Vigora entre nós, no Brasil, o princípio segundo o qual toda lei se presume constitucionalmente válida, até decisão final em contrário.
Diante disso, a ninguém é lícito alegar ignorância da lei a pretexto de se escusar de cumpri-la.
Entretanto, a inconstitucionalidade da lei pode ser arguida a tempo e a modo por quem entenda estar no direito de assim agir, pois lei alguma escapa do crivo judicial.
Necessidade?
Sendo assim, como é, cabe indagar da necessidade de haver a Lei 9.868 de 10 de novembro de 1999 instituído no ordenamento jurídico nacional a ação direta de constitucionalidade, no âmbito da competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal.
A quem aproveita ver declarado constitucional uma lei que nem mesmo haja sido inquinada de inconstitucional, ainda que possa isso vir a acontecer?
Certamente, isso não é necessário da parte de todos quantos nada vejam de inconstitucional em tal lei ou ato normativo.
Assim, a ação direta de constitucionalidade entra em campo naqueles casos ou naquelas hipóteses em que se pretenda contrapô-la às ações diretas de inconstitucionalidade. Ou em que haja risco potencial de ser decretada a inconstitucionalidade da lei em ações de controle difuso de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Ofensa à razoável duração do processo
Caso típico de tal ocorrência se verifica no ajuizamento, pela União Federal (Fazenda Nacional) da ação direta de constitucionalidade buscando assegurar a higidez constitucional da incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.
Isso na tentativa de sobrepor-se à decisão a ela contrária, em que por 6 a 1, o Supremo Tribunal Federal vem dando provimento a Recurso Extraordinário no curso de ação judicial movida por contribuinte contra essa inclusão.
Entendeu o Supremo de sobrestar, temporariamente, a conclusão do julgamento de tal Recurso Extraordinário em ação instaurada no contexto do controle difuso de constitucionalidade, até que viesse a ser julgado o mérito da superveniente ação direta de constitucionalidade.
Essa suspensão temporária resultou da concessão de liminar a favor da União Federal, com prazo de 180 dias, prorrogado e que já se acha vencido, a não mais impedir a conclusão do julgamento do mencionado Recurso Extraordinário do contribuinte.
Em razão disso, nas instâncias inferiores já há julgamentos favoráveis aos contribuintes, na esteira dos votos já proferidos naquele Recurso Extraordinário, como precedente jurisprudencial, inobstante ainda não concluída sua votação no Supremo.
Desnecessário, assim, dizer que o ajuizamento de tal ação direta de constitucionalidade veio a ferir o disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, que respalda o direito à razoável duração dos processos quer na via judicial, quer no âmbito administrativo.
Outro aspecto
Vejamos outro aspecto. O Poder Executivo dispõe do direito e do poder de editar Medidas Provisórias nos termos do artigo 62 da Constituição Federal e existe no Congresso Nacional a Comissão de Constituição e Justiça, a par do fato de que o Poder Legislativo pode não só rejeitar MPs como vir a modificá-las ou a aprová-las sem alterações.
Instituto jurídico prescindível
Verifica-se, assim, que o instituto da ação direta de constitucionalidade é arma judicial que não tem justificativa sob o ângulo do Estado Democrático de Direito. Mesmo tendo respaldo em Emenda à Constituição Federal (número 3/93) e estando prevista no seu artigo 102, I, alínea ‘a”..
Se a hipótese legal de seu cabimento seria a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória, isso, por si só, já evidenciaria a desnecessidade de tal ação direta.
Ora a controvérsia preexistente independe de uma nova ação judicial (de controle concentrado de constitucionalidade). Isso porque o que vier o Supremo a decidir quer no controle difuso quer no controle concentrado (no âmbito das ações diretas de inconstitucionalidade) já consignará a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo contestado.
Segurança jurídica
Inobstante esses fatos, há de se preservar a segurança jurídica de todos quantos, até da decisão do Supremo julgando procedente uma ação direta de constitucionalidade, estivessem amparados por liminar, tutela antecipada, sentença ou acórdão reconhecendo a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado.
Pouco importa, nesse particular, que apenas uns poucos autores hajam encetado tais processos no controle difuso de constitucionalidade, e que, assim, pudessem ser os únicos beneficiados ou beneficiários dessas decisões anteriores ao pronunciamento final do Supremo no âmbito de uma ação direta de constitucionalidade. “Dormientibus non succurrit jus”.
Daí porque, nesses casos, há de ser respeitada a segurança jurídica desses autores, não podendo seus direitos ser atingidos por eventual efeito “ex tunc” da declaração de constitucionalidade da lei ou do ato normativo.
Evidentemente, deverão eles curvar-se a partir daí aos efeitos resultantes dessa declaração, ou seja, efeitos “ex nunc”. O fato é que o superveniente ajuizamento da ação direta de constitucionalidade veio a coarctar seu direito de obter a decisão final do Supremo em seus pleitos individuais ou coletivos específicos.
Não é por menos que, em respeito à segurança jurídica, o próprio Código Tributário Nacional desautoriza a aplicação de sanções a quem tenha se pautado na conformidade da resposta a consultas feitas à autoridade tributária, à administração tributária.
Se assim é ali, por que haveria de ser diferente o resultado, em detrimento de quem já estava amparado por decisão judicial, ainda que, ao final, estivesse a depender do julgamento perante o Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário que buscasse a reforma do quanto decidido a favor do autor ou dos autores da ação?
Instrumento espúrio
Em suma, temos aí nas ações diretas de constitucionalidade um instrumento espúrio de que se vale o Estado. Ora não prevalece no País princípio algum no sentido de que todas as leis e todos os atos normativos sejam inconstitucionais até decisão contrária do Supremo Tribunal Federal, que viesse a declarar sua constitucionalidade.
Conclusão
O instituto da ação direta de constitucionalidade deveria ser extirpado do texto constitucional a bem da administração da Justiça e da eficácia do direito público subjetivo à razoável duração do processo.
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Plínio Gustavo Prado Garcia
www.pradogarcia.com.br
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