basta existir uma lei para que determinada atividade econômica ou profissional não possa ser exercida. Se a lei transborda dos limites de constitucionalidade, será ela mesma inconstitucional.
Por isso mesmo, municípios, como o de São Paulo, ao editarem leis que impedem a prestação de serviços de transporte urbano de passageiros por veículos particulares em concorrência com taxis, estarão legislando contra a Constituição, contra a livre iniciativa e favorecendo o fechamento do “mercado”  nesse particular.
É grande a distância entre a regulamentação de uma atividade econômica e a proibição dessa mesma atividade.
O monopólio é exceção sob a Constituição Federal vigente, e o fechamento de mercado para esta ou aquela categoria profissional não pode prevalecer sobre os direitos e os interesses de seus destinatários: os usuários, os consumidores desses bens ou serviços.